O TURISMO E A TRANSFORMAÇÃO DIGITAL – “A rede como espaço de comunhão”

Mensagem do dia Mundial do Turismo – 27 de setembro de 2018

O Dia Mundial do Turismo, que se comemora a 27 de setembro, focar-se-á, em 2018, por proposta da Organização Mundial do Turismo (OMT) na importância que têm as tecnologias digitais neste sector.

A Igreja tem, ao longo dos anos, vindo a refletir sobre todas as questões ligadas à comunicação e ao uso das novas tecnologias, nomeadamente as chamadas novas ferramentas tecnológicas da web 2.0. Os cristãos são chamados a estar neste mundo – porque também é preciso evangelizá-lo -, entrecruzando-se com os outros habitantes desse espaço e descobrindo as possibilidades de diálogo entre os mundos físico e digital. Importa conhecer as suas racionalidades próprias subjacentes, através de uma análise valorativa e critica, para conseguirmos alcançar as capacidades e limites aí existentes e, sobretudo, para podermos continuar a fazer presente a mensagem de Cristo.

O magistério romano, neste século XXI, tem-se referido frequentemente a esta nova realidade que ainda está a crescer. Refere-se às novas tecnologias como uma possibilidade e uma obra da graça divina através da capacidade humana e não como algo que pode separar o Homem de Deus. É óbvio que «os homens sempre terão necessidade de Deus – mesmo na época do predomínio da técnica no mundo e da globalização –, do Deus que Se mostrou a nós em Jesus Cristo e nos reúne na Igreja universal»[1].

Ora, indo mais longe, pode-se afirmar que essa necessidade de Deus que os homens têm pode ser colmatada utilizando o predomínio da técnica na sociedade em rede na qual vivemos. A comunhão gerada na Igreja Universal que nos reúne através de Cristo pode circular e expandir-se nesta nova rede, não só tecnológica, mas pessoal. A rede, para além de nos oferecer um espaço onde podemos fazer divulgação e catequese, tende a ser forçosamente um espaço de comunhão, onde há uma comunicação interativa, que dá atenção não só ao mundo, mas sobretudo ao que se passa em todas as redes sociais, porque o mundo passa por aí. A rede digital torna-se a matriz social que altera o modo de lidar com o tempo, o modo de pensar, ler, de relacionar-se com a informação, de consumir, de organizar o trabalho, de fazer política.

Toda esta inovação muda não só a nossa forma de comunicar, mas também a nossa forma na relação com os outros, bem como mudanças psicológicas, pois também em cada um de nós proporciona alterações. Mas, sobretudo, é um espaço de comunhão intemporal e infinita, um espaço do testemunho cristão constante e global. A transmissão permite-nos vencer o tempo, enquanto a comunicação nos permite vencer o espaço. À semelhança do que propõe Manuel Castells, investigador catalão destas temáticas, teremos um tempo atemporal[2], onde não importam as sequências, a aleatoriedade, mas sim a profundidade e a riqueza do que se transmite, a sua validade e força enquanto mensagem absolutamente verdadeira e real. Tendo esta ideia por base, podemos pensar o lugar da Igreja neste contexto e, consequentemente, o papel que ela poderá desempenhar no sector do Turismo, já que este sempre foi visto, também no seio da Igreja, como um veículo promotor da comunhão, de transmissão de valores e ideais que proporcionam o crescimento humano e a partilha com os demais, num encontro entre pessoas, natureza e Deus.

Ao cristão da web 2.0 é pedido que seja um Homem de Deus, de comunhão com Jesus Cristo, criando e expandindo essa comunhão, de uma forma concreta, nestas comunidades e redes virtuais, que são constituídas por pessoas bem reais e que têm fome de Deus, de um Deus próximo e permanentemente acessível, que estabelece uma relação pessoal connosco através da Igreja. Numa palavra, a web é um autêntico espaço da partilha da Graça e do Amor de Deus, que nos é comunicado constantemente por Cristo, pela Igreja.

É importante que o agente de pastoral desta nova era tecnológica, seja consagrado ou leigo, mais do que a mão do operador dos media, faça «transparecer o seu coração (…), para dar uma alma não só ao seu serviço pastoral, mas também ao fluxo comunicativo ininterrupto da rede»[3], que é imagem e semelhança da comunicação existente entre nós e Deus. E se assim for, a Salvação vinda de Deus passará pela rede digital, pois nela os cristãos terão não já com uma presença passiva, que se limita a receber e a colocar conteúdos, mas de uma forma ativa, fazendo da rede digital um espaço de comunhão entre Deus e os Homens. Fazendo, igualmente, dele, um espaço de acolhimento e de esperança, um espaço que promova a ajuda a quem viaja e a quem quer descansar e procura, longe do seu espaço físico, respostas para a sua vida espiritual.

Esta presença implica, naturalmente, um profundo sentido de responsabilidade, pois as ferramentas e serviços ao dispor de quem trabalha no Turismo implicam não somente a criação de grandes oportunidades, quer de contacto e de negócio, mas também a consciência de que há necessidade de ter um profundo comprometimento na forma como qualquer inovação é introduzida e usada, uma vez que temos necessidade de cuidar do próximo, do planeta, procurando aplicar estratégias sustentáveis e promotoras do respeito pela diferença e pela dignidade. Aliás, essa é outra das vertentes de reflexão propostas para esta data, ou seja, a tomada de consciência de que o Turismo pode e deve contribuir de forma efetiva e em potencial para o desenvolvimento sustentável.

Temas como inteligência de dados, inteligência artificial e plataformas digitais são parte da resposta ao desafio de conciliar crescimento contínuo com maior sustentabilidade e responsabilidade, que passam, naturalmente, pelo aumento da inclusão social, pelo envolvimento das comunidades locais e pelo uso eficiente dos recursos. E, também, pelo lazer e pelo descanso, que são preocupação central de quem pensa o Turismo ou se serve dele para retemperar as suas forças e energias de modo a enfrentar novos períodos de trabalho.

Naturalmente, há desafios e limitações que teremos de ter em mente, pois como em todos os campos, uma “má presença” neste mundo terá consequências menos positivas nas vidas de quem nos rodeia. Manipulação, uso indevido de dados para fins propagandísticos e comerciais, condicionamento psicológico são possíveis dinâmicas dos meios tecnológicos que, como diz o Papa Francisco, «quando se tornam omnipresentes, não favorecem o desenvolvimento duma capacidade de viver com sabedoria, pensar em profundidade, amar com generosidade»[4].

Todavia, há que não esquecer que toda a comunicação gerada no mundo digital é essencial e está presente permanentemente na nossa vida. Vivemos um novo paradigma de comunicação, no qual a linearidade cede o lugar à circularidade e à interatividade comunicativa, passando-se a considerar que comunicamos horizontalmente[5] e que experimentamos quotidianamente uma comunicação de muitos para muitos, pois cada um de nós se tornou emissor e seletor das suas próprias mensagens a partir da Internet e pode ter os seus canais e redes de circulação da informação, num sistema comunicacional que é duplo, no sentido em que coexistem os meios de comunicação e a «auto comunicação de massas»[6], ou seja, a que nós criamos e selecionamos e que, difundida através das redes, pode chegar aos grandes grupos, às massas.

Assim, também neste dia se propõe que regressemos à génese da Igreja e que tomemos o mundo digital como uma possibilidade de criação de uma comunidade mais consciente e próxima, que partilha e reflete os seus pensamentos e questionamentos no digital, encontrando-se aí como habitualmente o faz à volta do altar, acreditando que todos agiremos em prol da verdade, no respeito, na demonstração de um genuíno interesse pela vida e realização daqueles com quem comunicamos, pela sua própria vida e pelo mundo, gerando relações de confiança e generosidade, apesar de diferentes do acolhimento presencial direto. Ou seja, gerando verdadeira COMUNHÃO.

[1] Bento XVI, Carta aos seminaristas (18 de Outubro de 2010), in AAS 102 (2010), 793.

[2] Manuel Castells, The Information Age: Economy, Society and Culture, Vol. 1 – The Rise of the Network Society, 494 (A era da informação: economia, sociedade e cultura, Vol. 1 – A sociedade em rede, 597).

[3] XLIV Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais.

[4] Francisco, Carta Encíclica Laudato si, 2015, Capítulo I, 4. Deterioração da qualidade de vida humana e degradação social, in http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html (consultado a 01/09/2018).

[5] Manuel Castells e Gustavo Cardoso, A sociedade em rede – Do conhecimento à acção política, Conferência promovida pelo Presidente da República, 4 e 5 de março de 2005, Centro Cultural de Belém: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, http://www.cies.iscte.pt/destaques/documents/Sociedade_em_Rede_CC.pdf (consultado a 20/09/2013), 24.

[6] Manuel Castells, Entrevista a Sergio Martin, Rádio Europa Aberta.

 

Fonte: http://www.pastoraldoturismo.pt

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