Sínodo 2021-2024: Relatório da Consulta Sinodal da CEP – Segunda fase

 

INTRODUÇÃO

A Igreja do terceiro milénio enfrenta o desafio audacioso e inspirador de ser sinodal em missão, um compromisso programático fortemente encorajado pelo Papa Francisco. A sinodalidade é uma dimensão constitutiva da Igreja, refletindo o desígnio de Deus para um caminhar conjunto em comunhão e participação. Este conceito ressoa com a etimologia de “sínodo”, que evoca a imagem de um percurso compartilhado, um eco da vocação fundamental da Igreja de seguir Jesus Cristo, “o caminho, a verdade e a vida”.

A riqueza do termo “sínodo” na tradição eclesial, significando tanto o encontro comunitário quanto a essência da Igreja como uma assembleia convocada, destaca a importância da caminhada conjunta e da escuta mútua. A transformação do termo em “sinodalidade” na era pós-Vaticano II aponta para um amadurecimento na compreensão da Igreja como uma realidade dinâmica e viva, implicando todos os membros na sua missão.

O desenvolvimento histórico e teológico da sinodalidade mostra como a Igreja tem evoluído na sua estrutura e prática, sublinhando a necessidade de uma constante renovação e adaptação aos tempos e contextos. Assim, a sinodalidade é entendida não apenas como um método de operação, mas como uma expressão fundamental da natureza da Igreja, encarnando os valores de comunhão, participação e missão.

Na eclesiologia do Vaticano II, a sinodalidade emerge como uma força vital para a renovação eclesial, abraçando a colegialidade dos bispos e a participação ativa de todos os fiéis. Este dinamismo sinodal reflete a intenção de uma Igreja profundamente enraizada na comunhão e na partilha dos dons espirituais, desafiando-a a ser mais representativa e ativa (Igreja em saída) perante as necessidades do mundo.

A missão da Igreja sinodal em contexto missionário é enriquecida pelo testemunho de uma comunhão profunda e autêntica, que respeita a diversidade e promove a unidade. Este caminho implica uma redescoberta e reavaliação das práticas eclesiais para encarnar mais plenamente a visão do Concílio Vaticano II, enfatizando o papel de cada batizado na vida e missão da Igreja.

Após esta breve introdução, iremos detalhar o processo pelo qual as informações deste relatório foram recolhidas e organizadas. Nesta sequência, daremos a conhecer as ideias-chave que surgiram como consensuais entre os diversos grupos de trabalho. Estas refletem questões cruciais como a sinodalidade e participação, evidenciando a importância de uma vivência sinodal dinâmica e inclusiva. Abordaremos também a unidade, inclusão e diversidade, enfatizando a necessidade imperiosa de integrar todas as diferenças na vida da comunidade eclesial. A formação e a educação serão destacadas pela sua importância na construção de uma base teológica e pastoral sólida. A renovação e a atualização serão discutidas à luz da necessidade da Igreja se manter atenta e alinhada com a Tradição, ao mesmo tempo que responde, sem preconceitos, aos desafios do mundo contemporâneo. Por fim, serão abordados os desafios específicos, como o clericalismo e a resistência às mudanças, os quais devem ser enfrentados para assegurar uma participação efetiva e plena de todos os membros da comunidade.

É relevante sublinhar que, em vários lugares e momentos, os encontros sinodais realizados no âmbito deste processo sinodal constituíram fecundos momentos de escuta, partilha, silêncio e oração. Na consciência de que a alegria deve ser uma marca da vida cristã, a experiência feita é motivo para dar graças a Deus pela pertença a uma Igreja que quer renovar-se, caminhando junta no diálogo e valorizando a participação de todos. Apesar de todos os limites, falhas e resistências, há a consciência de que a sinodalidade já vai estando de algum modo presente nas atitudes de pessoas, nas comunidades e nos movimentos.

DESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DE RECOLHA E ANÁLISE DA INFORMAÇÃO

A recolha e análise da informação resultante dos trabalhos de grupo foi realizada por meio de um procedimento detalhado e sistemático que promoveu a participação coletiva e o diálogo construtivo entre os membros de diferentes comunidades. Este processo caracterizou-se por uma abordagem sinodal, que se traduziu em diferentes formas de envolvimento e escuta ativa dos elementos participantes.

Inicialmente foram organizadas reuniões e sessões de reflexão nas quais os participantes de diferentes sensibilidades e instâncias eclesiais – que incluíam membros de conselhos pastorais, equipas arciprestais, conselho diocesano e presbiteral e outros grupos de reflexão – puderam debater e analisar temas relevantes para a vida e missão da Igreja. Estas sessões foram essenciais para proporcionar um espaço de partilha de experiências, perceções e expectativas.

A metodologia adotada permitiu a formulação de questões específicas, cujas respostas foram fundamentais para compreender as visões e experiências dos membros das comunidades sobre a missão da Igreja e os desafios com que esta se confronta. Este método de consulta direta possibilitou a identificação de temas comuns às diferentes realidades pastorais, um feedback valioso que resultou na análise que aqui se dá a conhecer.

A análise da informação recolhida teve em consideração as diferentes perspetivas e experiências relatadas, refletindo o compromisso para com a verdade da mensagem encontrada nos relatórios das dioceses e movimentos/grupos que chegaram até esta comissão de trabalho.

1. SINODALIDADE E PARTICIPAÇÃO

Caminhar juntos como Povo de Deus exige o reconhecimento da necessidade de uma contínua conversão, individual e comunitária. Todos somos chamados a tomar parte nesta viagem e ninguém pode ser excluído. Uma igreja sinodal constrói-se na diversidade, através de uma escuta ativa e empática, sem posturas de superioridade intelectual, moral ou eclesial, em atitude de discernimento, diálogo e comunhão fraterna, em que cada um é convidado a “calçar os sapatos do outro”.

A sinodalidade significa, acima de tudo, uma mudança pastoral que permita criar comunidades em que todos se relacionam e tratam de forma saudável e fraterna, com autêntica amizade e comunhão, privilegiando o diálogo e a mútua compreensão, como uma comunidade que reza e celebra junta, que cuida da vida e do caminho espiritual de cada um dos seus membros.

1.1. Conversão

a) É urgente uma conversão à sinodalidade já que se nota, ainda, uma certa desconfiança no processo por parte de algum clero e de leigos que continuam a considerar o processo sinodal interessante, mas pouco efetivo do ponto de vista das mudanças, até de prática pastoral, inviabilizando este caminho conjunto.

b) É essencial reconhecer que, além das transformações estruturais e teóricas, a sinodalidade deve ser vivida como uma experiência concreta de fé nas comunidades, onde o mandamento do amor se manifesta em ações práticas e tangíveis. Importa não conceptualizar ou complexificar em excesso a ideia e os processos da sinodalidade.

c) Desta fase da consulta sinodal denota-se, também, que há quem considere que a abertura e o caminho conjunto, procurando agrupar diferentes sensibilidades para a criação de uma pastoral da inclusão, podem significar uma reforma que colide com a fidelidade à grande Tradição da Igreja.

d) O compromisso de acolhimento e de escuta deve traduzir-se em ações concretas que se dirijam a “todos, todos, todos” sem exceção, procurando, em primeiro lugar, habitar as periferias onde, infelizmente, se encontram cada vez mais irmãos a necessitar de ajuda, material e, sobretudo, espiritual.

1.2. Corresponsabilidade

a) A corresponsabilidade diferenciada na missão de todos os membros do Povo de Deus, de acordo com as vocações, carismas, serviços, e ministérios, deve ser o modelo normal da vida eclesial, organizando a Igreja como uma família e não como uma estrutura, criando meios para a valorização da relação fraternal e teologal nas comunidades, assim como a atenção particular a alguns setores: o mundo da saúde, do serviço aos mais pobres e o acolhimento aos de fora.

b) A Igreja é missionária e tem a responsabilidade de partilhar com os outros o que recebeu: a vida divina. Esta consciência traduz-se na necessidade de todos os batizados – leigos e clérigos – se saberem responsáveis pela missão da Igreja: não são meros cooperadores, mas verdadeiramente participantes corresponsáveis.

c) Exige-se um exercício sinodal da autoridade, que tenha como única finalidade servir o verdadeiro bem das pessoas e ser sinal do único bem supremo que é Deus. Só desse modo pode crescer a consciência de que a missão da Igreja deve ser assumida por todos, num espírito de autêntica corresponsabilidade. Em ordem a implementar um modelo pastoral corresponsável é feita a sugestão de se criar a figura de um “coordenador pastoral” como elo entre o pároco e a comunidade. É, ainda, sugerida, uma maior celeridade e participação laical nos processos de nomeação dos Bispos.

1.3. Ministérios

a) A corresponsabilidade pela missão pede que se desenvolva com maior criatividade os ministérios batismais/laicais, tendo por base as necessidades das Igrejas locais e envolvendo a comunidade no indispensável discernimento e na consciencialização da sua responsabilidade (por exemplo, também em termos litúrgicos).

b) Estes ministérios não devem limitar-se à vida interna eclesial, mas concretizar-se também noutras áreas da vida social que interpelam a responsabilidade cristã no mundo, designadamente nos domínios da saúde mental (adições, ansiedade, depressão, solidão…); dos doentes e familiares/cuidadores em processo de doença crónica, progressiva e incurável; no processo de luto; no apoio a pessoas com deficiência; a jovens namorados e a casais, especialmente os que estão em crise; a pessoas que recuperam de situações de aborto, desempregados, refugiados, imigrantes, etc. Em qualquer caso, a reflexão sobre os ministérios e a sua concretização têm de ir muito para além da questão da diminuição ou até falta de presbíteros.

c) Além da instituição dos ministérios de Leitor, Acólito e Catequista, propõe-se também a criação de ministérios especificamente voltados para a pastoral familiar, nomeadamente, os ministérios para a Caridade e para o serviço de escuta e acompanhamento, com enfoque particular no apoio às pessoas sós, aos idosos e às pessoas com deficiência, de forma a que estes grupos recebam a devida atenção dentro das comunidades eclesiais e contribuam plenamente para a vida da Igreja, incluindo a criação de estruturas apropriadas de atendimento e acompanhamento pastoral a nível diocesano.

1.4. Conselhos e órgãos colegiais

a) É urgente a implementação efetiva e a dinamização dos diversos Conselhos e órgãos colegiais, tanto a nível paroquial como diocesano (devem mesmo ser obrigatórios), procurando ao mesmo tempo que sejam verdadeiramente representativos, funcionem com verdade e qualidade e tenham um carácter mais vinculativo na tomada de decisões. Para garantir este dinamismo pastoral sugere-se que a renovação das lideranças seja uma preocupação assumida.

b) É premente também que todos os Conselhos, mas em particular os Conselhos Económicos, sejam transparentes no seu modo de agir e pratiquem uma cultura de prestação de contas.

 1.5. Juventude

a) Revela-se absolutamente fundamental uma atenção especial aos jovens, confiando-lhes missões concretas, não apenas no que respeita aos seus problemas, mas fazendo escolhas que privilegiem o discernimento e o diálogo inter-geracional, garantindo o entusiasmo e a criatividade próprios da juventude com a maturidade e a consistência doutrinal dos mais velhos. As comunidades são interpeladas a encontrar novos caminhos e métodos criativos que respondam melhor às aspirações e aos desafios que os jovens hoje enfrentam.

b) Conscientes de que não se pode desperdiçar o “património” construído a partir da Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023, e dando continuidade às experiências positivas que daí advieram, a comunidade jovem deve ser interpelada e ajudada a ser protagonista na vida comunitária, assumindo serviços e ministérios, organizando atividades pastorais e integrando-se nas equipas de animação pastoral. Cada paróquia deveria ter um espaço jovem (espaço físico de convivência, reflexão, organização de atividades várias).

c) A Jornada Mundial da Juventude e o envolvimento cultural devem ser destacados como manifestações significativas de sinodalidade, exemplificando o impacto da fé em contextos juvenis e culturais para fomentar a comunhão e o diálogo.

2. UNIDADE, INCLUSÃO E DIVERSIDADE

O reconhecimento da importância de construir a Igreja em torno da unidade, inclusão e diversidade, acolhendo todas as pessoas (pessoas com deficiência, jovens, idosos, pessoas em situação de pobreza, imigrantes e pessoas que se encontram nas mais variadas “fronteiras” da sociedade) é transversal à Igreja em Portugal.

A busca da unidade na diversidade numa Igreja sinodal pressupõe caminhos e comportamentos de escuta ativa e empática, sem posturas de superioridade intelectual, moral ou eclesial, em atitude de discernimento, diálogo e comunhão fraterna.

2.1. O papel da mulher na vida eclesial

a) É reconhecida a importância de valorizar o papel das mulheres na vida eclesial e assegurar que possam participar nos processos de decisão, assumindo papéis de liderança, especificamente nos conselhos pastorais e económicos. Deve-se procurar a meta da paridade, reconhecendo explicitamente o contributo crucial das mulheres, não apenas na pastoral e nos ministérios, mas também na missão da Igreja junto das comunidades. Existe uma clara perceção de que a Igreja tem muito a ganhar com uma intervenção mais relevante das mulheres, de um modo particular, no anúncio e na meditação da Palavra de Deus, para uma verdadeira vivência sinodal e reconhecimento pleno dos seus dons e capacidades.

b) Homens e mulheres são complementares e não precisam de ser iguais na sua participação na vida eclesial e ministerial. A mulher e o homem, pela sua natureza maternal e paternal, têm capacidade de amar o próximo como a um filho e, como tal, podem e devem ser modeladores da fé, desde a família até à comunidade e estas suas características devem ser potenciadas. A participação de ambos deve ser promovida nos diferentes serviços da Igreja: catequese, serviço de leitores, pastoral familiar, pastoral dos doentes, ministros extraordinários da comunhão, música e coros, etc.

2.2. Bispos, presbíteros, diáconos e demais consagrados

a) Acentuar a necessidade de participação e envolvimento dos leigos não significa que se descure a importância da vida consagrada nas comunidades paroquiais e outras. A participação laical não deve ser assumida como uma substituição do papel dos padres nas comunidades nem dos consagrados que são mencionados como indispensáveis na vida das comunidades paroquiais e outras. Estes consagrados, normalmente devido aos seus carismas próprios, e iluminados pelo Espírito Santo, são muito importantes como arautos da mudança. Revela-se como muito necessária, uma atenção específica à solidão e isolamento a que estão sujeitos os padres.

b) Os Bispos, presbíteros e diáconos são reconhecidos como fundamentais para a vida da Igreja. Sobre o Bispo reconhece-se que não sendo o “tudo da diocese” faz o “todo da diocese” sendo o líder da comunidade alargada. Em relação aos presbíteros, reconhece-se como estes exercem uma missão de pivot para que todos os batizados descubram o seu lugar e missão na Igreja. Em relação aos/a todos os ministros ordenados, importa criar e desenvolver uma cultura de formação permanente.

c) Sugere-se a valorização do ministério do diácono permanente, cuja função não deve ser a substituição das funções do sacerdote, convidando cristãos comprometidos para um processo de discernimento. Manifesta-se um consenso alargado no sentido de que a missão dos diáconos permanentes seja reorientada para o âmbito da caridade/diaconia, em particular para o serviço a pessoas em situação de vulnerabilidade e necessidade.

2.3. Integração da Pessoa com Deficiência

a) Muitas pessoas com deficiência vivem uma condição de solidão próxima ao abandono, chegando mesmo a sentirem-se invisíveis para a sociedade. A Igreja tem a missão de se aproximar, escutá-las, acolhê-las e acompanhá-las, combatendo a cultura do descarte de que são vítimas, fomentando a sua participação ativa para que se tornem sujeitos ativos e não apenas destinatários. É necessário remover barreiras físicas e atitudinais para uma plena participação de todos.

b) As comunidades cristãs devem integrar pessoas com deficiência nos seus Conselhos Pastorais como forma de reconhecer e valorizar as suas capacidades apostólicas. Deus deu a todos dons e talentos que podemos e devemos colocar ao seu serviço, e por isso é fundamental que a Igreja reconheça estes dons em cada um, independentemente da sua deficiência, assim como é fundamental para estas pessoas sentirem o reconhecimento destes dons por parte daqueles que são o rosto de Cristo na Terra.

2.4. Dar voz e visibilidade aos pobres

a) Apesar de se reconhecer o trabalho já desenvolvido pela Igreja junto dos pobres e imigrantes, a diaconia/caridade continua a ser o “parente pobre” na vida e estruturação das comunidades. Exige-se esforço no sentido de mais proatividade na consciência e prática da caridade, em ordem a acolher, integrar e, na medida do possível, ajudar face às dificuldades materiais, culturais, religiosas e sociais.

b) O envolvimento de paróquias e Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) na criação de espaços de acolhimento, a articulação com instituições do Estado e da sociedade civil no terreno, o desenvolvimento criativo de formas de integração dos pobres que vão para além do assistencialismo são algumas das pistas de reflexão e ação apontadas. A pergunta pela credibilidade do testemunho das instituições da Igreja e dos agentes envolvidos na Pastoral Social é crucial. Nesse sentido, é fundamental o conhecimento e o estudo aprofundado da Doutrina Social da Igreja.

3. FORMAÇÃO E EDUCAÇÃO

Para uma Igreja sinodal em missão urge reconhecer a necessidade de formação de todos os membros da Igreja. Caminhar juntos requer a capacidade de utilizar uma linguagem comum enriquecida pelos diferentes idiomas que decorrem da diversidade de dons, carismas, vocações e ministérios.

3.1. Pedagogia sinodal

a) A formação a desenvolver e a implementar deve abranger as diferentes dimensões da vida da Igreja (Evangelização, Liturgia e Caridade). Contudo, na vida das comunidades cristãs sobressai uma persistente lacuna na formação espiritual, levando-nos a concluir que, na base de qualquer plano formativo ou catequético, esta deve ser a preocupação essencial e primeira.

b) A celebração litúrgica é um ponto nuclear da vivência, aprendizagem e crescimento da sinodalidade. Para muitos cristãos continua a ser a experiência básica da sua pertença à Igreja e do seu caminho de formação. Por isso, é da máxima importância que a Eucaristia seja celebrada de forma mais cuidada, organizada e participada (possibilidade de criação de equipas de liturgia nas paróquias; leigos a assumir mais funções, nomeadamente na preparação da homilia; alargar os ministérios de acólito e leitor). Ao mesmo tempo, há que valorizar o acolhimento dos participantes, fomentar o convívio no seguimento da celebração, valorizar a celebração da Palavra, mobilizar as crianças e envolver os jovens na celebração litúrgica.

d) Importa ter em conta que a linguagem litúrgica parece revelar alguma ineficácia comunicacional e não gera atração, sobretudo entre os jovens e as crianças. É necessário renovar criativamente a linguagem da fé e a linguagem litúrgica, para que seja possível uma transmissão eficaz do Evangelho.

d) Deve ser incluída uma pedagogia sinodal nos planos formativos, de modo a evitar uma comunidade clericalizada. Neste ponto, é urgente uma atenção e cuidado pastorais para com os sacerdotes, que se encontram muitas vezes sobrecarregados com questões ao nível da gestão de instituições e recursos, que não são prioritárias na sua missão como pastores.

e) É apontada a necessidade de formação dos cristãos para a consciência missionária no mundo e a promoção de formação e aplicação da Doutrina Social da Igreja, pela qual os cristãos podem ser mais eficazmente uma voz profética no mundo.

f) Revela-se, ainda, como necessária uma formação basilar para a promoção da clareza e transparência na gestão dos fundos alocados à Igreja, tanto a nível paroquial como diocesano.

3.2. Candidatos ao sacerdócio

a) Uma particular atenção deve ser dada à formação dos ministros ordenados, incluindo nos planos formativos uma pedagogia sinodal de modo a fomentar capacidades de liderança e evitar mentalidades clericalizadas e clericalizantes. É urgente que a formação seja orientada para a corresponsabilidade.

b) A formação a desenvolver deve ser humana e cristãmente abrangente, com proximidade à vida real do povo de Deus, em vista do acompanhamento eficaz de pessoas e situações concretas, adequada à realidade do mundo e sintonizada com uma Igreja que procura receber e concretizar o Concílio, acompanhada pela presença feminina entre os formadores. Devem implementar-se formas de ajuda e encorajamento para a dinamização de um serviço eclesial mais fecundo, promovendo um acompanhamento humano e espiritual para valorização de cada pessoa e fortalecimento do seu ministério.

c) Sugere-se a valorização de diversos aspetos a ter em conta na formação: na área da psicologia e do trabalho em equipa, com “estágios” em comunidades mais desfavorecidas e periféricas (prisões, comunidades em que se cuide de doentes); com “estágios” em comunidades diversificadas (meio rural/citadino, interior/litoral, comunidades de migrantes, comunidades com minorias étnicas, comunidades nas quais a presença do presbítero não é tão frequente e outras realidades distantes do seminário).

d) Aponta-se, ainda, o acompanhamento do amadurecimento afetivo e sexual na formação dos ministros ordenados, inserindo-os em contextos reais de comunidade, e a inclusão de experiências missionárias ad gentes para sacerdotes recém ordenados, visando enriquecer a sua formação. De qualquer modo, urge melhorar as formas de acompanhamento dos jovens presbíteros.

3.3. Comunicação e meios digitais

a) A comunicação dentro da Igreja e para fora deve ser simplificada, mais clara, transparente e articulada, aperfeiçoando-se nos meios de que deve dispor. Nesse sentido, é cada vez mais importante desenvolver também os meios digitais de comunicação, com uma formação adequada para a sua utilização na vida das comunidades cristãs, pois o mundo digital, apesar das suas ambiguidades e riscos, constitui um espaço a valorizar na missão da Igreja.

b) Revela-se necessário, também, apurar e mobilizar os canais e as estruturas eclesiais intermédias de comunicação e comunhão (paróquia, arciprestado, etc.). Uma Igreja mais relacional – entre pessoas, movimentos, grupos aos mais diversos níveis – tem de promover os laços de encontro e comunicação entre paróquias, bem como entre movimentos e grupos dentro da própria paróquia. Nesse contexto relacional pode concretizar-se um proveitoso diálogo sobre critérios e opções pastorais.

c) É vital que os presbíteros cultivem relações marcadas pela amizade e proximidade com os fiéis, reforçando a comunicação como uma via de duas mãos que transcende as formalidades institucionais e promove um verdadeiro sentido comunitário.

4. RENOVAÇÃO E ATUALIZAÇÃO

Mantendo uma fidelidade à Tradição eclesial, reconhece-se a necessidade de uma renovação contínua da Igreja para atender às necessidades reais das pessoas e responder aos desafios contemporâneos.

4.1. Auscultação inclusiva

a) Importa saber auscultar as vozes dos que, de alguma forma, se sentem excluídos – tais como as famílias reconstruídas, as pessoas separadas, as pessoas com atração pelo mesmo sexo – com o objetivo de integrar na vida da Igreja o seu contributo.

b) É necessário encetar caminhos rumo à unidade junto das comunidades cristãs separadas da comunhão católica, bem como junto de membros de outras religiões, pois somos chamados à fraternidade da humanidade com todos.

4.2. Família no centro da vida eclesial

a) A família em si própria assume o centro na iniciação à fé, no desenvolvimento da pertença eclesial e da formação cristã, pelo que no núcleo destas consciência e responsabilidade missionárias precisa de estar a família. A renovação dos percursos de preparação para o matrimónio é essencial para os desafios que hoje se colocam às famílias, assim como o acompanhamento de jovens casais.

b) Propõe-se a criação de itinerários sérios para a iniciação à Fé e a receção dos Sacramentos, procurando que através dos momentos de preparação para o batismo e matrimónio se chame a atenção para o compromisso com a Igreja. Importa, ainda, criar uma maior interação entre o serviço de catequese e toda a comunidade, bem como implementar uma catequese mistagógica. A pastoral da iniciação cristã precisa de ser repensada quanto a métodos, itinerários, idades e condições para a receção dos sacramentos. O ministério instituído de catequista tem de ser concretizado de forma pastoralmente criativa e relevante em termos de renovação eclesial.

c) Sugere-se, também, que se molde e adeque a ação da Igreja ao quotidiano dos fiéis, de modo que a religião seja considerada como algo acessível, abordável e alcançável e não como algo longínquo, intocável e até mesmo retrógrado.

d) Poderia ser acrescentado o fortalecimento das estruturas familiares por meio de grupos de apoio e redes de partilha, onde as experiências e desafios da vida em família possam ser discutidos abertamente. Estes grupos, atuando como pequenas comunidades dentro da comunidade eclesial maior, ajudariam a promover a solidariedade, o acompanhamento mútuo e o crescimento espiritual, enfatizando a importância da vivência comunitária na fé e no apoio recíproco entre as famílias. Este aspeto contribuiria para uma maior integração e fortalecimento do papel da família no tecido da vida eclesial, fomentando uma experiência de Igreja como família de famílias.

4.3. Comunidade e trabalho em rede

a) Caminhar juntos em Igreja implica um olhar para o estilo de vida das nossas comunidades cristãs e encontrar estratégias para romper com as circunstâncias que dificultam o sentido e a prática comunitários. As assembleias paroquiais, arciprestais ou diocesanas devem privilegiar um clima de realização sinodal (mesas redondas, exercitando a escuta orante e partilhando tempos de silêncio e oração).

b) Sugere-se a reorganização do território pastoral, o que em muitas situações já está a acontecer e é um processo irreversível. Propõe-se a criação de conselhos inter-paroquiais ou mesmo vicariais, como forma de promover a comunhão e a otimização de recursos, que podem contribuir significativamente para a redução da sobrecarga dos párocos. Esses conselhos devem ser estruturados para fomentar um trabalho em rede eficiente, possibilitando a formação de equipas e conselhos pastorais e económicos que sejam acolhedores e criativos. As assembleias de escuta e discernimento, bem como a definição de objetivos e estratégias pastorais conjuntas, devem ser encorajadas, assegurando uma maior partilha de recursos e um fortalecimento do trabalho em equipa.

c) A vivência efetiva da sinodalidade passa também pela solidariedade e partilha de recursos entre dioceses e comunidades.

5. DESAFIOS ESPECÍFICOS

Neste processo de auscultação em ordem à preparação da segunda Assembleia do Sínodo sobre sinodalidade, em que se procura responder à questão de como ser Igreja sinodal em missão, há questões designadas de fraturantes que continuam a ser um desafio colocado por muitos féis portugueses.

5.1. Questões doutrinais/pastorais a aprofundar

a) É importante continuar a fazer um discernimento sobre algumas questões doutrinais/pastorais que ainda causam dúvida, controvérsia ou desacordo na vida da Igreja. Embora sejam questões de peso doutrinal/pastoral muito diverso, é necessário, por exemplo, fazer esse discernimento à luz da Palavra de Deus e através de um diálogo fraterno na escuta do Espírito Santo, sobre a moral sexual, o celibato dos padres, o envolvimento de ex-padres casados, a possibilidade de ordenação de mulheres.

b) A resistência a mudanças pede um aprofundamento das suas causas mais profundas em termos sociológicos, psicológicos e teológicos. É preciso, por isso, continuar a refletir sobre os fatores que motivam a indiferença de muitos, as resistências às mudanças e os caminhos para as ir ultrapassando.

5.2. Clericalismo

a) A Igreja continua muito centrada no clero e em alguns leigos “clericalizados”. Isso tem várias consequências, desde a indiferença e apatia de muitos ao pouco empenhamento de outros na vida da Igreja e na sua própria formação. O clericalismo, que, entre outros aspetos, se manifesta numa conceção de privilégio pessoal, num estilo de poder mundano e na recusa a prestar contas, é um obstáculo sério ao exercício de um ministério ordenado autêntico.

b) O clericalismo atinge também os leigos com responsabilidades na vida da Igreja local e das comunidades. Combater a clericalização do laicado passa muito pela rotatividade nas lideranças e pelo desenvolvimento de metodologias de participação comunitária.

5.3. Secularização

a) A secularização que persiste e até parece aumentar em certas facetas é atravessada, por outro lado, por manifestações várias de religiosidade difusa, aparentemente de novo cada vez mais amplas. Neste contexto situa-se também a religiosidade popular que, degenerando por vezes em folclore, constitui uma realidade desafiante para a evangelização. Há que ler a religiosidade popular também de forma sinodal, na escuta, no acompanhamento, na ajuda a um crescimento na maturidade da fé.

5.4. Novos horizontes de evangelização

a) Sugere-se a possibilidade de a formação poder ser mais alargada para além da realidade espacial de uma diocese. A troca de experiências teológicas e pastorais entre realidades vizinhas pode abrir espaço a uma comunhão facilitadora de novas experiências sociais que podem abrir horizontes à evangelização.

b) É identificada a necessidade de promover algumas ferramentas de networking entre as diferentes Igrejas locais, nacionais e internacionais, para que, num mundo globalizado, a comunicação entre clérigos e entre associações de fiéis seja facilitada e resulte em mais-valias para todos.

CONCLUSÃO

A sinodalidade, como compromisso de caminhar juntos sob a orientação do Espírito Santo, desafia a Igreja a renovar-se constantemente em fidelidade à sua vocação. Esta renovação é um chamamento à participação e colaboração de “todos, todos, todos” reconhecendo a diversidade de dons e a unidade fundamental na missão de evangelizar, num esforço de partilhar e testemunhar o Evangelho de Cristo ao mundo.

Por outro lado, também a escuta do “sentido da fé” dos crentes e a auscultação de outras pessoas fora do enquadramento eclesial tornou-se um processo irreversível numa Igreja que, na receção do Concílio Vaticano II, procura estar aberta à conversão e à reforma, na fidelidade ao Evangelho e à grande Tradição.

No processo sinodal de caminhar juntos, em missão, a alegria que nasce do encontro com Deus e da presença do Espírito Santo deve ser a marca do nosso testemunho cristão, anunciando de modo claro, atrativo e percetível Cristo Vivo como essência do que somos.

 

Lisboa, 2 de maio 2024

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