Os doentes não-Covid face à urgência da Covid-19

Um dos principais problemas do nosso sistema de saúde, ao longo do ano de 2020, durante a urgência dos doentes-Covid, foi o atraso no atendimento aos restantes doentes.

Com efeito, os serviços hospitalares realizaram, a nível nacional, entre janeiro e final de junho de 2020, 896.000 consultas a menos, comparando com doze milhões de consultas anuais em 2019. Por sua vez, os Cuidados de saúde primários realizaram menos 1,1 milhões de consultas, no mesmo período, comparando com trinta e um milhões de consultas realizadas em 2019 [iii].

O número de cirurgias programadas não realizadas, a nível nacional,  não é menos impactante: de 58.829 realizadas em Março de 2019, caiu-se para 31.216 em Março de 2020 [iv].

No Distrito de Bragança,  no mesmo período, a crise Covid-19 «levou à suspensão da atividade assistencial programada e ao cancelamento de 7.687 consultas e 584 cirurgias» nas unidades hospitalares da Unidade Local de Saúde [v], 50% das quais remarcadas até ao final de Agosto.

Estes atraso, suspensão e cancelamento, nos diferentes espaços territoriais, dever-se-ão essencialmente a duas razões: 1) menor procura social dos serviços de saúde, sobretudo por pessoas acima dos 70 anos, presumivelmente por receio de contaminação; e 2) problemas derivados da reorganização dos serviços de saúde, quer dos cuidados primários quer dos cuidados hospitalares segundo circuitos diferenciados para doentes-Covid e doentes não-Covid, com realocação e readaptação de recursos humanos.

A informação disponível sobre o número de mortos a mais, em 2020, a nível nacional e até ao final de Agosto (6.312), relativamente ao período homólogo do último quinquénio (2015-2019) [vi], permite-nos agora hipotetizar a profundidade e extensão do abandono a que os doentes não-covid foram submetidos, não se conhecendo devidamente as causas da sua morte, o que poderá aumentar as mortes por Covid-19.

De qualquer modo, o atraso nas consultas e nas cirurgias é um indicador poderoso, mesmo se atenuado pelo recurso à telemedicina, que a inevitável desatualização dos sistemas TIC, por parte dos serviços de saúde, e da infoexclusão, por parte das pessoas acima dos 50 anos, não permitiram tornar totalmente eficaz ainda que muito contribuindo para o não maior aumento de consultas não realizadas [vii].

É verdade que o sistema de saúde e os seus profissionais viveram – e ainda viverão – um período de ambiente e tecnologia incertos face ao SARS-CoV-2, mas, adquiridos procedimentos contra o contágio, será tempo de criar eficácia no sistema, mesmo nas situações que exigem tecnologia intensiva [viii] como são as intervenções cirúrgicas e o tratamento de doentes-Covid-19, que impõem a abordagem multidisciplinar.

É da mais elementar justiça, com vista a um convívio social pacífico e saudável, que os portugueses sintam confiança no seu sistema de saúde. Os tempos de caos são excelentes para a reengenharia e para a reinvenção da excelência organizacional [ix] tanto mais que a pandemia veio manifestar, mais uma vez, a grande qualidade humana e técnico-científica dos nossos profissionais e do nosso sistema de saúde, sobretudo do subsistema hospitalar.

Elisabete Pinelo, Médica internista com diferenciação em imunologia e diretora do internato médico na Unidade Local de Saúde do Nordeste. Membro da Comissão Diocesana Justiça e Paz – Bragança/Miranda

Henrique da Costa Ferreira, Professor Coordenador Aposentado do Instituto Politécnico de Bragança, área de Ciências da Educação – Sociologia das Organizações Educativas e Administração da Educação. Membro da Comissão Diocesana Justiça e Paz – Bragança/Miranda

 

Fonte: https://agencia.ecclesia.pt

Autor: Elisabete Pinelo e Henrique Ferreira, Diocese de Bragança-Miranda 

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