Nota pastoral do bispo do Algarve deseja que vinda da relíquia de S. Vicente proporcione “renovado impulso missionário”

O Patriarcado de Lisboa está a celebrar 850 anos da chegada das relíquias de S. Vicente, à cidade de Lisboa, trasladadas do Cabo de S. Vicente, por intervenção de D. Afonso Henriques, em 1173. Relíquias veneradas, desde então, na Sé Patriarcal, o que motivou a escolha de S. Vicente como patrono do Patriarcado.
O acolhimento da relíquia de S. Vicente, partilhada nesta ocorrência pelo Cabido da Sé Patriarcal de Lisboa com a Diocese do Algarve, em sinal de comunhão fraterna, e a proximidade da celebração litúrgica de S. Vicente, proporciona-me a oportunidade de me dirigir a todos vós, meus estimados diocesanos, com o propósito de vos recordar alguns aspetos da sua vida, bem como de vos indicar alguns apelos, inspirados em S. Vicente como diácono da Igreja, mártir de Cristo e nosso padroeiro.

1. São Vicente, diácono da Igreja
Em fins do século III, o imperador Diocleciano procedeu a uma reorganização do império romano, com o objetivo de eliminar os fatores que podiam enfraquecer a sua unidade e conduzir à sua decadência. Uma das medidas de maior relevo consistiu na perseguição geral aos cristãos, que não reconheciam a sua divindade e se recusavam a
prestar-lhe culto. Esta perseguição, conduzida pelo governador Daciano, foi particularmente feroz na Igreja de Saragoça, sujeitando o Bispo Valério e o seu Diácono Vicente a toda a espécie de sofrimentos. O Bispo foi desterrado para Valência. O Diácono foi submetido a diversos tormentos com o objetivo de o demover da profissão da fé cristã. Tudo em vão. Nada, nem ninguém conseguiu desviá-lo da sua firme convicção, apesar das muitas tentativas do governador. Vicente testemunhou com o seu martírio a firmeza da sua fé em Cristo e do seu amor à Igreja. Tal como o martírio do Diácono Estêvão foi uma referência para a Igreja nascente de Jerusalém e o do Diácono Lourenço o foi para a Igreja de Roma, também o martírio do Diácono Vicente contribuiu para o fortalecimento e a maturidade da fé na Igreja e nas comunidades do sul da Península Hispânica.

2. S. Vicente, mártir de Cristo
S. Vicente testemunhou com a sua vida, e mais ainda com o seu martírio, a convicção profunda de Paulo a respeito daqueles que, no seu tempo e em todos os tempos, não se atemorizavam nem cediam perante os sofrimentos enfrentados por causa de Cristo e do Evangelho. Cristo foi o verdadeiro vencedor em Vicente. Vencedor tanto na vida, pela sua diaconia, como no martírio e inclusive após a sua morte, pois o governador tudo fez para se ver livre do seu corpo, não o tendo conseguido. Foi recolhido e venerado pelos cristãos de Valência, contribuindo para o fortalecimento da sua fé ao longo dos séculos seguintes. Em S. Vicente confirmou-se o dito de Tertuliano (séc. II), sangue de mártires, semente de cristãos, como constatação de que o martírio a que foram sujeitos tantos cristãos, provocou em muitos outros o seguimento de Cristo.

3. S. Vicente, patrono da nossa Diocese
A invasão muçulmana do sul da Península, no inícios do século VIII, levou um grupo de cristãos de Valência, a refugiarem-se numa região afastada a ocidente, num lugar conhecido na antiguidade como lugar sagrado (Sagres), para aí depositarem e defenderem os restos mortais do seu mártir. Região e lugar que depressa se tornaram centro de peregrinação para venerar o corpo de S. Vicente, vindo a dar o nome ao cabo que ainda hoje ostenta o seu nome (Cabo de S. Vicente, Costa Vicentina). Esta íntima ligação de S. Vicente ao crescimento da Igreja no Algarve, levou o Bispo D. Francisco Gomes de Avelar, por rescrito da Sagrada Congregação dos Ritos de 13 de fevereiro de 1794, a proclamar S. Vicente, como padroeiro principal da nossa Diocese. O testemunho dos mártires, com o sacrifício da própria vida, continua a falar-nos, hoje, através das suas relíquias, atualizando em cada tempo e em cada comunidade cristã, o seu amor a Cristo e ao Evangelho. A relíquia tem um alcance que ultrapassa a sua condição de ser parte, ainda que mínima, do seu corpo. “A relíquia do mártir é um venerando objeto de devoção, (…) capaz de acordar o coração do ser humano para desejos maiores, para metas que não sejam as imediatas e óbvias, para ter a força de relativizar o relativo e abraçar um quinhão de absoluto.” (D. Tolentino Mendonça, São Vicente, uma herança para a Lisboa do futuro, Conferência, 15.09.2023). O martírio do Diácono Vicente foi semente lançada à terra na Igreja de Saragoça e de Valência, que depressa germinou e frutificou em todo o sul da Península. Como Igreja diocesana do Algarve, sentimo-nos herdeiros do seu testemunho e do seu decisivo contributo para o fortalecimento da fé de quantos aqui, marcados pelo seu exemplo, a viveram, a celebraram e a foram transmitindo através das gerações. Queremos, também nós hoje, conhecer a sua vida e o seu testemunho como diácono e mártir, para melhor o venerarmos, mais assiduamente invocarmos a sua proteção sobre a nossa Igreja diocesana e cada uma das suas comunidades, e mais esclarecidamente seguirmos e imitarmos a heroicidade do seu testemunho de fé. Queremos aprender com S. Vicente o serviço da diaconia, caraterística que define a identidade da Igreja, de cada ministro ordenado e de cada cristão.

Queremos que a veneração desta relíquia proporcione a todos e às nossas comunidades um renovado impulso missionário, levando-nos a acolher o testemunho e o apelo de S. Vicente a amar até ao fim, no seguimento de Cristo na sua doação plena ao Pai e a todos.
Queremos que a palma do martírio de S. Vicente continue, com a sua intercessão, viçosa e verdejante no coração dos cristãos algarvios e seja sinal da vitalidade da fé que nos inspira e anima no testemunho de Cristo. Possa a invocação de S. Vicente, nosso padroeiro, fazer de todos nós semente lançada nesta terra algarvia, fermento que leveda e faz crescer, luz que ilumina e aquece, sal que tempera e dá sabor, na certeza de que é dando a vida, como o grão de trigo, que produziremos os frutos abundantes do Reino de Deus.

Faro, 18 de janeiro de 2024.

+ Manuel Neto Quintas, Bispo do Algarve
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ORAÇÃO
São Vicente, diácono da Igreja,
ensina-nos a fidelidade ao Evangelho,
a gratuidade e a humildade no serviço,
a ousadia da fidelidade e da caridade,
na defesa da Justiça e da Verdade.
São Vicente, mártir do Senhor,
testemunha coerente da vida e da fé,
fortalece-nos no seguimento de Cristo,
a sabermos dar a vida para a ganhar,
a permanecer no Amor até ao fim.
São Vicente, patrono da nossa Diocese,
que intercedes junto de Deus por nós,
fortalece os jovens no discernimento da vocação
e na urgência da missão,
ajuda-nos a caminhar em santidade de vida,
a servir com generosidade desprendida,
a testemunhar a Esperança com alegria.

(Cónego Carlos Aquino)

 

 

Fonte: https://folhadodomingo.pt

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