Estas palavras pertencem à narrativa das tentações de Jesus. Depois do Seu batismo nas margens do Jordão, durante o qual fora proclamado Filho de Deus e descera sobre Ele o Espírito Santo, Jesus dirigiu-se ao deserto para Se preparar para a Sua atividade pública. Durante este retiro feito de oração e de jejum, foi tentado pelo demónio na qualidade de Filho de Deus e de Messias. Em substância, o tentador – que se apresenta como o “príncipe deste mundo” – impele Jesus para a afirmação de Si mesmo, a orientar as próprias prerrogativas de Filho de Deus para a satisfação das necessidades materiais do homem, para a conquista do aplauso popular e para a posse do poder.
Pelo contrário, Jesus responde que assentará a Sua atividade na fidelidade ao caminho traçado pelo Pai, mesmo que esse caminho tenha que passar pela oposição, pela perda do prestígio e pelo insucesso. E será precisamente nesta absoluta fidelidade ao Pai que Ele Se há-de revelar o verdadeiro Filho de Deus.
«Nem só de pão vive o homem»
E aqui temos a primeira tentação. Tirando partido dos estímulos da fome, que também em Jesus se faziam sentir em consequência do extenuante jejum, o tentador sugere-Lhe que ponha o Seu poder de realizar milagres ao serviço da necessidade elementar, isto é, que transforme as pedras em pão, para eliminar hoje a Sua fome, e amanhã, logicamente, a das multidões.
À primeira vista, aquela proposta nem parecia conter nada de estranho. Na verdade, existirá algum problema, alguma necessidade mais radical do que a fome no homem? Que privação, que necessidade se opõe – mais do que a do pão material – à condição e dignidade de Filho de Deus? E não tinha Deus prometido por meio dos Seus profetas que no Reino do Messias haveriam de desaparecer a miséria e a fome?
Sem dúvida, a preocupação pelo pão material é mais do que legítima. Mas a grosseria e a impostura desta tentação consiste no servir-se desta necessidade natural de Jesus para deturpar a realização que Ele tem com o Pai, para O impedir a instrumentalizar Deus, atitude radicalmente oposta à de abandono filial ao Pai, que Jesus quer ter constantemente. Ao mesmo tempo, propondo-Lhe um milagre do género, o tentador procura insinuar-Lhe a ideia de que o Reino de Deus consiste na posse dos bens materiais. E isto é uma monstruosidade.
Sem dúvida que Jesus se irá preocupar também com a nutrição do corpo. Na verdade irá multiplicar os pães para saciar as multidões que O seguem, para escutar a Sua palavra. Mas quando, exaltadas pelo milagre, quiseram fazê-Lo rei, Ele subtrair-se-á às buscas deles, porque não pode aceitar a confusão de valores que aí se esconde.
«Nem só de pão vive o homem»
Neste ponto, Jesus será inflexível. Por mais precioso e indispensável que seja, o pão material por si so não pode bastar. O coração do homem é feito para um outro pão, para a Palavra de Deus, aquele pão que o Pai nos deu com a própria pessoa de Jesus.
Jesus recusar-se-á sempre a reduzir a liberdade do homem à liberdade das limitações materiais (fome, miséria, desemprego, doença, morte.). A liberdade que Ele nos quer dar é bem mais profunda. É a libertação de nós mesmos, isto é, do nosso egoísmo, da soberba, da avidez, do ódio, da rivalidade, da sede de poder, do prazer, etc, e, portanto, é a alegria de amar, de servir, de se doar para construir um mundo mais belo e segundo o coração de Deus. E a própria libertação da fome, para Jesus, deverá ser consequência desta liberdade interior.
«Nem só de pão vive o homem»
Esta Palavra de Vida põe-nos de sobreaviso contra aquela tentação muito forte, e que está sempre à espreita, de fazer depender a felicidade do homem principalmente dos condicionalismos externos e dos bens materiais. Sobretudo hoje em que, graças ao progresso, se dispõe de tantos meios para melhorar as próprias condições de vida, o homem pode ser mais tentado em pensar que uma habitação mais confortável, um corpo mais saudável e bonito, uma maior disponibilidade de dinheiro para se divertir, viajar, etc, o tornariam mais feliz e resolveriam os seus problemas.
Sem dúvida que também estes valores não devem ser menosprezados.
Todavia Jesus continua a repetir-nos que estas coisas, por si sós, não bastam. Continua a proclamar a primazia da Palavra de Deus. O homem é feito para bens imensamente maiores. É feito para Deus. Por isso, quanto maior se tornar a promessa de um bem-estar material, que o progresso técnico e científico nos faz, tanto mais forte se deve tornar em nós a vontade de viver a Palavra de Jesus – Especialmente o mandamento do amor ao próximo – que é a única capaz de dar sentido e plenitude à nossa vida.
Chiara Lubich