Se entrares suficientemente em profundidade no mistério da pessoa de Jesus, compreenderás que ele veio libertar-te, recriando-te à imagem de Deus. Mas não realiza essa nova criação de maneira espetacular; procede à maneira do Servo sofredor de Isaías. Jesus salva-te pelo amor e, portanto, pela humilhação e pela obediência ao Pai. É no mistério da Cruz gloriosa que Jesus te gera para a vida filial. Não procures afastar demasiado depressa o escândalo, mas aceita seres profundamente desconcertado pela loucura da Cruz.
Procura aprender que não podes conhecer verdadeiramente a Jesus senão entrando no mistério da sua Cruz. Defende-te de um conhecimento que seja apenas nocional e não vital e existencial. Só se conhece a Jesus assumindo o compromisso de o seguir. Entregares-te a ele com todas as forças do teu ser e com todo o amor do teu coração é aceitares ser arrastado para onde não quererias ir, isto é, para a Paixão. É dando a vida que Jesus conhece realmente o Pai: “Assim como o Pai me conhece, também Eu conheço o Pai e dou a minha vida pelas minhas ovelhas”. O verdadeiro conhecimento de Deus culmina no desejo de entrega, porque Deus é essencialmente amor e dom.
Quando Cristo te convida a segui-lo e a levar a sua Cruz, propõe-te que afastes os sonhos da tua vida, para te entregares realmente a ele. Não dás a tua vida a uma causa, a um sistema ou a uma ideologia, mas a uma Pessoa: “… por minha causa”, dirá Jesus. Podes furtar-te ao seu convite, como o jovem rico; Cristo, então, olhar-te-á tristemente, vendo-te partir. Ou podes dizer também como os filhos de Zebedeu: “Sim, podemos beber o teu cálice”. Este “sim” situa-se na linha do teu batismo e da tua entrega. Implica que sigas a Jesus para qualquer lado para onde ele for, partilhando a sua morte gloriosa.
Mas não basta aceitares verbalmente seguir a Cristo; o mistério da Cruz deve ser vivido em toda a tua existência de homem através de uma assimilação cada vez mais verdadeira do Senhor Jesus. É aí que se situa o dom real de ti próprio ao serviço do Reino. O mistério da Cruz, que tanto assusta o homem moderno, cioso de uma determinada realização, só pode ser compreendido no amor, senão a Cruz é um absurdo e torna-se um falso escândalo. Para te dares, é necessário renegares-te a ti próprio e, para te regares, é necessário que existas. Não podes fundar a abnegação sobre o aniquilamento da tua natureza de homem. Só aquele que faz dom e entrega das coisas e dos seres que ama, pode possuí-los numa relação gratuita de amor.
Então o dom de ti próprio segue um duplo movimento. Primeiro, a aceitação da tua realidade de homem. Antes de pensares em oferecer-te a Cristo, é necessário pelo menos seres. O Senhor pede que desenvolvas a fundo todos os dons que depositou em ti: corpo, espírito, coração, vontade e liberdade. Todas as forças vitais que nascem do âmago do teu ser devem ser acolhidas com toda a lucidez, e seria um erro recalca-las sob o pretexto de renúncia. Muitas dificuldades resultam de não te aceitares tal como és, com todas as potencialidades que jazem em ti.
Mas o amor verdadeiro de Cristo supõe também que não te feches sobre os teus dons, guardando-os ciosamente para ti ou utilizando-os para teu gozo pessoal. É nisso que consiste o pecado: em vez de fazeres deles meios de relação com o Pai e com os outros, vais utiliza-los em benefício próprio. Não, retoma toda a ordem material, todas as tuas aspirações e ultrapassa-as, para te entregares a Cristo, aceitando ser invadido pela graça da divinização. Renunciando às tuas ideias sobre a questão e aceita o inesperado da pessoa de Cristo. É isso a verdadeira conversão que supõe uma viragem em ti próprio.
Na Eucaristia professas publicamente o teu desejo de participares no seu mistério de morte e ressurreição. Comendo o seu corpo e bebendo o seu cálice é o próprio Cristo que te ensina a entregares-te ao Pai e aos irmãos.