Mensagem do Bispo do Algarve para a Quaresma 2019

Edificar uma Igreja diocesana mais fraterna e mais missionária

O tempo da Quaresma vem, mais uma vez, recordar-nos o caminho de conversão que somos
chamados a percorrer, em ordem à celebração do mistério central da nossa fé: a paixão, morte e
ressurreição de Cristo! Um tempo privilegiado de escuta da Palavra de Deus, que a Igreja diariamente
nos oferece e de acolher as suas propostas assumidas como caminho de conversão.
Em sintonia com o caminhar de toda a Igreja, queremos acolher a mensagem que o Papa
Francisco nos dirigiu, este ano, na qual apresenta uma reflexão singular, inspirada na sua Encíclica
Laudato si’. Recorda-nos que a própria criação participa do dinamismo do mistério pascal, uma vez
que ela “se encontra em expetativa ansiosa, aguardando a revelação dos filhos de Deus” (Rm 8, 19).
Viver como filhos de Deus, deixar-se guiar pelo Espírito, reconhecer e praticar a lei de Deus gravada
no próprio coração e na natureza, beneficia também a criação, cooperando para a sua redenção.
“Quando a caridade de Cristo transfigura a vida dos santos – espírito, alma e corpo -, estes rendem
louvor a Deus e, pela oração, a contemplação e a arte, envolvem também as criaturas” (LS 87).
O não viver como filhos de Deus pode levar, muitas vezes a adotar “comportamentos
destruidores do próximo e das outras criaturas – mas também de nós próprios –, considerando, de
forma mais ou menos consciente, que podemos usá-los como bem nos apraz”. Sobrepõe-se então a
intemperança que conduz a um estilo de vida que contradiz a nossa condição humana e desrespeita a
natureza.
Quando deixamos de iluminar a nossa vida com a luz pascal de Cristo e perdemos o horizonte
da Ressurreição impõe-se “a lógica do tudo e imediatamente, do possuir cada vez mais”, conduzindo
a uma situação de rutura da comunhão com Deus, com os outros e com a criação. A avidez, a ambição
desmedida de bem-estar, o desinteresse pelo bem dos outros conduzem à exploração da criação
(pessoas e ambiente), movidos pela ganância insaciável, que considera todo o desejo um direito e
acabará por destruir até os que se deixam dominar por ela. Trata-se do pecado que leva o ser humano
a considerar-se como deus da criação, a sentir-se o seu senhor absoluto e a usá-la, não para o fim
querido pelo Criador, mas para proveito próprio em detrimento das criaturas e dos outros.
Decidir-se a viver de acordo com a própria condição de filhos de Deus, ou seja, “ser nova
criação em Cristo” (2 Cor 5, 17), restabelecer a nossa fisionomia e o nosso coração de cristãos, através
do arrependimento, a conversão e o perdão, para podermos viver toda a riqueza da graça do mistério
pascal, é contribuir para que a “própria criação faça páscoa”. Connosco, toda a criação é chamada a
sair «da escravidão da corrupção, para alcançar a liberdade na glória dos filhos de Deus» (Rm 8, 21).
A procura do silêncio exterior e interior, a intensificação da oração, a prática do jejum solidário,
a esmola e a partilha fraterna constituem referência habitual e critério para avaliar a eficácia do
caminho de conversão quaresmal, de modo a encarnar de forma mais concreta na vida pessoal,
familiar e social o mistério pascal de Cristo.
Como nos propõe o Papa Francisco devemos jejuar, para aprender a modificar a nossa atitude
com os outros e com as criaturas, ou seja, passar da tentação de satisfazer a nossa voracidade, à
capacidade de sofrer por amor, e preencher o vazio do nosso coração; orar, para saber renunciar à
idolatria e à autossuficiência do nosso eu, e nos declararmos necessitados do Senhor e da sua
misericórdia; dar esmola, para sair da insensatez de viver e acumular tudo para nós mesmos, com a
ilusão de assegurarmos um futuro que não nos pertence. Este caminho de conversão proporcionarnos-á, igualmente, o encontro com a alegria do projeto que Deus colocou na criação e no nosso
coração: o projeto de o amar a Ele, aos nossos irmãos e ao mundo inteiro, encontrando neste amor a
verdadeira felicidade.
Em ano missionário e porque o anúncio e o testemunho do Evangelho constituem o “paradigma
de toda a obra da Igreja”, somos convidados a assumir a missão de Cristo como nossa, colocando-a
no nosso coração e no coração das nossas comunidades, de modo a levar o Evangelho a todos, “porque
o anúncio do Evangelho, Jesus Cristo, é o anúncio essencial, o mais belo, mais importante, mais
atraente e, ao mesmo tempo, o mais necessário” (EG 127).
A Quaresma surge assim também como tempo privilegiado para adquirir um renovado impulso
missionário, apoiados no testemunho dos santos e mártires da missão, mesmo nos nossos dias,
decididos a investir pessoalmente na formação bíblica, catequética, espiritual e teológica sobre a
missão e dedicando mais tempo para o encontro pessoal com Cristo vivo na Igreja, através da
participação na Eucaristia, mesmo em dias feriais, da escuta da Palavra de Deus e da oração pessoal,
familiar e comunitária, sem esquecer a caridade missionária, concretizada na ajuda material a favor
do imenso trabalho da evangelização e da formação cristã nas Igrejas mais necessitadas.
Esta partilha fraterna, presente também na “renúncia quaresmal”, une-nos anualmente como
expressão solidária diocesana. A comunidade do Rogil (Aljezur) manifesta a toda a diocese o seu
reconhecimento pela quantia recolhida em 2018 (€15.942,52), e que lhe foi destinada como contributo
para a construção da sua igreja inaugurada e dedicada, em Janeiro passado, a S. Vicente, nosso
padroeiro.
Este ano a nossa renúncia quaresmal destinar-se-á, em ano missionário, a atender um pedido
chegado dos missionários dehonianos em Angola (dioceses de Viana e Luena), para apoiar obras
ligadas à educação e ao âmbito social. Exorto-vos a que sejais generosos na contribuição para esta
partilha fraterna, como expressão da nossa comunhão eclesial com estas duas Igrejas missionárias.
Acolhendo o apelo do Papa Francisco, não deixemos que passe em vão este tempo favorável e
decidamo-nos todos a percorrer este caminho de verdadeira conversão. Podeis contar todos com a
minha oração, de modo que a nível pessoal, familiar e eclesial colhamos os frutos que a Páscoa nos
proporciona, deles resultando uma Igreja diocesana mais fraterna e mais missionária.

 +Manuel Neto Quintas
Bispo de Faro (Algarve)

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