USAR DE MISERICÓRDIA

Na palavra misericórdia há duas palavras fundidas, «miséria» e «coração», que sugerem uma atitude de piedade a favor de quem sofre, envolvido pela miséria ou seja, um efetivo comportamento de bondade para quem está necessitado.

O primeiro aspeto a considerar supõe a existência de uma real situação, pessoal ou comunitária, de indigência ou carência material, social ou espiritual. Entre as formas de necessidade estão: a carência de alimento, habitação, saúde, fé, carinho, apoio, etc…

É preciso, antes de tudo, discernimento e ponderação quanto à decisão de ajuda. Isto supõe a efetiva opção de lealmente ajudar para além da estrita justiça e das próprias conveniências. Implica uma atitude de empatia aberta e disponível para com a pessoa que for atingida por determinada carência.

A família sadia e a sociedade democrática deveriam responder às necessidades de cada um dos necessitados que são membros seus e de forma satisfatória. No ambiente da fé cristã, a dinâmica da misericórdia deveria começar na ‘igreja doméstica’ e na comunidade paroquial porque aí se partilha a vida, o amor e o perdão recíprocos. A caridade bem entendida começa na própria casa.

No ideal das coisas, o perdão recíproco e misericordioso deveria ser tido mais em conta, aceite e promovido pelas pessoas de bom coração que partilham a cidade, o mesmo prédio, a mesma rua ou andar comuns.

Em casos concretos, como no estatuto dos enfermeiros e dos médicos, deveria estar mais definida a fronteira entre a justiça e a caridade. Todavia, como isso não é fácil, a pessoa de bom coração há-de estar alerta para ir para além das atitudes de frieza, de apatia ou de rotina das relações humanas injustas e descuidadas.

Há que não conceder só por misericórdia o que é devido em estrita justiça, embora haja dificuldade em definir o que é dever por justiça e o que é dever por misericórdia. A justiça e a misericórdia não se confundem: mas na prática há que estar atento para incluir as duas. A atitude reivindicativa, como no caso de apelo aos tribunais, poderá afetar a prática da misericórdia e da reconciliação. A gratuidade e o perdão incondicional são decisão nobre, corajosa e cristã para evitar a vingança e a lei de Talião.

A misericórdia é irmã das bem-aventuranças proposta, por Jesus à nossa vida quotidiana. Recomenda-nos que aprendamos a ser mansos e humildes como Ele. Deus revela o máximo do seu poder, perdoando. O Novo Testamento apresenta-nos Jesus como quem se comove com o sofrimento e os problemas dos outros. «Rico em misericórdia», compadece-se das fraquezas e das fragilidades humanas e dando-lhe remédio adequado, superando a justiça e aplicando a liberdade sem mancha.

Mais concretamente, Jesus revela a bondade e a misericórdia divina quando oferece o perdão a Madalena (Lc 19,10), quando Se compadece da multidão desorientada e faminta (Mt 9-20), e quando fala do filho pródigo que o Pai recebe, comovido (Lc 15,12-20), São Paulo retomou o tema em (Ef. 2,4-7): Jesus compreende e perdoa porque se entregou à humanidade frágil e pecadora na Encarnação e no Mistério Pascal (Rom 11,32-33). Condescendendo com os arrependidos, Jesus revela-Se como quem está ao lado da humanidade para a salvar e reconciliar com Deus.

São testemunhas e revelam Jesus Cristo, pela sua efetiva misericórdia, aqueles que respondem às necessidades dos irmãos, de acordo com as capacidades de partilha do que cada um dispõe e é.

 

Autor: Frei Bernardo Domingues, op

Professor Jubilado da Universidade Católica

Fonte: Rosário de Maria

Ano 72| nº 762| outubro de 2016

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