Natal, um “Deus em saída”
Entre os diversos apelos que nos vem lançando o Papa Francisco, presentes em tantas das suas intervenções e particularmente na Exortação A alegria do Evangelho, encontramos uma expressão – “Igreja em saída” – que nos indica quer a identidade da Igreja na fidelidade à missão que Cristo lhe confiou, quer o caminho que o Papa nos aponta como “urgência” para este tempo (cf EG 20-24).
Convido-vos a todos, caros diocesanos, a acolhermos este apelo do Papa, à luz de quanto, em tempo de Natal, somos chamados a celebrar e a viver, tendo presente esta sua Exortação, que assumimos como itinerário pessoal e vicarial de aprofundamento da fé neste ano pastoral.
A expressão “Igreja em saída” reflete o dinamismo de saída presente na Palavra dirigida por Deus a todos os “chamados”, desde Abraão, passando por Moisés, Jeremias e todos os Profetas, até ao momento em que esta Palavra, anterior à própria criação e identificada com o próprio ser de Deus, saiu ao encontro do homem, fez-se carne e habitou entre nós, fez-se “pessoa” em Jesus, o “Filho único cheio de amor e de verdade”.
Celebrar o Natal é contemplar este movimento de Deus para a humanidade, –“Deus em saída” – que, em Cristo, monta a sua tenda entre nós, como meio privilegiado de encontro e de acolhimento na fé e no amor, que permite estabelecer uma nova relação com Deus: àqueles que O receberam e acreditaram no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus (Jo 1,12).
Celebrar o Natal é dar continuidade a este movimento de Deus, presente na resposta permanente da Igreja ao “ide” de Jesus, que engloba todos os cenários e desafios duma “saída” missionária, assumida por cada cristão e cada comunidade, no discernimento do caminho a que Deus convida, sabendo que todos, sem exceção, são chamados a “sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho”.
A alegria que carateriza esta quadra, só será plena se for missionária; a intimidade da Igreja com Jesus – permanecei em Mim – é uma intimidade itinerante; a alegria presente no convite festivo dos anjos aos pastores de Belém deve chegar a todos sem excluir ninguém.
Os verbos indicados pelo Papa Francisco, para definir uma Igreja “em saída” – primeirar, envolver-se /abaixar-se, acompanhar, frutificar, festejar – são profundamente natalícios, na medida em que indicam, igualmente, o movimento de um“Deus em saída”, que assume, no Deus-Menino, a fragilidade da nossa humanidade.
Foi Ele que tomou a iniciativa, precedendo-nos no amor (cf Jo 4,10) e impelindonos no mesmo dinamismo: ser discípulos missionários, “Igreja em saída”, que toma a iniciativa de “procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos” e a todos “oferecer misericórdia”, fruto experimentado e força difusiva que brota do coração paterno de Deus.
Foi Ele que primeiro se envolveu – “despojou-se a si mesmo tomando a condição de servo, tornando-se semelhante aos homens” (Fil 2,7) – e se abaixou ajoelhando-se para lavar os pés aos seus discípulos e recomendar: “dei-vos o exemplo para que, como Eu vos fiz, façais vós também” (Jo 13,15).
Foi Ele que, como Deus connosco, se dispôs a ser companheiro de viagem da humanidade peregrina – ficarei sempre convosco – garantia de presença permanente em cada etapa evangelizadora da Igreja, com a novidade e os desafios de cada tempo e de cada lugar.
Foi Ele ainda que a si mesmo se apresentou como fonte fecunda da ação evangelizadora da Igreja “quem está em Mim e Eu nele dará muito fruto” (Jo 15,5). Esta é a condição para que cada semeador da Palavra possa frutificar, com a serenidade de quem sabe que é possível o trigo e o joio crescerem juntos, e a confiança de quem acredita nos frutos de vida nova, ainda que “aparentemente imperfeitos ou defeituosos” presentes na Palavra semeada e na vida oferecida como grão de trigo lançado à terra.
O saber festejar é sempre consequência do saber semear. Festejar pelos frutos recolhidos, como aqueles que associamos e mutuamente nos formulamos nesta quadra festiva: esperança, alegria, paz, fraternidade… Frutos só acessíveis a quem, como “Deus em saída”, se torna construtor e testemunha duma “Igreja em saída”, levando a todos o Evangelho da alegria, presente no Deus-Menino cujo nascimento vamos, mais uma vez, celebrar.
Desejo a todos um Natal Feliz e um Novo Ano abençoado pela presença desde Deus-Menino que, acolhido no coração e na vida, nos convida a sair ao encontro dos outros.
† Manuel, Bispo do Algarve
Natal 2014