Não tenhais medo! Ressuscitou!
Celebrar a Páscoa é deixar-se contagiar pela alegria que inundou o coração de quantos experimentaram e testemunharam a presença de Cristo ressuscitado, naquele primeiro dia da semana, quando as mulheres, sobressaltadas e assutadas, ao verificarem que a pedra do sepulcro estava removida, escutaram do anjo o anúncio da ressurreição: “Não tenhais medo! Sei que procurais Jesus, o Crucificado. Não está aqui, pois ressuscitou como tinha dito. Ide, depressa, dizer aos seus discípulos: Ele ressuscitou dos mortos!” (Mt 28, 5-6: vigília pascal).
É esta alegre notícia, acolhida pelas mulheres e levada, sem demoras, aos apóstolos e, depois, confirmada pessoalmente por Pedro e João, notícia que passará de boca em boca, de geração em geração, e que cada Páscoa celebra e atualiza, chegando também a nós com a mesma novidade e intensidade. Não tenhais medo, é saudação e proclamação de fé, que a celebração da Páscoa, em tempo de profunda perturbação, nos convida a professar e a partilhar. Os efeitos provocados pelo Covid-19, o “estado de emergência” em que nos encontramos e a consequente responsabilidade social e cívica de todos, obrigam-nos a celebrar o mistério pascal, núcleo essencial da nossa fé, de “modo diferente”, como diferente tem sido já a vivência deste tempo de Quaresma.
1. Uma Quaresma “diferente”
Seguramente que as nossas opções pessoais, como caminho quaresmal de resposta ao apelo à conversão, não incluíam quanto estamos a viver, nomeadamente: – a amarga experiência pessoal ou familiar da infeção deste vírus, inclusive com o internamento e a morte de entes queridos, sofrimento agravado pela impossibilidade duma digna “última despedida”; – o “jejum heroico” do relacionamento humano e social, mesmo familiar, que esta situação exige, obrigando-nos a permanecer “em casa”; – o “jejum da comunidade eclesial”, da Palavra partilhada em Assembleia
dominical, da Eucaristia festiva e participada, das celebrações penitenciais, das procissões quaresmais, das celebrações da Semana santa, do Tríduo pascal… – o confronto com a fragilidade humana e a provisoriedade dos nossos projetos pessoais e familiares;- o questionamento sobre os critérios e valores que norteiam e fundamentam a nossa vida, inspiram as nossas opções, determinam as nossas prioridades, em relação ao que somos, ao modo como vivemos e ao que fazemos. Sobre isto, e tudo o mais, somos convidados a lançar o “olhar da fé” e, à luz do discernimento do Espírito, a encontrar os imperativos que esta situação nos sugere. Ajuda-nos, neste propósito, a imagem e a mensagem do Papa Francisco, antes da bênção urbi et orbi (à cidade de Roma e ao mundo), que acolhemos em nossas casas, sexta-feira passada. A imagem do Papa, sozinho, se bem que acompanhado por uma
multidão incontável dispersa por todo o mundo, deu-nos a dimensão do “deserto” que a luta contra este vírus nos obriga a atravessar. Deserto que mais do que o vazio provocado pela ausência dos outros e da “agitação quotidiana”, é presença de silêncio e de amor fecundo. É no deserto que Deus “fala ao coração do seu povo” e o convida a repensar a verdade e a qualidade do culto que lhe presta, e a fidelidade à aliança celebrada no monte Sinai. Na sua mensagem, o Papa Francisco leva-nos, face à tempestade que se abate sobre a humanidade, a aperceber-nos da nossa “vulnerabilidade” e das “falsas e supérfluas seguranças” em que se apoiam os nossos projetos, hábitos e prioridades; da tendência em remeter para o esquecimento e o dispensável, “aquilo que nutre, sustenta e dá força à
nossa vida e à nossa comunidade”; das tentativas em nos anestesiar com hábitos aparentemente «salvadores», incapazes de fazer apelo às nossas raízes e evocar a memória dos que nos precederam, privando-nos assim da imunidade necessária para enfrentar as adversidades”; da maquilhagem perdida, deixando a descoberto os estereótipos com que mascaramos o nosso «eu», sempre preocupado com a própria imagem e revelando, uma
vez mais, a abençoada pertença comum da qual não podemos fugir: somos irmãos, precisamos uns dos outros e seguimos juntos na mesma barca. É importante estar unidos e a remar na mesma direção. Nesta tempestade que atravessamos, é também o Senhor que nos abana e nos desperta, do entorpecimento a que a vida agitada nos conduz, e nos convida “a ativar a solidariedade e a esperança, capazes de dar solidez, apoio e significado a estas horas em
que tudo parece naufragar”. É o Senhor que nos desperta a nós, para reanimar a nossa fé pascal, apoiados na sua
cruz, âncora que nos salva, leme que nos guia a porto seguro, abraço que nos cura, para que nada nem ninguém nos separe do seu amor redentor.
2. A Semana Santa
Com o objetivo de ajudar todos a viver a Semana Santa, ainda que com as limitações a que estamos sujeitos, apresento-vos algumas indicações relativas a cada dia, de modo a que possamos alimentar e fortalecer os laços de fraternidade e de comunhão eclesial que nos unem, mesmo se privados de celebrarmos, como gostaríamos, estes dias. A celebração da Páscoa da Ressurreição do Senhor, verdadeiro coração do ano litúrgico, não pode ser transferida. Como tal, seguiremos as normas da Congregação do Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, aprovadas por mandato de Sumo Pontífice, bem como da Conferência Episcopal, oportunamente divulgadas.
Teremos igualmente presente o cumprimento de quanto foi determinado pelas autoridades civis e de saúde.
Aos párocos é pedido que informem os seus paroquianos sobre o horário das celebrações, de modo a que possam unir-se em oração nas suas próprias casas ou, onde for possível, participar em direto através das redes sociais, o que, felizmente, já vem acontecendo entre nós, nestas últimas semanas.
a) Domingo de Ramos na Paixão do Senhor
A celebração do Domingo de Ramos introduz-nos na Semana Santa, a semana mais importante do calendário litúrgico pelos mistérios que nela celebramos. A comemoração da entrada do Senhor em Jerusalém, com a bênção dos ramos e a proclamação do Evangelho (Mt 21,1-11), seguida da procissão, deve celebrar-se no interior do templo; nas igrejas Catedrais adote-se a segunda forma prevista pelo Missal Romano, nas igrejas paroquiais e demais lugares, a terceira: Na nossa Catedral esta celebração será às 11h00, com transmissão nas redes sociais.
Vem sendo habitual celebrar no Domingo de Ramos o Dia mundial da Juventude, adiado entre nós para os dias 2,3 e 4 de outubro. Trata-se de um dia vivido com particular ênfase pelos nossos jovens. Aliás, neste dia, um grupo expressivo devia estar em Roma, com muitos outros jovens de Portugal a acompanhar os jovens de Lisboa, que receberiam das mãos do Papa Francisco os símbolos das Jornadas Mundiais da Juventude: a cruz e o ícone mariano. Essa celebração e entrega foi adiada para a Solenidade de Cristo Rei. Nesta minha mensagem a toda a diocese, pretendo deixar uma palavra dirigida aos nossos jovens, inspirada no lema evangélico, escolhido pelo Papa Francisco para a celebração deste ano – jovem, Eu te digo, levanta-te! (cf. Lc 7, 14). Esta ordem de Jesus, dirigida a um jovem defunto, que levava a sepultar, ilumina bem a realidade que, caros jovens, estamos a viver. Acredito que não esteja a ser fácil também para vós “ficar em casa” com as vossas famílias, e que o sentimento de cansaço e prostração vos atinja de modo particular. Também a ti, caro jovem, sobretudo “se perdeste o vigor interior, os sonhos, o entusiasmo, a esperança e a generosidade, (…) o Senhor, com todo o seu poder de Ressuscitado, te diz: “jovem, Eu te ordeno: Levanta-te!” (CV 20) Levantar-se, continua o Papa Francisco, significa “sonhar”, “arriscar”, “esforçar-se por mudar o mundo”, apaixonar-se pelo que é belo e vale a pena. E quando “um jovem se apaixona por qualquer coisa, ou melhor por Alguém, levanta-se e começa a realizar grandes coisas, podendo mesmo tornar-se sua testemunha e dar a vida por Ele”.
b) Tríduo pascal
O tríduo pascal inclui quanto celebramos em Quinta-feira Santa, Sexta-feira Santa e na solene Vigília Pascal: revivemos o mistério da paixão, morte e ressurreição do Senhor. Constituem dias propícios para despertar em nós um desejo mais intenso de nos unirmos a Cristo e de o seguirmos, conscientes de que nos amou até dar a sua vida por nós. Os acontecimentos que o Tríduo Sagrado celebra são a manifestação sublime do amor de Deus pela humanidade, manifestado em Cristo. O Tríduo inicia na Quinta-feira Santa, com a Missa Vespertina da Ceia do
Senhor. Se bem que pela manhã seja habitual celebrar a Missa crismal, este ano foi adiada, pela impossibilidade de, nesta altura, nela participar todo o clero da Diocese, como é habitual. Até esse dia, continuaremos a servir-nos dos mesmos óleos para a celebração dos respetivos sacramentos. Neste dia comemora-se a instituição do Sacerdócio e a entrega total que Cristo fez de si à humanidade no sacramento da Eucaristia. Na mesma noite em que foi traído, Jesus deixou-nos o mandamento novo do amor fraterno, presente no gesto surpreendente do lava-pés. A celebração deste dia prossegue com um tempo de adoração eucarística, que recorda a agonia de Jesus no Horto do Getsémani. Para Jesus, essa foi a hora do abandono e da solidão, à qual se lhe seguiu a prisão e o início do caminho doloroso do Calvário. Também hoje Ele nos diz, ficai aqui e vigiai comigo. Procurai encontrar um tempo de silêncio orante e de união a Cristo, nos mistérios que, como Igreja, celebramos neste dia. Neste tempo de sofrimento e perturbação que
atinge grande parte da humanidade, somos convidados a iluminar com o sofrimento de Cristo, o sofrimento de quantos, hoje, revivem a sua paixão.
Neste dia, a título excecional, concede-se a todos os Presbíteros a faculdade de celebrar a Missa da Ceia do Senhor, sem o concurso de povo, em lugar adequado. O lava-pés, já facultativo, omite-se, bem como a procissão, no fim da Missa da Ceia do Senhor, guardando-se o Santíssimo Sacramento no Sacrário. Os Presbíteros que não tenham a possibilidade de celebrar a Missa, em vez dela rezarão as Vésperas (cf. Liturgia das Horas) Na nossa Catedral a celebração da Ceia do Senhor será às 17h00, com transmissão nas redes sociais.
A Sexta-feira Santa celebra a Paixão do Senhor. É um dia de jejum e penitência, em que tudo convida à contemplação da Cruz. Ela revela-nos a o comprimento, a largura, a altura, e a profundidade de um amor que supera todo o conhecimento e nos enche da plenitude de Deus (cf Ef 3, 18-19). No mistério do Crucificado cumpre-se o virar-se de Deus contra Si próprio, com o qual Ele Se entrega para levantar o homem e o salvar – o amor na sua forma mais radical. A partir do olhar fixo no lado trespassado de Cristo, a que alude S. João (cf. 19, 37), o cristão encontra o caminho do seu viver e amar (cf. Bento XVI, DCE, 12).
Na celebração da Paixão do Senhor, o ato de adoração à Cruz com o beijo seja limitado apenas ao celebrante. Os outros manifestam a sua veneração com um gesto de profunda reverência. Na Oração Universal, de acordo com quanto prevê o Missal Romano, (pág. 253, n. 12), acrescenta-se uma intenção especial, neste tempo de pandemia, pelos que se encontram em perigo, os doentes, os defuntos e pelos que sofreram alguma perda. Na nossa Catedral a celebração da Paixão do Senhor será às 17h00, com transmissão nas redes sociais.
O Sábado Santo é o dia do silêncio: a Igreja vigia, contemplativa, junto do sepulcro, unida a Maria, meditando no mistério ontem celebrado e deixando-se iluminar pela luz que brota da cruz gloriosa de Cristo. Cruz que continua entronizada… iluminando e alimentando a oração de quem aguarda, na fé e na esperança, a hora da ressurreição.
À noite celebrar-se-á a Solene Vigília Pascal, na qual a Igreja entoará o canto alegre do Glória e do Aleluia pascal, como expressão de fé, de alegria e de felicidade, porque Cristo ressuscitou e venceu a morte. Para o “Início da vigília ou Lucernário” omite-se o acender do fogo, acende-se o círio e, omitindo a procissão, canta-se o precónio pascal. Segue-se a “Liturgia da Palavra”. Para a “Liturgia batismal”, apenas se renovam as promessas batismais (cf.
Missal Romano, pág. 320, n. 46). Segue-se a “Liturgia eucarística”. Os presbíteros que não podem de modo nenhum unir-se à Vigília Pascal celebrada na igreja, rezam o Ofício de Leituras indicado para o Domingo de Páscoa (cf. Liturgia das Horas).
Na nossa Catedral a celebração da Vigília Pascal terá início às 21h00, com transmissão nas redes sociais. No Domingo de Páscoa a Eucaristia será às 11h00, também com transmissão nas redes sociais.
No Domingo de Páscoa, às 12h00, toquem-se festivamente os sinos em todas as Igrejas da Diocese, em sinal do anúncio da vitória de Cristo sobre a morte e de esperança para todos, particularmente os que vivem em tempo de grande sofrimento, bem como de comunhão entre todas as comunidades e pessoas da Diocese do Algarve.
Amados irmãos e irmãs,
que Cristo ressuscitado revigore a nossa fé, fortaleça a nossa esperança e nos faça crescer no amor, traduzido em gestos fraternos e solidários, nomeadamente no cumprimento de quanto nos é pedido para impedirmos o contágio pessoal e o dos outros. Confiemo-nos e confiemos a nossa Igreja diocesana e todo o povo do Algarve, particularmente os infetados com este vírus, à proteção do nosso padroeiro S. Vicente e ao amparo da Virgem Maria, Senhora da Piedade e nossa Mãe Soberana. Contai sempre com a minha oração e a minha solicitude como vosso irmão e
pastor. Para todos invoco a bênção e a paz de Deus, nosso Pai.
+ Manuel Quintas, Bispo do Algarve
Fonte: https://folhadodomingo.pt