A linguagem do Natal cristão é, por natureza, radicalidade e essência, de pobreza: Jesus nasceu num curral – daí a palavra ‘presépio’ – deitado numa manje- doura e tendo por companhia Maria e José, bem como alguns animais, certamente ovelhas e, possivelmente, a vaca e o burro (ou noutro registo o boi e o jumento)…
Tentemos de forma simples e sincera colocar diante do presépio a inúmeras situações de pessoas que estão a passar dificuldades: os desempregados, os sem salário, os que têm a casa em risco por falta de pagamento da renda, aqueles a quem foi cortada a eletricidade e a água, os que não têm o essencial para dar de comer à família… os revoltados e os resignados, os que já desistiram e os que ainda lutam, os que acreditam em Deus e os que O rejeitam… os que estão bem na vida e os que esbanjam com futilidades, os que reivindicam e os que se azedam com os problemas, os que têm esperança e os que vivem em angústia… os que têm família e os abando- nados, os que são marginalizados e os marginais, os que têm voz e os sós… as crianças e os velhos, os jovens e os adultos, os que compreendem a cultura do Natal e os que a rejeitam mas dela usufruem consumisticamente…
– Como poderemos viver, então, o espírito do Natal, se Deus não fizer parte dos critérios da nossa vida? – Como poderemos desejar ‘bom Natal’, se esquecermos O festejado? – Como poderemos gastam dinheiro em presentes – a maior parte das vezes são, antes, prendas! – se houver quem passe fome ao pé de nós?
– Como poderemos tentar iludir a nossa (pretensa) generosidade, se dermos, sobretudo, o que nos sobra? Como poderemos dizer que há Natal, se nos envergonharmos da raiz da sua celebração?
– Como poderemos disfarçar a celebração da vida, se os valores que vivemos – que é muito mais do que defendermos! – são materialistas e se inserem numa cultura anti-vida?
– A força do Natal está, por isso, na vivência da partilha, seja de bens materiais, seja de bens psicológicos e espirituais… dos mais simples aos mais elaborados e complexos. – A dimensão profunda do Natal exige-nos espírito de perdão e sinais de construção de concórdia e de paz… tanto na nossa casa, como nos locais de trabalho e até na vivência da fé, em Igreja. = A contínua novidade do Natal estará em sabermos reconhecer os nossos erros e em termos compreensão – que é muito mais do que simples tolerância! – para com os outros, tentando discernir as suas razões em vez de estarmos, constantemente, a acusá-los ou até a julgá-los.
Aproveitando a graça do mais recente livro do Papa Bento XVI, Jesus de Nazaré: a infância de Jesus, deixamos uma citação, que poder-nos-á ajudar a situar a celebração correta e atualizada do Natal deste ano: «Aos pastores, o anjo tinha indicado como sinal que iriam encontrar um menino envolto em panos e deitado numa manje- doura. Este é um sinal de reconhecimento, ou seja, uma descrição daquilo que se poderá constatar com os olhos; não é um ‘sinal’ no sentido de que a glória de Deus se teria tornado evidente, de modo a que se pudesse dizer com clareza: este é o verdadeiro Senhor do mundo. Nada disso! Neste sentido, o sinal é ao mesmo tempo também um não-sinal: a pobreza de Deus é o seu verdadeiro sinal. Mas, para os pastores que viram refulgir o esplendor de Deus sobre as suas pastagens, esse sinal é suficiente. Eles veem a partir de dentro, veem isto: o que o anjo disse é verdade. Assim, os pastores regressam cheios de alegria e glorificam e louvam a Deus por aquilo que viram e ouviram (cf. Lc 2,20)» (pp. 69- 70). Queira Deus em nós darmos, neste Natal, este espírito de contemplação na vida!
Autor
António Sílvio Couto
Fonte:
Jornal da Diocese de Beja – Notícias de Beja