A IGREJA ENTRE DEUS E OS HOMENS

Diz o Evangelho que o fundamento da Igreja é Cristo « Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei (Eu=Cristo) a minha Igreja, e as portas do inferno nada poderão contra ela» (Mt 16,18). É esta a verdade, confirmada pelos dois mil anos de história da Igreja. Pode a Igreja parcialmente, ficar abalada com as falhas dos homens que a integram, mas não arruinada, na sua totalidade: não pode cair com os pecados de um homem, quando durante dois mil anos, não caiu, apesar dos pecados de muita gente, mesmo com muita mais responsabilidade.

A Bíblia e a História da Igreja são o testemunho evidente de que foram e são os erros e pecados dos homens a possibilidade da Boa Nova da Salvação.

Desde que Deus veio ao mundo para salvar o homem, o que mais deve admirar os homens e os cristãos do mundo inteiro não são as desgraças dos homens, mas a Graça de Deus. O que é para admirar é que Deus saiba escrever a sua História pela história dos homens: que saiba «escrever direito, por linhas tortas!» Quem facilmente se escandaliza das misérias dos homens, muito dificilmente admirará e admitirá a misericórdia de Deus; quanto mais nos escandalizamos dos nossos pecados e dos pecados dos outros, mais longe andamos de Deus. Convencem sempre mais os que confessam as suas culpas do que os que professam as suas «des-culpas»; fazem muito mais pelo bem dos homens os que se confessam pecadores do que os que professam que não têm pecados… Nunca me convenceram aqueles que afirmam ter deixado a Igreja devido aos pecados (mau exemplo) dos que a integram. Já no tempo de Jesus Cristo, os que se recusaram a entrar no palácio de Pôncio Pilatos, para não se mancharem, foram os que pediram e exigiram a sua morte, na cruz.

  1. A Igreja não é Deus. Não se deve exigir à Igreja (= cristãos) o que ela (= eles) não é. Todo o homem – também os cristãos – é pecador. Só Deus não conhece o pecado: «Qual de vós Me acusará de pecador?» (Jo 8,46). Por isso, só Ele pode libertar do pecado: «Quem pode perdoar pecados, senão Deus?» (Mc 2,7).

Deus está na igreja, mas não é a Igreja: embora Deus seja transcendente à Igreja, sem Ele a Igreja seria uma instituição como outra qualquer. A Igreja vive, de facto, mais da santidade de Deus do que da santidade dos homens. Por isso, é Ele e não ela (a Igreja, os cristãos) o modelo e a referência da santidade: «Sede, pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai Celeste» (Mt 5,48).

Daí que ninguém possa, de boa fé, servir-se dos pecados dos homens – ainda que sejam Padres ou Bispos – para se afastar de Deus e da Igreja. Como foi dito acima, não pode nem deve ser apenas o bom ou o mau exemplo dos cristãos o que liga ou desliga da Igreja. O que nos deve ligar à Igreja é Cristo e o seu Evangelho. Cristo (= Deus) é mais do que a Igreja embora esta – a sua encarnação atual – seja o principal caminho e lugar para levar a Ele. A Igreja, sendo, desde há dois mil anos, a encarnação de Deus, na Terra, é, hoje, a pedra de escândalo que Cristo era no seu tempo para os seus contemporâneos: escandalizavam-se os fariseus que Cristo vivesse e convivesse com os pecadores (Mt 9,11). Não é, pois, para admirar que se escandalizem os homens de hoje e de todos os tempos por a Igreja ser constituída por pecadores.

  1. A Igreja é mais que os homens que a constituem: a Igreja, embora constituída por homens, é mais do que eles: a Igreja, antes de ser a Igreja dos homens, é a Igreja do Senhor. Não foram os homens que a instituíram, nem ninguém se faz seu filho se não receber a Graça do Senhor.

Infelizmente, muita gente, por má formação ou por deformação, compara a Igreja a uma qualquer instituição humana ou social. Embora constituída por homens – e, para mais, pecadores – ela é de origem divina, não bastando os pecados dos homens, por mais graves que sejam, para a destruir ou arruinar, porque a misericórdia de Deus é infinitamente superior à misericórdia dos homens. É este o mistério da fé « que foi escondido aos séculos e às gerações passadas, mas que, agora, foi manifestado aos seus Santos» (Col 1,26). A fé consiste na procura e no encontro de Deus, por trás dos pecados dos homens. É este o escândalo: que Deus Se tenha revelado na fraqueza humana: «Jesus Cristo despejou-Se a Si mesmo, para tomar a condição de servo, tornando-Se semelhante aos homens» (Fil 2,6-7); por isso, « Deus O identificou com o pecado, por amor de nós, para que, em Cristo, nos tornássemos justos aos olhos de Deus» (2 Cor 5,21).

Perdeu-se a sensibilidade para o mistério da fé, que é procura e encontro de Deus, por caminhos humanos, ainda que de pecado. É este, aliás, o milagre da fé: descobrir a presença de Deus, onde a sua ausência parece mais evidente: por detrás da fraqueza humana: nos que têm fome e sede; nos que não têm casa; nos que não têm trabalho; nos que não têm que vestir; nos doentes; nos presos; nos idosos; nos necessitados de toda a espécie… Até e sobretudo nos pecadores: «porque não vim chamar os justos, mas os pecadores» (Mt 9,13).

Se Deus Se manifestasse na infinita beleza da sua Graça, não haveria lugar para a nossa fé; isso seria o seu milagre e não o nosso. Que O consigamos «ver» nas nossas próprias fraquezas e «des-graças», é o «nosso» milagre – o milagre da fé, escondido a tanta gente.

O pecado é a realidade da nossa natureza caída em «des-graça». Mas não era a realidade da nossa natureza original. Daí os nossos protestos até ao escândalo, sobretudo, quando se trata dos pecados dos outros, ainda para mais, quando os outros são os Cristãos. Se, por um lado, parece que todos nos habituámos ao pecado – nosso e dos outros – basta que alguém caia, para que todos se escandalizem e atirem pedras. Esquecem-se todos de que «trazemos este tesouro (da fé) em vasos de barro» (2 Cor 4,7) e que ninguém pode dizer: «desta água não beberei»… Mal imaginamos nós que o escândalo acerca dos pecados dos cristãos é o melhor e maior testemunho a favor da santidade de Deus e da sua Igreja. Seria bem pior que ninguém se escandalizasse, a começar pelos de fora…

Lembremo-nos todos, como diz o Bispo do Funchal, que «as pessoas e instituições da Igreja são realidades deste mundo, e por conseguinte, nelas sucedem todas as coisas louváveis e censuráveis, que os homens produzem com os seus méritos e limitações. A Igreja, apesar dos seus pecados e imperfeições, que nalguns membros a podem tornar disforme e até desonrada, é sempre bela na sua essência, porquanto amada e santificada por Jesus Cristo, e tem a força do Espírito para se criticar a si mesma e recuperar a sua beleza» (D. Teodoro de Faria, Bispo Emérito do Funchal).

Autor

Pe. Domingos Monteiro da Costa, S. J.

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