Farol ou mais um barco na era digital?

O que pretende afirmar quando se diz que a Igreja se está a adaptar aos meios digitais? A Web Summit levou a pensar que a “cimeira tecnológica é uma atenção às periferias e uma oportunidade para a Igreja Católica” como li num recente artigo; da Agência Ecclesia, mas o que isso significa parece que merece uma reflexão mais profunda.

Nesse artigo, e bem, o P. Miguel Neto refere que a geração nova que cresce na era digital é «uma geração espacial e temporalmente diferente: é uma geração que não tem tempo a perder, tudo é instantâneo e o projeto de hoje pode não ser o de amanhã.» Apesar de realista, esta é uma imagem da Geração Z que soa perigosa porque tudo o que é levado a sério leva tempo, não produz qualquer gratificação instantânea, o que implica viver intensamente o momento presente, o hoje, preparando-se para acolher o amanhã.

Por outro lado, existe a impressão de que «a geração dos migrantes digitais tentam ainda adaptar o seu pensamento a este ambiente» e isto é essencial para ajudar na formação das novas gerações, mas o que me parece é que se interpreta adaptar como entrar no mundo digital ao modo das novas gerações, o que me suscita algumas dúvidas.

No mesmo artigo é feita a observação negativa de que a formação dada pelos catequistas com faixa etária elevada orienta-se ainda pelo papel e tem dificuldade em transitar para o digital. Mas eu pergunto: devia?

Soube de um acampamento de ídole espiritual organizado para crianças onde todo o material – dito – digital estava preparado, mas um imprevisto tornou-o inútil: falhou a electricidade. Os animadores tiveram de desenhar, contar histórias com as crianças ao seu redor, e re-inventar tudo o que haviam preparado digitalmente em formato papel. Os ecos que ouvi foi de como as crianças nunca estiveram tão atentas como naqueles dias, e tão fascinadas ao ouvir uma história contada, como alguma vez tiveram a ver um filme projectado, ou slideshow, com o mesmo conteúdo.

O problema da adaptação à era digital não está no formato, mas no conteúdo. O tempo vivido a correr, atrás de gratificações instantâneas leva à exaustão espiritual, de tal modo que pode induzir a uma certa dormência intelectual e sistemático desinteresse. As pessoas queixam-se de estarem cansadas, stressadas, sem tempo e não sabem bem por que razão.

Michael Hyatt, especialista da produtividade e liderança em âmbito digital, refere-se ao papel; como uma tecnologia de ponta, controversa e com efeito disruptivo sobre toda uma economia, de tal modo que alterou, permanentemente, o modo como fazemos as coisas. Os benefícios de usar o papel incluem:
1.colocar-nos num ambiente com menos distracções;
2.ajuda-nos a pensar com mais cuidado;
3.reforça o nosso compromisso com os propósitos que estabelecemos;
4.ajudar a memorizar;
5.e produz uma incrível experiência de satisfação, pois, escrever com a mão é inerentemente humanizante. Basta pensar no valor de uma carta que alguém nos escreveu com a sua própria letra.

Logo, a questão não está em usar papel.

Aliás, o fascínio pela tecnologia levou-nos a afogarmo-nos em aparelhos digitais, com todas as notificações, distracções e designs que nos mantêm colados ao ecrã, cabisbaixos.

Penso que o desafio que a Igreja tem pela frente em relação à era digital não é o de se adaptar, mas de aprender a propôr uma alternativa. Pois, há um outro movimento que emerge e vai contra a corrente, a que chamo de Movimento C.

O Movimento C caracteriza-se pelo minimalismo digital, quietude contemplativa, desacelerar, ou mesmo parar para saborear, atenção e consciência plenas, vivendo intensamente o tempo kairológico, ou seja, o tempo certo e momento oportuno. C porque o resultado é a comunhão maior entre as pessoas, a conectividade inter-geracional, e um contra-corrente que equilibra os fascínios do momento com as lições da história. Não nega a tecnologia, mas usa-a para amplificar o que tem valor na nossa vida.

Se a Igreja fizer o mesmo que todos os outros, e embarcar com toda a força nas redes sociais ou presença na internet, é mais um barco no mar que navega pela era digital, cujo raio de acção é limitado e entra em competição com outros barcos que oferecem outras experiências. Mas se optar por ser um farol, ilumina qualquer barco que navegue pelo mar e oferece um porto seguro, onde se pode parar para re-encontrar o sentido e significado profundos da vida humana.

As pessoas vivem na Era da Experimentação e a experiência espiritual de encontro com Deus não é uma entre muitas, mas pode ser aquela experiência única que transforma a nossa vida porque nos pede uma abertura de mente, coração e mãos, muita criatividade e uma boa dose de risco.

 

Fonte: https://agencia.ecclesia.pt

Autor: Miguel Oliveira Panão

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