Como é que nos podemos tornar uma Igreja que não esconde os conflitos e não tem medo de salvaguardar espaços para a discordância?
Uma Igreja que se interroga. Foi esta a imagem – desafiadora – que saiu do novo documento de trabalho para a próxima Assembleia Sinodal, que em outubro vai dar continuidade ao inédito processo global lançado pelo Papa, em 2021. Das muitas questões, a que abre este texto parece-me particularmente importante, por sintetizar preocupações comuns a várias sensibilidades teológica: o lugar do conflito.
O conflito é uma categoria central no pensamento moderno. Segundo a nossa nova amiga, a inteligência artificial, “a noção de conflito está profundamente enraizada na compreensão da dinâmica social e das relações entre indivíduos e grupos na sociedade moderna”.
Não por acaso, num dos documentos fundadores do seu pontificado, a ‘Evangelii gaudium’, Francisco aborda especificamente a questão do conflito e da unidade.
“Perante o conflito, alguns limitam-se a olhá-lo e passam adiante como se nada fosse, lavam-se as mãos para poder continuar com a sua vida. Outros entram de tal maneira no conflito que ficam prisioneiros, perdem o horizonte, projetam nas instituições as suas próprias confusões e insatisfações e, assim, a unidade torna-se impossível. Mas há uma terceira forma, a mais adequada, de enfrentar o conflito: é aceitar suportar o conflito, resolvê-lo e transformá-lo no elo de um novo processo”, escrevia o Papa.
A Igreja sonhada na exortação apostólica de 2015 é feita de “comunhão nas diferenças”, apostando “na resolução num plano superior, que conserva em si as preciosas potencialidades das polaridades em contraste”. É este o sonho e, sobretudo, o horizonte que dá sentido a este processo sinodal.
O espaço para a discordância, com tudo o que daí advém, é visível desde os primeiros momentos das comunidades cristãs (basta ler os Atos dos Apóstolos). Mas não é nunca um fim em si mesmo nem uma forma absoluta de afirmar a própria identidade. O objetivo ultrapassa, sempre, o momento da disputa. Penso que o conflito, sem mudança, é estéril. Já a mudança, sem conflito, é fictícia.
Há boas perguntas que nunca vão ter boas respostas. A humildade de o reconhecer é já um primeiro passo importante para deixar que aquilo que julgamos conhecer dê lugar ao que se deve manifestar, imensamente maior do que as nossas capacidades.
Fonte: https://agencia.ecclesia.pt/
Autor: Octávio Carmo, Agência ECCLESIA