O silêncio é louvor

«Para Ti, o silêncio é louvor» – Quando na semana passada abordamos o tema do silêncio e valorizamos uma versão do Sl 64/65, 2, nada corrente entre nós, estávamos longe de prever que esse mesmo versículo iria dar o mote à meditação de Laudes do segundo dia do retiro que precedeu a abertura da segunda sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos Mas de facto, assim aconteceu. É certo que Madre Angelini – monja beneditina que orientou a reflexão, não leu o artigo de VP. Mas, a posteriori, lemos nós a sua consideração. E, porque apreciamos a leitura, partilhámo-la aqui, na parte que cabe neste espaço, com os nossos leitores.

«Gostaria de me deter sobre este único versículo, o incipit do Sl 64: “Para Ti o silêncio é louvor”. Tibi silentium laus. Qual o significado? Porventura – com um tal dizer – se retira valor aos cantos, ou se envilece o seu sentido? Ou se chegam a debilitar as intercessões, as homilias, os comentários? …

Pelo contrário. Penso que neste versículo está expresso o fundamento de toda liturgia – ritual e da vida –: na raiz de cada oração, de cada “obra para Deus” vibra o sopro silencioso de Deus. Trata-se de percebê-lo. Este sopro precede e vai além da palavra de “carne”. É aquela Presença que Elias (1 Rs 19, 12) percebeu na voz de uma “fenda de silêncio”. E as suas palavras de lamento dissolveram-se como neve ao sol. … É o silêncio de Jesus diante do tribunal humano. É o silêncio de Jesus que segue a emissão do último suspiro: Glória de Deus e anúncio de ressurreição.

“Quem compreendeu as palavras do Senhor compreende o seu silêncio, porque o Senhor conhece-se no seu silêncio” (Inácio de Antioquia, Efésios, XV 2).

E quem se deixa colher pelo assombro diante da fenda do silêncio de Deus, plenamente revelado em Jesus, compreende como o silêncio é dimensão constitutiva da palavra humana verdadeira que, como tal, canta o louvor do Altíssimo. Toda a palavra humana é precedida – na sua verdade sempre parcial – e é sustentada, e é superada, pelo silêncio que louva a Deus. Poderosa, explicativa, é a cascata que logo se lhe segue dos “Tu” dirigidos a Deus, que articula o silêncio solenemente proclamado no início. O silêncio-louvor não é o vazio pneumático, mas é a maravilha perante o advir de Deus entre os seus. […]

Parece importante determo-nos, hoje, neste versículo do salmo, para nos prepararmos par os laboratórios do diálogo, para as mesas de confronto; mas, antes ainda, para nos dispormos para a celebração penitencial. Deixarmo-nos preencher por este silêncio. No início, portanto, e no fundo, está o silêncio como altíssimo louvor. Onde só se pode admirar a obra de Deus: “Para ti, o silêncio é louvor!” Isto coloca-nos na celebração penitencial. E impele-nos juntamente a valorizar também todo o peso das pausas do silêncio introduzidas nos diálogos sinodais. Não são um intervalo: é de valor substancial que os intercâmbios se aprofundem de quando em quando, no silêncio que precede e segue. Escuta fascinada do jamais ouvido. […]

“Para Ti, o silêncio é louvor”. Será que conhecemos o silêncio generativo, que precede a palavra, que a guarda, que incessantemente a gera? Em que condições o silêncio é louvor? Tantos silêncios hipócritas – estranhos – se aninham nas nossas palavras… O Salmo 64 parece ter sido escrito para dar voz ao nosso íntimo que sente o peso do mal que há no mundo, dos pecados, e anseia pela libertação. Para dar voz ao nosso coração muitas vezes esclerosado pelas ansiedades e frustrações que retardam o seu palpitar, mas que aspira a uma plenitude de vida e a uma firmeza que deixe de temer tempestades e tumultos. E o coração reencontra fôlego ao sintonizar-se com aquele silêncio em que no princípio se ouviu a Palavra (Gn 1, 1).

O silêncio é talvez o elemento mais difícil de viver na nossa vida, também no caminho sinodal. Por isso, as nossas palavras são tão pouco comunicantes. Imersos no caos, ou na ênfase de nossos conceitos, não temos tempo para lhe tocar ao de leve e muitas vezes nem sequer temos vontade disso, porque nos assusta. De facto, quando alguém se cala, não há logo silêncio: é-se submergido por um turbilhão de pensamentos – pelos estilhaços de um passado frequentemente não elaborado na memória do coração; pelo tédio de um presente que está aí – urgente ou amorfo, parado – e pela angústia de um futuro incerto e sem sentido. Não é este o silêncio que louva a Deus e que é a raiz de todo o diálogo construtivo, de todo caminho sinodal.

É-o, ao invés, o silêncio precioso de quem sabe retirar-se do palco e vive uma espécie de solidão fecunda e aberta à alteridade, na escuta da Palavra de Deus, do grito dos pobres e dos gemidos da criação. Silêncio é luta contra a banalidade, é busca da verdade, é acolhimento do mistério que se esconde em cada pessoa e em cada ser vivo. Não explica o sofrimento, mas atravessa-o. O silêncio pode fazer-nos reencontrar o verdadeiro e autêntico ritmo do diálogo sinodal.

 

Fonte: https://www.vozportucalense.pt/

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