Sem programa

A duas semanas de uns dias de descanso, descubro – porque me questionaram – que não programei as férias.

Digo-o e não me acreditam. E os que acreditam murmuram: “Mas que estranho. Nem parece teu!…”

Não é, contudo, a primeira vez que vivo esta situação. Mas este ano acumularam-se demasiadas razões para ir adiando. O facto é que agora aqui estou, sem outro programa que o de viver sem horas nem pesadas obrigações.

Garanto, porém, que nenhum dos meus momentos estará vazio – porque até o mais profundo silêncio é um lugar habitado de memórias ou sonhos e desejos orantes. Sim; sonhar é, de certeza, uma ótima maneira de fazer férias… Acho que vou por aí!

Um penedo do Gerês ou a música suave do ribeiro da aldeia; a pequena igreja paroquial do Campo ou a sombra encostada a um carvalho da Chá de Baixo; o livro passeado ao longo das horas ou adormecido na sua metade da cama; a experiência da cozinha na resposta a alguém que passou a ver se estava — qualquer destes momentos será lugar, de certeza certa, pedaço de sonho e de encontro com o amanhã.

“Vais-te aborrecer” – sentenciam os amigos. E eu garanto que não. Afirmo que vou apenas lavar-me de tudo o que as semanas nos vão colando, ao longo do ano: palavras e gestos; decisões e omissões; buscas, encontros e desistências. E pressas, muitas pressas e algumas pressões.

Sou franco se disser que, nos primeiros dias, a palavra mais longa que me apetecerá dizer será “Chiu!…”. Suavemente. Pronunciada com olhos mendigos e quase contemplativos, se alguém à minha volta puser a girar a mó do palavreado.

Quando oiço tanta gente a falar em ir, a mim apetece-me estar: deixando que os olhos viajem nas pequenas coisas, o olfato recolha pólenes com jeito de abelha obreira, as mãos desenhem no chão com um lápis de arbusto e o corpo se sinta parte da terra onde se estenda a olhar o céu.

Confesso: gosto de ver o céu assim, por entre a copa lenta de uma árvore, como se quisesse surpreender Deus a uma janela entre dois ramos… e ficar a conversar.

Sei que teremos longas conversas. Dessas em que se pode falar de tudo, dizer tudo, perguntar tudo e ouvir tudo.

Mas, nem isto vale a pena programar. Aliás, de que me adiantaria?.. Com Deus só fala bem quem se deixar surpreender!..

Fonte:

www.ecclesia.PT

Autor:

João Aguiar Campos,

Secretariado Nacional das Comunicações Sociais

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