Pensar na Paz por um dia só, sabe a pouco. Se dedicamos o mês de Setembro a reflectir, rezar e falar sobre o Tempo da Criação, não poderíamos fazer o mesmo em Janeiro e passar a dedicar todo o mês a reflectir, rezar e falar sobre a Paz? O mês terminou, mas a Paz ainda não foi atingida na Ucrânia, como em muitas outras partes do mundo. Por que razão é tão difícil chegar à paz num mundo tão tecnológico e (supostamente) moderno como o de hoje? Talvez por termos compreendido a liberdade, a igualdade, mas ainda pouco a fraternidade.
«(…) é urgente buscar e promover, juntos, os valores universais que traçam o caminho desta fraternidade humana.» (n. 3 da Mensagem do Papa no Dia Mundial da Paz)
A tecnologia ajuda-nos a resolver os problemas, o progresso parece fazer-nos avançar na qualidade de vida e a globalização parece aproximar-nos, mas o Papa alerta que a confiança excessiva depositada nestas três coisas — «transformou-se numa intoxicação individualista e idólatra, minando a desejada garantia de justiça, concórdia e paz.» — O mundo vive a grande velocidade e perde pouca da sua atenção a pensar nos desequilíbrios das nossas acções. Na sequência da urgência de caminhar mais assertivamente para a Paz, brota «mais forte a consciência que convida a todos, povos e nações, a colocar de novo no centro a palavra “juntos”. Com efeito, é juntos, na fraternidade e solidariedade, que construímos a paz, garantimos a justiça, superamos os acontecimentos mais dolorosos.» (n. 3). Foi nesse espírito de que “juntos” construímos a paz que o desconhecido Elihu Burritt tentou no século XIX iniciar uma Demanda pela Fraternidade Universal.
Elihu Burritt (1810-1879), um simples ferreiro que se tornou diplomata, poliglota e filantropista, entre 1844 e 1851 publicou o The Christian Citizen (O Cidadão Cristão) como semanário dedicado à temperança, anti-escravatura e à paz mundial. Burritt foi um dos primeiros a apoiar o congresso das nações como forma de evitar a guerra e em 1848 chegou a organizar o Congresso de Bruxelas dos Amigos da Paz, tornando-se um agente fundamental na promoção da paz entre os povos.
Em 1846, quando estava em Inglaterra, fundou a Liga da Fraternidade Universal. Diz-se que a ideia surgiu-lhe enquanto preparava uma aula sobre “A Anatomia da Terra” e se deu conta da unidade e interdependência presente nos elementos naturais, levando-o a escrever um manifesto pela paz internacional. Já no seu tempo, mesmo sem internet, a cacofonia entre as pessoas a ver quem falava mais alto era comum, e, também aqui, Elihu encontrava sabedoria a partir do mundo natural dizendo que — «Estes oradores que nos dão muito ruído e muitas palavras, mas pouco argumento e menos sagacidade ainda, deviam aprender a lição do grande volume da natureza; muitas vezes, ela dá-nos o relâmpago sem o trovão, mas nunca dá o trovão sem o relâmpago.» Como relâmpago sem trovão, durante as tensões entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha por causa do território de Oregon, Burritt procurava estabelecer a boa vontade com breves ensaios a promover a paz nos jornais de ambos os países. Ensaios que ficaram conhecidos como “folhas de oliveira” simbolizando a pertença ao ramo da paz que, um dia, o levaria a criar a Liga da Fraternidade Universal. O objectivo dessa liga era o de — «empregar todos os meios legítimos e morais para a abolição de toda a guerra, e todo o espírito e manifestações de guerra pelo mundo; pela abolição de todas as restrições à correspondência internacional e relacionamentos amigáveis, e de tudo o resto que tende a fazer das nações, inimigas, ou impeça a sua fusão numa só fraternidade pacífica; pela abolição de todas as instituições e costumes que não reconhecem e respeitam a imagem de Deus e de um irmão humano em cada homem, de qualquer clima, cor ou condição.» Palavras escritas no século XIX, não XX.
A simpatia de Elihu caracterizava-o em todas as iniciativas para promover a fraternidade universal, desde a redução do preço da correspondência (estou a falar de carta, lembram-se?) entre o Estados Unidos e a Grã-Bretanha ao alívio da fome na Irlanda devido aos prejuízos gerados por falhas no cultivo da batata em 1847. A sua acção era discreta e sem grandes custos relativamente ao bem que fazia. Não havia emails, mas soube comunicar através dos relacionamentos pessoais. Não haviam redes sociais, mas a sua simpatia tornou-se viral. Não tinha grandes recursos senão um grande coração, mas era o suficiente para plantar no século XIX, a semente daquilo que no século XX viria a tornar-se as actuais Nações Unidas.
Na cibercultura, a capacidade que temos de comunicar mudou radicalmente e a possibilidade de interagirmos uns com os outros é inimaginavelmente maior e veloz quando comparada com o tempo de Elihu Burritt. Devido a problemas financeiros e a alguma dispersão na sua acção, a Liga da Fraternidade Universal não tinha mais condições para continuar e o desfecho é que poucos ou quase ninguém conhece Elihu Burritt e a sua iniciativa. Com todos os meios digitais que temos à nossa disposição, aparentemente, também não conseguimos chegar ainda à fraternidade universal e, em última instância, à Paz.
A fraternidade atinge-se quando somos capazes de viver laços fortes, duráveis e inevitáveis entre as pessoas, formando comunidades fraternas. A comunicação eficiente na web reflecte-se na eficiência com que se formam grupos de interesse comum (por exemplo, nas redes sociais), mas a capacidade de ajudar a humanidade a viver uma fraternidade universal parece ainda estar limitada. Quando as pessoas decidem realizar actividades virtuais sob o pretexto de que isso irá atrair mais pessoas do que se as actividades fossem presenciais, o resultado na maioria das vezes fica aquém do esperado. E a ideia que temos é a do esforço enorme e necessidade de grandes recursos para fazer alguma coisa pela paz ao nível de umas Nações Unidas, o que torna a pessoa de Elihu intrigante.
Como pode um homem como Elihu Burritt, auto-didata e sem grandes recursos ou nome, fazer no século XIX aquilo que não conseguimos fazer no século XXI com tanta capacidade que temos para comunicar as nossas ideias e ideais? Ozora Davis que escreveu sobre Elihu como “Apóstolo da Fraternidade Internacional” descreve-o como ambicioso, diligente, sensível e católico em simpatia, capaz de amar os grandes (países ou personalidades), como amar os pequenos (pensado nos da sua cidade em Nova Bretanha). «Ao tornar-se um cidadão do mundo, o Sr. Burritt não perdeu, mas antes dignificou a sua cidadania no lugar onde nasceu.» A Paz no mundo começa em casa.
Fonte: https://agencia.ecclesia.pt/
Autor:Miguel Oliveira Panão