No centro da parábola estão um proprietário rico e o homem que esse proprietário encarregou de administrar os seus numerosos bens (o “oikonomos”). A figura do “administrador” era, na época, frequente. Em geral, tratava-se de um servo ligado à família, um “filho da casa” (“ben bayit”) a quem o chefe de família confiava a gestão dos seus bens. O administrador tinha autoridade para fechar negócios em nome do seu senhor.
Contudo, o administrador da parábola que Jesus contou foi acusado de gerir mal os bens do seu amo (vers. 1). Não se diz se a acusação era verdadeira ou se era infundada. O que se diz é que o proprietário informou o administrador dos rumores que corriam e solicitou a entrega dos livros de gestão que ele tinha na sua posse (vers. 2). Aparentemente, o administrador não se preocupou em defender-se: percebeu imediatamente que não havia volta a dar e que o seu trabalho naquela casa tinha chegado ao fim.
O que iria este administrador fazer da sua vida, depois de despedido? Sem meios próprios de subsistência, só “viu” duas possibilidades: trabalhar como jornaleiro para um qualquer dono de terras, ou dedicar-se à mendicidade. Sendo um homem instruído, não habituado ao trabalho manual, nunca poderia subsistir cavando a terra de sol a sol; por outro lado, sendo um homem habituado a um certo estilo de vida, nunca se sentiria bem a mendigar (vers. 3). Então, como que fazer?
Sem perder tempo, encontrou uma solução que lhe evitaria tornar-se um “sem abrigo” (vers. 4). Antes de entregar ao proprietário rico os registos dos seus atos de gestão, chamou os devedores do seu senhor e reduziu-lhes os montantes em dívida. A um que devia “cem bátos” de azeite (uns 3.300 litros), reduziu-lhe o débito para “cinquenta bátos” (1.650 litros); a outro que devia “cem koros” de trigo (40.000 quilos), reduziu-lhe o débito para “oitenta baths” (32.000 quilos). Procurava, desta forma, assegurar a amizade dos seus parceiros de negócios, a fim de que eles mais tarde, por gratidão, o acolhessem nas suas casas ou lhe oferecessem um trabalho convenientemente remunerado (vers. 5-7). Num remate invulgar, o rico proprietário “elogiou o administrador desonesto, por ter procedido com esperteza” (vers. 8a). fecho
A parábola deixa no ar diversas interrogações… Como justificar o procedimento deste administrador, que assegura o seu futuro à custa dos bens do seu senhor? Porque é que o senhor, prejudicado nos seus interesses, não tem uma palavra de reprovação ao inteirar-se do prejuízo recebido? Como pode Jesus dar como exemplo aos discípulos a duvidosa “engenharia financeira” de um tal administrador?
Diversos comentadores explicam o contexto e o enquadramento desta parábola a partir das leis e costumes vigentes na Palestina no tempo de Jesus. O administrador de uma propriedade atuava em nome e em lugar do seu senhor; no entanto, não recebia deste uma remuneração pelo trabalho que fazia. O seu “pagamento” ficava a cargo dos devedores. O administrador fornecia um determinado número de bens; mas, na altura de saldar as contas, o devedor deveria entregar em pagamento uma quantidade significativamente superior à que tinha recebido. A diferença era a “comissão” do administrador. De acordo com esta interpretação, o que o administrador da parábola fez foi renunciar à “comissão” que lhe era devida, a fim de assegurar a gratidão dos seus parceiros de negócio. Renunciou a um lucro imediato, a fim de ganhar “créditos” para o futuro. Consciente de que os bens materiais têm um valor relativo, trocou-os por outros valores mais duradouros: a amizade, a gratidão, o reconhecimento. O administrador da parábola, independentemente da sua inocência ou culpabilidade nos atos de gestão dos bens do seu senhor, revelou decisão, inteligência, perspicácia, capacidade de ler os acontecimentos e de tomar as decisões adequadas para salvaguardar aquilo que era um bem maior.
Jesus concluiu a história convidando os discípulos a serem tão hábeis como este administrador (vers. 9): eles devem usar os bens deste mundo, não como um fim em si mesmo, mas para conseguir algo mais importante e mais duradouro. Na lógica de Jesus, esse “bem maior” seria, sem dúvida, o Reino de Deus. Noutra ocasião, Jesus falou do Reino de Deus como o “tesouro” escondido num campo pelo qual valia a pena vender tudo, ou como a “pérola” de grande valor, pela qual valia a pena prescindir de tudo o resto (cf. Mt 13,44-46). Os discípulos de Jesus devem ser capazes de deixar tudo para apostar no Reino de Deus. É essa a opção que lhes garante vida verdadeira e definitiva.
Na segunda parte do texto (vers. 10-13), Lucas apresenta “sentenças” de Jesus sobre o uso dos bens materiais. De acordo com Jesus, os bens que Deus coloca à nossa disposição não são para nosso uso exclusivo. Somos, apenas, administradores dos dons que Deus coloca nas nossas mãos, mas que pertencem a todos os outros filhos de Deus. Se formos bons administradores desses dons, Deus confiar-nos-á valores mais importantes (vers. 10-12); se partilharmos esses dons com os nossos irmãos necessitados, seremos dignos de integrar a comunidade do Reino de Deus.
A “instrução” termina com um aviso de Jesus sobre a incompatibilidade entre o mundo do dinheiro e o mundo de Deus (vers. 13). A obsessão pelo dinheiro é uma escravidão. Leva-nos a esquecer Deus e a viver indiferentes à sorte dos nossos irmãos. A febre do “ter” afunda-nos num mundo de egoísmo, de interesses mesquinhos, de exploração das pessoas, de ambição desmedida. Em contrapartida, o mundo de Deus assenta numa lógica de solidariedade, de fraternidade, de partilha, de comunhão, de amor incondicional. Trata-se, portanto, de dois mundos inconciliáveis. Temos de escolher um dos lados; temos de perceber em qual destes mundos encontramos a vida verdadeira.
INTERPELAÇÕES
• O que é que dá sentido à nossa vida? Quais são as coisas das quais não podemos absolutamente prescindir? Quais são as apostas que priorizamos? Será boa ideia apostarmos todos os nossos esforços na procura de bens materiais? Há gente para quem o dinheiro é a prioridade fundamental; há gente que acredita que o dinheiro lhe pode proporcionar bem estar, segurança, poder, importância, influência; há gente que considera que o dinheiro lhe facilitará a vida e lhe assegurará uma felicidade sem estorvos. Jesus, no entanto, tem outra perspetiva das coisas. Ele considera que, quando se trata de dar sentido à vida, há valores mais seguros, mais importantes, mais duradouros do que o dinheiro. Jesus acha que “fazer amigos” é bem mais importante do que ter contas bancárias recheadas; estabelecer pontes de diálogo e entendimento é mais compensador do que viver fechado num mundo pessoal de bem estar e de autossuficiência; partilhar o que temos com os nossos irmãos necessitados traz-nos mais felicidade do que a acumulação egoísta da riqueza. Para Jesus, os valores do Reino de Deus – o amor, a fraternidade, a solidariedade, a generosidade, a partilha, o serviço, o cuidado, a simplicidade, a humildade – é que são os valores que nos completam, que nos realizam, e que devem sustentar o edifício da nossa vida. O que pensamos disto? Concordamos com Jesus?
• Na “instrução” que o Evangelho de hoje nos traz, Jesus diz aos discípulos: “nenhum servo pode servir a dois senhores, porque, ou não gosta de um deles e estima o outro, ou se dedica a um e despreza o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. É uma advertência muito grave. Jesus não estará a exagerar? Será verdade que o dinheiro nos incompatibiliza com Deus? A verdade é que o dinheiro é um “senhor” extremamente exigente, que toma conta de nós, que nos absorve completamente e que não nos deixa grande espaço de manobra. Se o permitirmos, ele pode tornar-se o dono absoluto das nossas vidas e obrigar-nos a colocar em segundo plano todas as nossas outras referências: Deus, a família, os amigos, a nossa dignidade, a nossa liberdade, a nossa consciência, os nossos princípios mais sagrados. O dinheiro promete-nos horizontes ilimitados, êxitos inequívocos, felicidade sem fim; mas, fatalmente, acaba por nos dececionar e por nos deixar mergulhados no vazio e na desilusão. Talvez toda esta “prevenção” nos pareça excessiva; mas não conhecemos tantos casos, à nossa volta, de gente que colocou toda a sua esperança e segurança no dinheiro e que acabou por perder as coisas mais belas da vida? Que papel e que lugar ocupa o dinheiro na nossa vida?
• Jesus dizia que o dinheiro, convertido em ídolo absoluto, era o grande obstáculo para construirmos um mundo mais justo, mais fraterno e mais feliz. Não o levamos a sério. Deixamos que o dinheiro se tornasse o verdadeiro motor que impulsiona a história dos homens; e as consequências estão à vista: lançamo-nos na exploração criminosa e descontrolada dos recursos naturais, deixamos feridas irreparáveis na “casa comum” que Deus ofereceu a todos os homens, aumentamos as clivagens e os desequilíbrios sociais, condenamos à miséria tantos e tantos dos nossos irmãos, multiplicamos as injustiças e os sofrimentos, colocamos os interesses dos grandes do mundo acima da dignidade dos pobres, criamos um mundo desumano e cruel que subverte completamente o projeto que Deus tinha para os seus filhos… Onde nos leva a obsessão pelo dinheiro? Que história estamos a construir? É este o mundo que queremos? O que podemos fazer para inverter esta lógica e construir um mundo mais humano?
• Talvez o “administrador” da parábola contada por Jesus nem sempre tenha feito uma gestão adequada dos bens que o seu senhor lhe confiou; mas a verdade é que, feitas as contas, ele soube utilizar esses bens para, de forma inteligente, “comprar” valores duradouros. Todos nós somos “administradores” dos bens que Deus colocou à nossa disposição. Como os temos gerido? Usamo-los para nosso benefício exclusivo, ou partilhamo-los generosamente com os nossos irmãos? Gastamo-los apenas em nosso proveito pessoal, ou servimo-nos deles para fazer o bem? Malbaratamo-los em projetos inconsequentes e egoístas, ou usamo-los para arranjar “um tesouro inesgotável no céu, onde o ladrão não chega e a traça não rói” (Lc 12,33)?