Todas as épocas têm as suas patologias e estas funcionam como indicadores que vão além da superfície. As enfermidades dominantes mostram-nos o ponto de dor escondido, revelam comportamentos e compulsões, desocultam a vulnerabilidade que é a nossa, mas que raramente queremos ver. Ora, a acreditar em Byung-Chu Han, o alemão de origem coreana que é uma das vozes filosóficas mais originais da cena contemporânea, a doença representativa do nosso tempo é o cansaço.
O grande combate dos séculos que nos precederam foi bacterial e viral. A invenção dos antibióticos e das vacinas, partindo do reforço imunológico, sem resolver tudo como sabemos, tornaram, no entanto, controlados esses problemas sanitários. É verdade que de vez em quando irrompe o pânico de uma pandemia viral, mas essa não é a questão que condiciona mais profundamente com os nossos quotidianos e práticas. O filósofo Byung-Chu Han defende que este começo do século XXI, do ponto de vista das patologias marcantes, é fundamentalmente neuronal. O sol negro da depressão, os transtornos de personalidade, as anomalias da atenção (seja por hiperatividade, seja por uma neurastenia paralisante), o síndrome galopante do desgaste ocupacional que faz-nos sentir consumidos e esvaziados por dentro, definem o difícil panorama destas décadas. E o pior é que todas as previsões coincidem no agravamento das tendências. Estas enfermidades não são infeções, mas estados de alma, modalidades vulneráveis de existência, fragmentação da unidade interna, incapacidade de integrar e refazer a experiência do vivido. A verdade é que as nossas sociedades ocidentais estão a viver uma silenciosa mudança de paradigma: o excesso (de emoções, de informação, de ofertas, de solicitações…) está a atropelar a pessoa humana e a empurra-la para um estado de fadiga, de onde é cada vez mais difícil retornar. O risco é o aprisionamento permanente nessa armadilha como explicava profeticamente Fernando Pessoa: «Estou cansado, é claro,/ Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado./ De que estou cansado não sei:/ De nada me serviria sabê-lo/ Pois o cansaço fica na mesma». Valia a pena pensar nisto.
José Tolentino Mendonça,
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura