Partilhar sobras ou gerir o necessário

O desiquilíbrio global gera contrastes cada vez mais evidentes nos vários setores da sociedade. Em diferentes escalas, notam-se tensões entre hemisférios Norte e Sul, do interior em relação ao litoral, entre ambientes urbanos e rurais, empregadores e empregados, centros e periferias. Comum a todos os conflitos, mais ou menos explícita, é a crescente polarização entre ricos e pobres.

Conta quem dirigiu departamentos de recursos humanos de grandes empresas que a progressão na carreira e consequente aumento das remunerações – nos tempos em que aconteciam de forma notória, por mérito ou por favor – provocava muitas conversas, mais ou menos subjetivas. Uma delas girava em torno da possibilidade de adequar progressivamente o gasto ao ganho, numa verdadeira espiral reveladora de ausência de projetos pessoais e familiares, sem considerar o sentido da vida muito para além da sua dimensão material. Até que uma voz se ergueu para afirmar que o teto orçamental da família tinha sido definido, por uma vez, independentemente da remuneração. Em conjunto, a família estabelecera uma referência máxima, considerada necessária e razoável, e daí não se excedia (o destino do restante, confesso, não foi revelado).

Um princípio inspirador para um novo paradigma no relacionamento entre povos, estratégias orçamentais e políticas económicas, que apenas considera o necessário e recusa a voraz especulação do máximo, do superior em relação a um outro.

O Ano Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar, em 2016, é um alerta para estar atento aos mínimos: aproveitar o que sobra para a matar a fome de muitos. Mas a certeza de que se há sobras numa mesa é porque outras estão sem nada tem de gerar revolta nas consciências e recuo nos procedimentos.

“Mais vale sobrar que faltar”, diz-se, mas erradamente. Agora como sempre, e nomeadamente no que diz respeito à administração dos bens, “mais vale faltar do que sobrar”.

Nos diferentes ambientes e nos vários setores da sociedade, é por certo difícil pôr fim a essa tensão entre gerir o necessário ou assoberbar todo o possível para -ocasionalmente – dar do que sobra. Infelizmente, assim continuará. Porque permanecem distantes aproximações entre indivíduos e povos para definir esse fiel de uma balança que gera equilíbrios pessoais e sociais: estabelecer o necessário.

Paulo Rocha,

Agência ECCLESIA

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