«Deus é amor», afirma lacónica e taxativamente São João (1 Jo 4,8.16). «Eis a revelação essencial de Deus. O seu ser e o seu agir substantivo. A sua própria natureza e a razão última do Seu comportamento connosco. Deus é o Seu amor, constitutivamente. Mais ainda, Deus é amizade. A amizade define Deus melhor que o amor. Porque o amor, por si mesmo, não implica necessariamente reciprocidade: pode dar-se sem eco e sem resposta. E Deus é amor em reciprocidade ou reciprocidade no amor. Por isso, é amizade. O Deus da revelação, o único Deus que existe, não é um ser impessoal, neutro ou solitário. É um ser-família, um ser-comunhão, um Deus Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. O seu mistério não é a solidão, mas a companhia, o intercâmbio mútuo, a presença recíproca, a doação total em conhecimento e amor. Mas Deus não é só amor-amizade em Si mesmo, sim amor-amizade para nós. Deus é, pela sua própria natureza, o Ser que nos ama.
Há que ter em conta que a revelação não pretende dizer-nos tanto o que Deus é em Si mesmo, na Sua natureza íntima, quanto o que é para nós. E manifesta-Se-nos como amor na pessoa de Jesus Cristo, na Sua vida, na Sua palavra e na Sua morte. Jesus é a epifania suprema e decisiva do amor que Deus é e do amor que Deus nos tem. Jesus é o amor de Deus tornado visível. A encarnação é a revelação máxima e a prova mais fidedigna do amor de Deus. «Tanto amou Deus o mundo que entregou o Seu próprio Filho». Nisto se manifestou o amor que Deus nos tem: em que Deus enviou ao mundo o Seu Filho único para que vivamos por meio d’Ele. Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que Ele nos amou primeiro e nos enviou Seu Filho como propiciação pelos nossos pecados.
O amor de Deus pelo homem é misericórdia. E a misericórdia, no sentido bíblico, é o amor gratuito, pessoal e extremoso. Ora, como afirmou São João Paulo II, «em Cristo e por Cristo se torna Deus particularmente visível na Sua misericórdia. Cristo confere um significado definitivo a toda a tradição vetero-testamentária da misericórdia divina. Não só fala dela e a explica usando semelhanças e parábolas, mas, além disso, e acima de tudo, Ele mesmo encarna-a e personifica-a. Ele mesmo é. Em certo sentido, a misericórdia. A quem a vê e a encontra n’Ele, Deus faz-Se concretamente visível como Pai rico em misericórdia». Mais ainda, «fazer presente o Pai enquanto amor e misericórdia é, na consciência do próprio Cristo, a prova fundamental da Sua missão de Messias.
Jesus, no mistério – e no grande símbolo – do Seu coração, revela, manifesta, proclama e é, no seu pulsar humano, o amor misericordioso de Deus pelos homens, a máxima expressão sacramental da Sua ternura. Por isso, crer em Cristo e conhecê-l’O de verdade é crer nesse infinito amor de Deus e conhecê-l’O realmente. Assim pôde confessar São João, falando na primeira pessoa do plural, e referindo-se expressamente ao Verbo encarnado, Jesus Cristo: «Nós conhecemos o amor que Deus nos tem, e cremos n’Ele». Ora a Jesus só se conhece verdadeiramente quando se entrou em comunhão viva com o Seu coração e, sobretudo, quando se chegou a uma íntima experiência desse mistério.