A chave da porta

Não é fácil impor silêncio à criança que trazemos dentro de nós; sobretudo quando ela quer encher o ar de perguntas, sem cuidados diplomáticos, nem perceber o critério adulto que adoça as dúvidas. Mas a dificuldade aumenta quando à curiosidade da criança se juntam anos de jornalismo, mais a sua prática de questionar, explicar e interpretar. Então os porquês são mais que muitos…

Acreditem que estou mesmo a falar de um verdadeiro desassossego, de uma íntima turbulência que centrifuga em permanente auto-avaliação e, para fora, põe no olhar um microscópio em cuja lamela se analisam pessoas e opções.

Não raro, até Deus é questionado, como se Ele não nos tivesse entregado o mundo para nosso governo inteligente; ou não nos houvesse dotado da liberdade que apenas se concede totalmente a quem se ama para além dos limites.

Sejam quais forem as razões, os porquês são, frequentemente, mais que muitos.

Todos o sentem por certo, inscritos nessa espécie de recanto onde vive o que percebemos mal ou não percebemos de todo.

Mas quando saímos de nós e olhamos à nossa volta, às nossas perguntas somam-se as alheias, num ruído que não tem fonte certa; antes parece nascido de todos os lados. No entanto, a multiplicação das dúvidas não gera a clarificação. Esta – escrevo-o convictamente — precisa do silêncio contemplativo.

Não me refiro a um qualquer fazer de conta que não passa nada. Nem a um alheamento cómodo ou cobarde. Nem à displicência preguiçosa, que deixa para os outros tudo o que dá trabalho ou pode complicar a vida. Muito menos ao medo que suja tanto a autoridade como a obediência.

O silêncio contemplativo é, na minha definição, um cuidado esforçado de todos os sentidos — como se cada um deles passeasse descalço sobre o terreno da procura, onde alguém perdeu agulhas…

Só este silêncio permite o discernimento. Só ele deixa saber (saborear) o que chega, trazido na brisa, à porta das nossas cavernas. Só ele nos abre ao espanto, numa dupla vertente: o espanto de constatarmos a fragilidade do que dávamos como certo; e o espanto de descobrirmos como são, afinal, estupendas as obras do Senhor e profundos os seus desígnios (Salmo 91).

Só o silêncio contemplativo nos faz verdadeiramente humildes e, consequentemente, capazes de confessarmos que demasiadas vezes queremos “sondar o mar com uma bóia”!

A pressa de ter opiniões ou a pressa com que as solicitamos (ou no-las solicitam) está a roubar-nos — também na Igreja — as palavras maduras; de modo que podem sobrar conceitos gasosos ou líquidos. Mas não deveríamos já saber que não é do ensino dos escribas que se recebe a luz, mas daquele que tem autoridade (coerência de vida)?

Comecei por confessar a minha própria e complicada experiência, que reafirmo: é difícil, nas mais diversas circunstâncias, poisar no colo de Deus a criança e o jornalista; crer e não querer; distinguir a inspiração da aspiração; perceber as horas do Espírito e a exuberância das adegas.

Tenho para mim que o silêncio contemplativo se impõe e dará um fruto: confiaremos tanto, que entregaremos a Deus a chave das nossas portas!…

João Aguiar Campos

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