Todos os anos teremos sido alertados por este anúncio, na celebração de cada Natal. Ele nos é apresentado por Paulo na sua carta a Tito, na eucaristia da aurora desse dia. Mas, quem terá caído na conta do seu alcance e conteúdo?
Desta vez, no entanto, a celebração do Ano da Misericórdia, já em curso, não nos poderia deixar mais na mesma. Teremos de advertir e interiorizar que a boa nova da vinda de Jesus será a expressão maior da misericórdia de Deus.
Tal como ao seu povo exilado no Egipto, na Babilónia ou na sua própria terra, Deus envia Moisés, reis e profetas que o libertam, orientam e conduzem, assim hoje, a um mundo cativo, tantas vezes, nas fronteiras das próprias amarras (ideologias, poderes, prazeres, vaidades…ou medos, inseguranças e desânimos) a misericórdia de Deus se revela, uma vez mais, incarnando no coração das nossas debilidades, expetativas e projetos. De fato, as levas de refugiados em ritmo crescente, a multiplicação de atentados cada vez mais inusitados, os frequentes conflitos entre países por questões de fronteiras ou outras, para não referir os atentados à vida humana logo na sua génesis, a desagregação da família como ícone da trindade, a diluição da dimensão transcendente da vida pessoal e comunitária, enfatizando o que é caduco, superficial e efémero, tudo isto será, neste dealbar de milénio, incentivo a que redescubramos o rosto dum Deus que, ao longo dos milénios, não tem cessado de nos surpreender com a sua misericórdia, face a um mundo que vamos construindo ao arrepio do seu plano de amor.
Ele não cessa de nos interpelar, através deste e múltiplos outros sinais, para a necessidade de, tal como o povo bíblico, empreendermos uma marcha de deserto, abatendo montanhas, preenchendo vales, endireitando veredas e demolindo escarpas, como repetidamente nos increpa a palavra deste tempo de advento, pela voz audaciosa de João Batista.
Que atenção a tudo isto perpassa pelas movimentações, rituais, tradições e sinais que tão manifestamente caraterizam esta quadra, é pergunta que não nos poderemos deixar de formular. Depois de tudo isto será que se fez mesmo a experiência da misericórdia de Deus?
Uma vez que a igreja é depositária deste singular património de que o mundo tão impunemente se vai aproveitando e oportunisticamente instrumentalizando, a ela compete, sem excluir o contributo de todos os que de boa vontade a corroboram, ser o seu rosto visível, cultivando-a no seu seio e irradiando-a na sua ação. Fá-lo -á, como sabemos, através da prática das obras de misericórdia, corporais e espirituais que, já a partir das comunidades cristãs, já por meio de inúmeras Instituições de solidariedade social vai alimentando.
Este será o rosto mais visível da misericórdia divina, atuando pelos mediadores que todos devemos ser. Sempre assim tem acontecido – haja em vista as misericórdias que há séculos se dedicam a esta causa – requerendo-se que hoje o façam com novo vigor, criatividade e espirito de serviço.
Seja este o empenho que perdure como fruto visível e saboroso do ano da misericórdia em que entramos.
O Pároco de S. Luís