A VOCAÇÃO

Chega um momento na vida em que cada um de nós tem de aderir consciente e voluntariamente à fé que recebemos, em crianças, no Baptismo. Não basta confessá-la como simples adesão à cultura tradicional em que nascemos e vivemos, sendo cristãos como poderíamos ter sido budistas, muçulmanos… Aprendamos a respeitar todas as religiões, que têm pelo menos o mérito de nos levar a pensar no Além, a aspirar e a dar culto ao Criador; mas a nossa religião não procede de uma busca de Deus por parte do homem; é uma busca do homem por parte de Deus. Não contém apenas «verdades» e bons sentimentos; é a própria Verdade, revelada aos homens em Jesus Cristo, pelo infinito Amor do nosso Pai que está nos céus.

Chega um momento em que temos de aderir sinceramente à fé cristã. E chega outro momento – oxalá fosse o mesmo! – em que decidimos entregar-nos totalmente a Deus; em que a fé deixa de ser um «aspecto» da nossa vida, para ser a nossa vida toda. Não vá acontecer que só nos demos conta disso no instante da morte…

«Totus tuus!» Este lema de Grignon de Monfort, referido a Maria, e que o Santo Padre fez lema seu, é antes de mais o reconhecimento de que somos «todos» de Deus, como diz a anáfora eucarística: «E a fim de vivermos, não já para nós próprios mas para Ele, que por nós morreu e ressuscitou, de Vós, Pai misericordioso, enviou o Espírito Santo, como primeiro dom aos que n’Ele crêem, para continuar no mundo a sua obra e consumar toda a santificação».

Chega um momento em que o cristão compreende que nada na vida faz sentido sem Ele. A todos chega mais tarde ou mais cedo esse momento de luz, que pode ser aproveitado ou rejeitado, ou adiado… com o risco de se ir apagando, e talvez mesmo com o desejo de que esmoreça, e possa ser esquecido. Mas essa luz nunca se apaga definitivamente. É a luz da conversão, numa palavra. Ou da vocação, se se preferir. Da vocação pessoal, pois sobre todos nós tem Deus «desígnios de misericórdia», um «projecto» de santidade e de apostolado, que não consiste em fazer «coisas boas», mas a vontade de Deus para cada filho.

«Que queres que eu faça?», foi a pergunta prática e comprometida de Saulo. É preciso preparar os fiéis desde meninos, e particularmente na adolescência, para a descoberta da vocação pessoal: não só da vocação profissional, que também procede de Deus e, para a grande maioria dos homens, faz parte integrante da vontade de Deus a seu respeito; mas da sua vocação eclesial, seja como leigo, seja como sacerdote, seja como «consagrado» ou não, dentro de uma instituição ou não, no celibato ou no matrimónio, pelo caminho do sofrimento ou de grande actividade… Para alguns, a vocação desenha-se com clareza até ao fim da vida; para outros não; mas, mesmo para os primeiros, a vontade divina a seu respeito só se torna nítida em cada momento. E é preciso estar sempre vigilantes, atentos ao que o Senhor nos vai pedindo e sugerindo: descobrir o significado dos acontecimentos diários.

Esta vigilância não é uma «tensão» fatigante; é uma descoberta repousante, como a de quem, atento aos sinais de trânsito, se confirma no bom caminho que empreendeu. Só afligirá aquele que não queira ir por caminho certo, ou por caminho algum.

Dizem que faltam vocações… Cada um de nós é uma, e tem uma vocação de entrega total a Deus. Faltará correspondência, diríamos melhor. Mas começa por faltar doutrina e formação clara sobre elas. Que esperamos para explicar a todos o «chamamento universal à santidade e ao apostolado», a principal mensagem do Concílio Vaticano II?

 

Autor:

Hugo de Azevedo

Fonte:

Revista celebração Litúrgica -Edição nº 3 | Tempo Pascal

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