O rosto das palavras

Está escolhida, em Portugal, a palavra do ano 2015: refugiado.

Segundo a Porto Editora, que promove a votação, a palavra foi a preferida por 31% das mais de 20 mil pessoas que se pronunciaram online, durante o mês de Dezembro. Sucede a esmiuçar, vuvuzela, austeridade, entroikado, bombeiro e corrupção; e venceu a concorrência de terrorismo, acolhimento, esquerda, drone, plafonamento, bastão de selfie, festivaleiro, superalimento e privatização.

Tendo em conta estes outros vocábulos, a escolha parece-me natural. Mas quero pensar que corresponde a uma efetiva atenção a um drama que, mesmo se progressivamente silencioso ou silenciado, continua premente e sem solução corajosamente pensada. Incompreensível seria, isso sim, a declarada indiferença — essa forma subtil de ser cúmplice.

Acredito que quem votou em “refugiado” viu rostos na palavra: o rosto de pessoas perseguidas, ameaçadas e espoliadas nas suas terras de origem, exploradas pelos traficantes e, além disso, frequentemente mal-amadas pelos países de acolhimento. Alguns destes, aliás, não raro se comportam como países de mero e contrariado recolhimento: uma espécie de armazéns temporários com pressa de “fazer seguir” quem chega e se deseja apenas em trânsito…

Acolher e não simplesmente recolher é, na minha perspetiva, um grande desafio que a todos nós se coloca, para recebermos sem “mas”, integrarmos sem segundas intenções e darmos sem calcular lucros que que até provocam o maléfico ciúme de quem viu primeiro como “viver de” em vez de como “viver para”…

O Papa Francisco, na sua Mensagem para o 102º Dia Mundial do Migrante e Refugiado, que se vive em 17 deste mês de Janeiro, não poupa nas palavras: “Ninguém pode fingir que não se sente interpelado pelas novas formas de escravidão geridas por organizações criminosas que vendem e compram homens, mulheres e crianças…”. Ser espetador, repete-se, é ser cúmplice.

Mas Francisco já tinha alertado, há um ano, para a necessidade de agir, quando escreveu: “à globalização do fenómeno migratório é preciso responder com a globalização da caridade e da cooperação, a fim de se humanizar as condições dos migrantes. Ao mesmo tempo, é preciso intensificar os esforços para criar as condições aptas a garantirem uma progressiva diminuição das razões que impelem populações inteiras a deixar a sua terra natal (…)”. No mesmo texto urgiu “ a coragem e a criatividade necessárias para desenvolver, a nível mundial, uma ordem económico-financeira mais justa e equitativa, juntamente com um maior empenho em favor da paz”.

Todos sentimos que é mais fácil comover-se que mover-se.

Sem escolher o verbo do ano, qual destes prefere, leitor?..

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