A serpente no deserto
Celebramos a festa da Santa Cruz. Por ela Jesus venceu o demónio, que enganou os primeiros pais na árvore do paraíso.
A primeira leitura fala-nos da serpente de bronze que Moisés ergueu no deserto por ordem de Deus. Quando os israelitas eram mordidos pelas serpentes venenosas, se olhassem para aquela imagem, ficavam curados. Jesus no evangelho compara a Sua crucifixão à serpente erguida por Moisés, como fonte de salvação.
Ele quer que olhemos para a Sua cruz com fé e piedade, que saibamos ler esse livro, ao alcance de todos, que é o crucifixo. Que ali encontremos o remédio para as mordeduras do demónio, para os nossos pecados. Ali está a fonte da graça e do perdão.
Jesus venceu na árvore da cruz. Ela é sinal de vitória. Devemos fazer muitas vezes o sinal da cruz: ao levantar, ao deitar, ao entrar na igreja, ou quando somos tentados pelo demónio. É um gesto piedoso, que nos defende do mal e afugenta o inimigo.
Deus amou de tal modo o mundo
O crucifixo foi o livro dos santos, mesmo dos grandes teólogos. Um dia perguntaram a S.Boaventura qual era o seu livro preferido e ele respondeu: – o crucifixo.
E o grande apóstolo S.Paulo escrevia aos coríntios: -“Julguei que não devia saber coisa alguma entre vós senão a Jesus Cristo e este Crucificado “(I Cor 2,2).
A cruz fala-nos do amor de Deus. Ele amou de tal modo o mundo que lhe deu o Seu próprio Filho (Ev).
Fala-nos de Jesus que voluntariamente se entregou à morte para nos salvar.” Não há maior prova de amor do que dar a vida por aqueles que se amam” (Jo15,13)
É também uma lição viva sobre a maldade das ofensas a Deus. Hoje perdeu-se a sensibilidade ao pecado, mesmo entre os cristãos mais fervorosos. Olhando para Jesus crucificado vemos a maldade infinita do pecado, que ofende a majestade infinita de Deus. A Carta aos Hebreus diz que os que pecam gravemente crucificam de novo o Filho de Deus ( Cfr.Heb 6,6).
Temos de procurar, como lembrava o Sínodo extraordinário dos 25 anos do Concílio, a centralidade do mistério da cruz. Era esse o centro da pregação dos Apóstolos, conforme relata o livro dos Actos. Ele tem de ser o centro da vida da Igreja e da sua pregação.
Na epístola aos Coríntios S.Paulo escreve:
Cristo não me enviou a baptizar, mas a pregar o Evangelho, não com a sabedoria das palavras, para que não se torne inútil a Cruz de Cristo.
Efectivamente, a linguagem da cruz é uma loucura para os que se perdem, mas, para os que se salvam, isto é, para nós, é a força de Deus. Porque está escrito: “Destruirei a sabedoria dos sábios e reprovarei a prudência dos prudentes”. Onde está o sábio? Onde o homem instruído? Onde o investigador deste mundo? Porventura não tornou Deus em loucura a sabedoria deste mundo? De facto, já que o mundo pela sua própria sabedoria não conheceu Deus na Sua divina sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes por meio da loucura da pregação.
Enquanto os judeus exigem milagres e os gregos buscam a sabedoria, nós pregamos a Cristo crucificado, que é escândalo para os judeus e loucura para os gentios, mas, para os que são chamados, quer dos judeus, quer dos gregos, é Cristo força de Deus e sabedoria de Deus; porque o que é loucura em Deus é mais sábio que os homens, e o que é fraqueza em Deus é mais forte que os homens.”
E o Apóstolo continua:
“Eu, pois, quando fui ter convosco, irmãos, a anunciar-vos o testemunho de Deus, não fui com sublimidade de estilo ou de sabedoria. Porque julguei que não devia saber coisa alguma entre vós senão a Jesus Cristo, e Este crucificado. . ” (1 Cor 1,17-25 e 2,1-7)
Se a Igreja esquece esta centralidade depressa se deixará arrastar pela sabedoria humana, arrogante e falsa sabedoria, que é loucura para Deus.
S.Paulo não só pregou a sabedoria da Cruz mas soube viver unido a ela. Escrevia aos Gálatas:
“Estou pregado com Cristo na cruz; vivo, mas já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim. A vida com que vivo agora na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, que me amou e Se entregou a Si mesmo por mim.” (Gal 2,19 )
“Longe de mim o gloriar-me senão na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, por Quem o mundo está crucificado para mim e eu crucificado para o mundo. De facto, nem a circuncisão nem a incircuncisão valem nada, mas sim o ser uma nova criatura. A todos os que seguirem esta regra, paz e misericórdia, assim como ao Israel de Deus. Para o futuro ninguém me moleste, porque eu trago no meu corpo as marcas de Jesus. ” (Gal 6,14-17 )
Vale a pena meditar e seguir o seu exemplo.
Obedecendo até à morte
Obedecer à vontade de Deus significa esforço e sacrifício, às vezes heróico. Temos de aprender com Jesus, que nos anima e ajuda com a Sua graça.
Às vezes encontramos a cruz no caminho da nossa vida, nas doenças, nas contrariedades, naquilo que o mundo chama desgraças. Se olhamos para Jesus crucificado essas dores encontram sentido e achamos coragem para levar a cruz que o Senhor nos entrega. Com ela podemos amar a Deus, ajudar a salvar os outros, como Jesus. Nela podemos encontrar alegria verdadeira. Deus abençoa com a cruz.
São João Paulo II numa das visitas ao Brasil esteve numa leprosaria. Procurou animar os leprosos: “A vossa doença é uma cruz mas não uma cega fatalidade. O sofrimento pode converter-se num princípio de graça e salvação”
Na capela da leprosaria havia uma rosa pintada cheia de espinhos que representava o sofrimento que cresce no amor. Havia também uma imagem de Cristo mutilado de braços e de pernas, diante do qual os leprosos costumam rezar uma antiga oração: “Cristo não tem mãos porque tem as nossas, não tem pés porque tem os nossos, para guiar e conduzir os homens ao Seu caminho” (P.GOMEZ BORRERO, Juan Pablo amigo; cit. em JULIO EUGUI, Más anédotas e virtudes (Madrid 1999),nº 85).
“Se alguém quer seguir-Me negue-se a si mesmo, tome a sua cruz cada dia e siga-Me (Lc 9,23).Di-lo Cristo outra vez a nós, como que ao ouvido, intimamente: a Cruz cada dia” (S.JOSEMARIA, Cristo que passa, 58).
Que a Virgem das Dores nos ensine a estar bem unidos à cruz de Seu Filho e a sermos corredentores com Ele.