O nascimento de Jesus marca uma nova etapa nas relações entre Deus e as criaturas. Contamos o tempo “antes e depois de Cristo”, porque, com a sua encarnação, começou de facto, uma nova situação para viver e transmitir a fé. O salmo 84/85 anuncia as bênçãos que a vinda do Messias traz à humanidade desta forma: “A sua glória habitará na nossa terra. Encontraram-se a misericórdia e a fidelidade, abraçaram-se a paz e a justiça v/ 10,11)”. É admirável e inaudito que a glória de Deus possa resplandecer no rosto humano de Jesus. “O Verbo fez-se carne e habitou entre nós (…) E nós vimos a sua glória (…) glória que lhe vem do Pai”. De facto, pela encarnação, ao tornar-se criatura como nós, Jesus Filho de Deus manifestou a dignidade e o apreço pela humanidade e o valor divino do que é humano. Pela graça de Jesus, a santidade divina resplandece nas criaturas humanas. Para este engrandecimento humano, Jesus comunicou-nos ainda o dom do Espírito que derrama em nossos corações o amor de Deus, nos santifica e nos impele para missão. Como afirmara João Batista: “Eu batizo-vos em água, mas Ele batizar-vos-á no Espírito Santo e em fogo”. Deste modo, ao assumir a nossa condição, Jesus santificou na sua raiz as realidades humanas e mostrou, pelo seu próprio estilo de vida, que a santidade se vive nas alegrias e sofrimentos da vida quotidiana, na proximidade com todos, no perdão e na misericórdia com pecadores, na cura dos doentes, na solidariedade com os pobres.
À semelhança do Mestre a Senhor, também nós seus discípulos acreditamos na bondade e na beleza das realidades criadas. Por isso, entendemos a vida como um dom maravilhoso e saboreamos as coisas boas que nos proporciona. Para nos aproximarmos de Deus, nos revestirmos de santidade e fazer resplandecer no mundo a sua graça, não precisamos de nos afastar do mundo, nem desviar das pessoas e das realidades agradáveis, das festas, das alegrias, da amizade, do convívio. Há um otimismo cristão que brota da convicção de que Cristo se fez um de nós para nos elevar até Ele. Mas não é um otimismo ingénuo. Procura ser realista, tem os olhos abertos e os pés na terra. De facto, sabemos que a humanidade está submetida à vaidade, ao orgulho, ao egoísmo. O pecado marca as pessoas e as realidades humanas. Também as tribulações e os sofrimentos acompanham a história da humanidade e de cada um. Realmente, “Jesus veio salvar o povo de seus pecados” (Mt 1, 21) e abriu-nos o caminho da salvação, mas temos de nos esforçar por seguir por essa via. Como diz São Paulo, gememos no nosso íntimo e ansiamos pela libertação do nosso corpo, pois fomos salvos por Cristo, mas em esperança (cf Rm 8, 19-24). Pela sua encarnação, pelo mistério pascal e pelo dom do Espírito, Jesus abençoa a nossa terra e restaura o seu povo como prometia o referido salmo. Deste modo, ao contatar e conviver com as realidades humanas o cristão procura purifica-las e santificá-las. A missão do discípulo é a santificação do mundo. Na condição, porém, de se purificar e santificar primeiro a si mesmo. Esforcemo-nos, pois, por seguir o caminho da salvação aberto por Jesus, vigiando (abrindo os olhos), orando e discernindo para vencer as tentações do mal e nos revestirmos da sua santidade. Assim podemos colaborar na promoção da justiça, da fraternidade e da alegria do mistério do natal e testemunhar o otimismo cristão pelo nosso empenho na humanização do mundo.
Fonte: https://agencia.ecclesia.pt/
Autor: D. Manuel Pelino, Bispo Emérito de Santarém