24 de fevereiro de 2019 – 7º Domingo do Tempo Comum – Ano C

S. Paulo convida-nos hoje a trazer em nós a imagem de Cristo (2ª leitura). «Assim Deus demonstra o seu amor para connosco: quando ainda éramos pecadores é que Cristo morreu por nós». E Jesus não se limitou a instituir novidade absoluta do perdão e do amor aos inimigos. Ele é misericórdia e perdão para com os que condenam, martirizam e escarnecem. Deixemo-nos interpelar pela Liturgia de hoje e aprenderemos a compreender, desculpar e perdoar, para sermos «filhos do Altíssimo, que é bom até para os ingratos e os maus» (Evangelho).
Jesus Cristo veio trazer aos homens uma estatura nova, uma nova dimensão, e uma situação radicalmente nova no seu relacionamento mútuo. E toda esta novidade está contida na afirmação de S. Paulo, proclamada na segunda leitura deste Domingo: – «E assim como trouxemos em nós a imagem do homem terreno, procuremos também trazer em nós a imagem do homem celeste». O Apóstolo tinha chamado a Cristo o «último» Adão, em contraste com o primeiro, o «terreno». Assim como este, o primeiro, fora a cabeça da velha humanidade, pecadora, perecível, ultrapassada, assim Jesus Cristo é a cabeça duma humanidade nova, reconciliada, resgatada, estruturada segundo um Espírito novo, o próprio Espírito de Jesus Cristo, o Espírito Santo, alma desta humanidade nova que constitui o Reino de Deus.
E só neste contexto, de cidadãos do Reino, estaremos à altura de nos confrontarmos com as exigências radicais e ilimitadas que o Senhor nos apresenta no Evangelho deste domingo: «Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso».

É à luz deste preceito que temos de entender todos os outros que o Senhor enumera, começando por aquele que é o mais exigente, o mais duro, quase incompreensível para nós: – «Amai os vossos inimigos, fazei bem àqueles que vos odeiam…» Jesus padece fora de toda a lógica humana, contrário mesmo a toda a tradição recebida… Como então? É que, como diz S. Paulo, «Deus demonstra o Seu amor para connosco, pelo facto de Cristo haver morrido por nós, quando ainda éramos pecadores» (Rom 5, 8).
É assim a misericórdia do Pai do Céu. Terá que ser este o espírito da humanidade nova: todos, misericordiosos como o Pai, prontos, como Cristo, a morrer para que os outros vivam, mesmo e sobretudo quando eles são ou nós os julgamos pecadores. E, assim, já não há inimigos: há homens que eu tenho sempre obrigação de amar, para os quais devo ter o coração sempre aberto, sempre acolhedor, mesmo quando são incompreensíveis, hostis, injustos. É que eu não posso – está-me formalmente proibido – «pagar o mal com o mal».
Posso – e devo – denunciar os erros, os atropelos, as situações de opressão, as injustiças; não posso é recorrer aos meios condenados pelo Evangelho, à luz da palavra hoje proclamada. É-me vedado recorrer às armas, à violência, à mentira, ao ódio, à vingança. Mais uma vez São Paulo, cujo coração estava perfeitamente sintonizado com o coração de Jesus Cristo, recomenda: «Se o teu inimigo tem fome, dá-lhe de comer, se tem sede, dá-lhe de beber» (Rom 12, 20). Claro que tudo isto exige de nós uma grande capacidade de misericórdia, uma capacidade que excede todas as nossas capacidades, pois terá que ser como a do Pai do Céu: «Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso». É esta a meta – inatingível – do nosso esforço; por isso se diz que para um cristão «a única medida do amor é amar sem medida».

Só neste empenhamento de perdão total, de ajuda desinteressada, de desprendimento dos bens, conseguiremos quebrar a espiral da violência que é um dos nossos dias e que assenta na velha e renegada Lei do Talião: «olho por olho e dente por dente». Assim não. A espiral da violência arrasta um cortejo interminável de atentados, de perseguições, de desolação, de morte, sempre mais temível, cada vez mais devastadora. Só mesmo a radicalidade do Evangelho – «Amai os vossos inimigos» – será capaz de inverter todo este processo, e criar as condições da tal paz, da autêntica, daquela que «o mundo não pode dar».
Não queria terminar sem uma referência à 1.ª leitura: é um episódio da perseguição que Saúl, roído de inveja, movia implacavelmente contra o jovem David. Este, tendo Saúl adormecido e ao alcance dum golpe que lhe seria fatal, coibiu-se de o fazer e poupou-lhe a vida, porque Saul era «ungido do Senhor». Admirável exemplo de respeito pela vida humana, que é sagrada e pertence só a Deus que a criou.
Pois bem, todos nós, os que recebemos o Seu Espírito, somos «ungidos do Senhor».
Aprendamos a respeitar a nossa vida e a dos outros, desde a concepção até à morte natural. Também isto cabe no «sermos misericordiosos, como é misericordioso o nosso Pai».

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