Estamos na conclusão do discurso de Jesus na sinagoga de Cafarnaum. Os Judeus, que o procuraram como fazedor de milagres, são postos perante uma exigência desconcertante: acolhê-lo, a Ele, pão descido do céu. Devem fazer uma escolha cuja aposta em jogo é alta: continuar a viver como fizeram até agora, adequando-se à sabedoria deste mundo e contentando-se com o pão material, ou dar um salto de qualidade, acolher o seu Evangelho que é pão de vida.
No início do trecho (v.60), estranhamente, são introduzidos novos interlocutores: já não são os judeus, mas os discípulos.
A razão para esta mudança de personagens é de ordem pastoral. O evangelista refere a reação das multidões que assistiam materialmente ao sinal do pão, só porque nelas vê refletida a crise que atinge qualquer discípulo quando é posto perante as difíceis exigências do Mestre. É aos cristãos das suas comunidades que Ele se dirige, para os convidar a decidirem, de forma resoluta, em quem ou em que coisa pretendem acreditar.
A constatação é amarga: muitos dos discípulos que viram o sinal e ouviram o discurso não aceitam a proposta de Jesus. É demasiado «dura», dizem eles. Não é que não a entendam. Ao início, de facto, houve algum mal-entendido; talvez houvesse até quem pensasse numa refeição de canibais, mas agora não, está tudo claro, compreenderam muito bem aquilo que Jesus quer dizer, mas não conseguem aderir. Unir a própria vida à sua, fazer a escolha do dom de si comporta um risco demasiado grande.
Confiar ou não confiar nele, esta é a alternativa.
A proposta pode ser acolhida ou rejeitada, mas não pode ser negociada, modificada, tornada mais aceitável mediante o cancelamento de algumas das suas exigências: ao mesmo tempo, esta escolha não é feita apenas com a mente e o coração, mas também através do gesto de aproximar-se e receber o pão eucarístico no qual Cristo, realmente presente, se oferece ao discípulo.
Aqui, surge uma pergunta inquietante. Se, para receber dignamente a Eucaristia, é necessária esta decisão pessoal e radical de dar a própria vida juntamente com Cristo, quem pode então ousar fazer a comunhão?
«Quem poderá alguma vez sentir-se digno de se aproximar do banquete eucarístico? Quem pode ser tão temerário que se comprometa com Cristo, de forma tão solene, a dar a vida com Ele?»
Se a Eucaristia fosse um prémio para os justos, certamente ninguém ousaria recebê-la. Mas ela não é o pão dos anjos, é o alimento oferecido aos homens peregrinos nesta terra, pecadores, frágeis, cansados, necessitados de ajuda.
No relato da instituição da Eucaristia, o evangelista Mateus refere as palavras de Jesus no momento em que oferece aos discípulos o cálice com vinho: «Bebei dele todos. Porque este é o meu sangue, sangue da Aliança, que vai ser derramado por muitos, para perdão dos pecados».
Não é para celebrar a própria pureza e santidade que nos aproximamos do banquete eucarístico, mas para obter de Deus o perdão dos pecados. A quem faz a comunhão não é pedida a perfeição moral, mas a disposição do pobre que reconhece a sua indignidade e miséria e se aproxima daquele que o pode curar. Para quem o recebe com esta disposição de fé humilde e sincera, o pão eucarístico torna-se um remédio, cura as doenças morais, sara qualquer ferida, vence todo o pecado.