Mensagem Quaresmal do Bispo do Algarve, D. Manuel Neto Quintas -2023

 

Este é o tempo favorável (2 Cor 6,2)

1. Tempo favorável
A liturgia de Quarta-Feira de Cinzas, marcada pelo gesto simbólico da Imposição das cinzas, acompanhado pelo convite “arrependei-vos e acreditai no Evangelho” (Mc 1,15), introduz-nos no caminho quaresmal e que acolhemos anualmente como tempo favorável:
– para responder a este convite, que a liturgia nos recordará de diferentes modos, ao longo dos próximos quarenta dias que culminam com a celebração do mistério pascal da paixão, morte e ressurreição do Senhor;
– para reviver a experiência de Israel a caminho da terra prometida e o tempo que Jesus passou retirado no deserto, em oração e jejum, ao qual se seguiu a vitória sobre o tentador e o início da pregação do Evangelho e do anúncio do Reino.
É toda a Igreja, em cada um dos seus membros, que é convidada a percorrer este caminho. Igreja que é santa em Cristo mas pecadora nos seus membros e, por isso, sempre necessitada de se purificar e de se renovar pela penitência (cf. LG 8).
A recente publicação do relatório para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa pela Comissão Independente, a pedido da Conferência Episcopal, constitui um veemente apelo à conversão. Ninguém pode abafar ou ignorar este grito. Trata-se de uma realidade inqualificável. “Um só caso constitui uma realidade monstruosa” (Papa Francisco).
Em boa hora a Conferência Episcopal, demonstrando coragem e decisão em conhecer a verdade sobre esta “chaga humana e social” no âmbito da sua ação, decidiu percorrer este caminho. Se reconhecemos que “a verdade liberta” (cf. Jo 8,22) também temos de assumir a responsabilidade que essa verdade reclama. Com o pedido de perdão a todas as vítimas, inclusive àquelas que não tiveram a coragem de o manifestar, sentimo-nos obrigados a:
– assumir as consequências destes atos inqualificáveis, cometidos por quem devia ser “defensor” e não “abusador” dos mais frágeis, conscientes de que tudo o que possamos fazer apenas atenuará o sofrimento e a humilhação das vítimas;
– promover ações de formação com todos os agentes de pastoral sobre este assunto com o objetivo de criar uma “cultura do cuidado e da transparência” em todas as instituições eclesiais;
– incutir nas comunidades cristãs, e através delas na sociedade em geral, uma nova sensibilidade de modo a prevenir e a denunciar situações que possam ocorrer na proteção e defesa das crianças, adolescentes e adultos vulneráveis.
Temos consciência de que a nossa necessidade de conversão pessoal se situa num âmbito mais vasto do que este, uma vez que abrange todas as dimensões da nossa vida. A oração, a esmola e o jejum são-nos recordados cada ano pela liturgia de Quarta-Feira de Cinzas como meios imprescindíveis para uma adequação sincera da nossa vida a Cristo e ao Evangelho que ele anunciou. Meios imprescindíveis e inseparáveis, já que se reclamam mutuamente.

2. Ascese quaresmal, itinerário sinodal
Queremos percorrer este caminho quaresmal, em comunhão com toda a Igreja, iluminados e sintonizados com a mensagem quaresmal do Papa Francisco, inspirada no episódio da Transfiguração de Jesus (2º domingo da Quaresma), precedido pela profissão de fé de Pedro em Jesus como Messias e Filho de Deus, mas logo seguida da rejeição do anúncio da sua paixão e da cruz.
O Senhor convida-nos também a nós, neste tempo, a subir a “um alto monte” (cf. Mt 17,1-9) com Ele e com todo o Povo de Deus, a fazer uma experiência de superação das nossas faltas de fé e das nossas resistências em segui-l’O pelo caminho da cruz. Trata-se de um verdadeiro caminho sinodal, porque o percorremos juntos como discípulos de um único e mesmo Mestre, conhecedores de que Ele é esse Caminho que conduz a entrar plenamente na compreensão e na vivência do Mistério de Salvação, que Ele consuma com a sua morte cruz e a sua ressurreição.
O caminho quaresmal, bem como o caminho sinodal conduzem a uma transfiguração pessoal e eclesial, só possíveis aos que se decidem a escutar Jesus e a escutar os irmãos em Igreja. Não desperdicemos o alimento nutritivo que a Igreja diariamente nos oferece na Liturgia Eucarística com as Leituras bíblicas de cada dia, mesmo para quem não lhe é possível participar na Missa, “valendo- nos até da ajuda da internet”; a escuta de Cristo passa também pela escuta dos irmãos. Uma escuta recíproca e sinodal, sempre enriquecedora e estimulante, para quem quer prosseguir no caminho da transfiguração pessoal.

3. Partilha fraterna e solidária
A escuta de Cristo, pela voz dos irmãos, sobretudo dos mais necessitados, conduz-nos a integrar na espiritualidade deste tempo a partilha fraterna, através da denominada “renúncia quaresmal”, expressão solidária com os mais necessitados da Igreja local ou universal. Nos últimos anos esta expressão ficou bastante limitada pelas contingências da pandemia. No ano passado canalizámos os donativos recolhidos para a Diocese de S. Tomé e Príncipe, em resposta a um pedido do seu Bispo que nos manifestou a insuficiência dos recursos diocesanos mesmo para a vida ordinária. Foi recolhida a quantia de 10.550,00€. Este ano por indicação do Conselho Presbiteral vamos unir-nos na resposta a um pedido que nos chegou de Angola, Diocese de Viana, os “Missionários de Santa Teresa de Jesus”, ainda nos seus inícios, com o projeto de construírem uma Casa de Formação para os seus seminaristas (45) do curso de teologia, cujas obras prosseguem a um ritmo muito lento, conforme a chegada de donativos para essa finalidade. Apraz-me informar-vos que da recolha extraordinária que efetuámos na quadra natalícia a favor da arquidiocese de Kiev, na Ucrânia, resultou a quantia de 27.731,29€, incluindo o donativo (2.400,00€) da comunidade ucraniana (greco-católicos) assistida pelo Pe. Trushko Oleg. Agradeço a todos a generosidade demonstrada.
Como nos recorda o Papa Francisco, a Quaresma não é um fim em si mesma, mas prepara-nos para viver – com fé, esperança e amor – a paixão e a cruz, a fim de chegarmos à ressurreição. Deixemo-nos conduzir pelo Espírito Santo. Seja Ele a guiar-nos neste caminho sinodal de conversão pessoal e eclesial, de modo a nos assumirmos como “artífices de sinodalidade na vida ordinária das nossas comunidades”.

Faro, 20 de Fevereiro de 2023.
† Manuel, Bispo do Algarve

 
 

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