Descanso, Férias e Deus

Por todos os que podem beneficiar de tempo de férias, a fim de que o descanso os ajude a encontrar Deus na harmonia interior e a abrir-se com amor aos irmãos. 1. As culturas mais antigas conheceram a necessidade da festa, celebrando a vida (ou a morte) num contexto diferente daquele que ocupa o quotidiano. Tais celebrações repetiam-se periodicamente, em momentos significativos da existência individual ou colectiva: mudança das estações, passagem à idade adulta… Não estava em causa a necessidade ou o direito ao descanso, antes a exigência de cumprir correctamente as obrigações individuais e colectivas para com os deuses. Com o povo judeu e a revelação do Deus de Abraão, surgiu uma novidade radical: o descanso periódico, obrigatório, em ritmo semanal, vivido ao sábado. Este tornou-se a referência para o descanso do israelita, por dois motivos: porque o Senhor Deus descansou no sábado, depois de ter completado a obra da criação (cfr. Êxodo 20, 8ss); e como memória da escravatura no Egipto, quando não era permitido descansar, tomando, assim, consciência da sua condição de homem livre (cfr. Deuteronómio 5, 12 ss). O descanso em dia de sábado proclama, portanto, o direito de Deus a ver o homem dedicar um tempo só para Ele, e o direito do homem a ter um tempo periódico em que está livre das obrigações impostas pelo trabalho. Este era um direito de todos, estendendo-se aos servos e escravos, e até aos animais… O cristianismo assumiu esta exigência, vivendo-a ao domingo, dia da ressurreição do Senhor. 2. A afirmação do direito às férias, embora com raízes no descanso semanal, é recente e própria das sociedades industrializadas. Foi uma dura conquista de gerações de trabalhadores. Hoje, é um direito inquestionável nas sociedades economicamente mais desenvolvidas, embora milhões de pessoas, em todo o mundo, continuem privadas deste direito, seja porque vivem em sociedades económica e socialmente subdesenvolvidas, nas quais tal direito não é reconhecido, seja porque os salários que auferem não lhes permitem libertar-se da necessidade de trabalhar para assegurar a subsistência quotidiana. Infelizmente, a progressiva generalização do direito às férias, que importa continuar a reivindicar, vem sendo acompanhada de um cada vez menor respeito pela tradição do descanso dominical, substituído, muitas vezes, por formas mais ou menos aleatórias de descanso, em função dos ciclos de produção. A seu tempo, e se nada for feito em contrário, será a exigência do descanso semanal que acabará posta em causa, com os prejuízos pessoais, familiares e sociais que se podem facilmente antever. 3. Numa sociedade que preza, acima de tudo, o «fazer», as férias tornam-se um tempo cada vez mais complexo. Em muitos casos, nem se lhes percebe o sentido. Daí a ansiedade com que tantos aguardam a sua chegada para, logo de seguida, se lançarem numa correria tresloucada, tentando fazer durante as mesmas tudo ao mesmo tempo. Outros, aprisionados em regras e compromissos durante todo o ano, olham as férias como um tempo a ser vivido sem quaisquer barreiras, gastando o máximo de energias no mínimo de tempo… Perdeu-se o sentido do descanso, da libertação que ele traz relativamente à obrigação do «fazer», tornando possível apreciar em plenitude o «estar» e o «ser»: estar consigo, partindo à descoberta dos territórios mais recônditos de si próprio; estar com a família e os amigos, gozando a presença, sempre fugidia, de cada um e experimentando a graça que cada um é; estar com o desconhecido que se encontra no local de férias, descobrindo quanta originalidade e bondade há em cada ser humano; estar com a natureza, dando graças por tanta maravilha! E, deste modo, ser mais humano! Numas férias assim, não será nada extraordinário que o cristão experimente intensamente a presença de Deus, esteja com Ele e seja n’Ele. Nem será impossível que, na curva de qualquer caminho, o não crente se encontre com Ele, sempre imprevisível e ao dispor daqueles que O procuram de coração sincero!

Elias Couto

 

Fonte: http://www.agencia.ecclesia.pt

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