Estamos a meio do tempo da Quaresma e a liturgia deste domingo recorda-nos a necessidade da conversão. Jesus chama-nos a mudar o coração, a fazer uma inversão radical no caminho da nossa vida, abandonando o conformismo com o mal e as hipocrisias.
É um longo processo de renovação, em que devemos desfazer-nos de uma porção de coisas, para tornar possível em nós a “libertação”. Devemos tirar as cómodas sandálias que calçamos, para pisar com mais segurança os caminhos sagrados do Senhor, como condição para a abertura a Jesus Cristo.
O apelo do Senhor à conversão
No trecho evangélico de hoje, Jesus refere dois acontecimentos dignos de nota: uma repressão cruel feita pelos soldados romanos que dentro do Templo, e a mando de Pilatos, massacraram alguns galileus; e o desabamento da torre de Siloé, em Jerusalém, que tinha causado dezoito vítimas.
Vieram contar a Jesus o que acontecera. Jesus, que conhece os seus contemporâneos, sabe que eles interpretam aqueles acontecimentos de modo errado. Eles pensam que se aqueles homens morreram de maneira tão cruel, é sinal de que Deus os castigou por alguma culpa grave que tinham cometido.
Jesus exclui que haja qualquer relação entre a morte daquelas pessoas e as culpas que porventura tenham cometido, em seguida, convida os presentes a extrair uma lição destes acontecimentos. Devem ser antes ser interpretados – diz Ele – como um apelo à conversão, porque todos somos pecadores. Na realidade, dizia a quantos o tinham interpelado: «Se não vos arrependerdes, morrereis todos do mesmo modo».
Também hoje, tomamos conhecimento de más notícias: homicídios, desastres, catástrofes…
Face a certas desgraças e a eventos de luto, podemos ter a tentação de «descarregar» a responsabilidade sobre as suas vítimas, sobre os dirigentes governativos, ou até sobre o próprio Deus.
O Evangelho convida-nos a reflectir: Jesus chama-nos a mudar o coração, a fazer uma inversão radical no caminho da nossa vida. Mas eis de novo a tentação de nos justificarmos: «Mas do que nos devemos converter? Afinal não somos todos boas pessoas?». «Não somos crentes, até bastante praticantes?». E pensamos que deste modo estamos justificados.
Infelizmente, cada um de nós parece-se muito com aquela figueira que, durante anos, deu numerosas provas da sua esterilidade. Mas, Jesus é semelhante àquele camponês que, com uma paciência infinita, obtém mais um prazo para a figueira infecunda: «Senhor, deixa-a ficar ainda este ano. Se não der frutos, no ano que vem mandá-la-ás cortar».
Um «tempo» de graça: o tempo do ministério de Cristo, o tempo da Igreja antes da sua vinda gloriosa, o tempo da nossa vida, ritmado por um certo número de Quaresmas, que nos são oferecidas como ocasiões de arrependimento e de salvação. Deixemo-nos interpelar pelas desgraças diárias a fim de fazermos um sério exame de consciência e nos corrigirmos. Nunca é demasiado tarde para nos convertermos! Mas é urgente, é agora! Comecemos hoje procurando seguir o Seu chamamento.
No seguimento do Seu chamamento
Como escutamos na primeira leitura, Deus não se esquece dos Seus filhos e ao decidir libertá-los do Egipto, terra da sua escravidão, revela que no seu coração há um grande amor pelos oprimidos e um grande desejo de ajudar quem quer que seja objecto da injustiça. Escolhe Moisés, a quem se manifesta, revelando-lhe o seu projecto de libertar o povo israelita da sua escravidão. Pede-lhe que descalce as “sandálias”, isto é, que deixe a sua vida pacata e tome a chefia do povo oprimido a fim de o conduzir à terra prometida.
Moisés compreende que o Senhor precisa dele. Descobre que Ele o vai tirar da sua vida simples e calma que levava havia já alguns anos. Não rejeita o chamamento do Senhor, mas levanta, porém, uma objecção: «Se me perguntarem qual é o seu nome, que hei-de responder-lhes?». Deus responde a Moisés: «Dirás aos israelitas que “Eu sou Aquele que sou”. Quer dizer: haveis de descobrir quem Eu sou; e pelo que Eu fizer, vereis quem Eu sou.
Deus ainda não mudou de nome. Continua a ser sensível aos gritos de quem sofre. Também hoje há quem abuse da sua força e do seu poder para oprimir os mais fracos: pessoas que vivem escravas do medo, da miséria, da ignorância, da vergonha. Há mulheres oprimidas pelos usos e costumes perpetuados pelo domínio dos homens, por quem continuam a ser abusadas.
Se as lágrimas e as lamentações dos nossos irmãos e irmãs que sofrem nos deixam insensíveis e não nos levam a agir em favor dos oprimidos, poder-nos-emos chamar filhos de Deus, que se revelou como o «Libertador», e fugir ao Seu chamamento em todas as circunstâncias da nossa vida?
Em todas as circunstâncias da nossa vida
Não basta acreditar em Cristo, ser baptizado, receber o Espírito e alimentar-se da Eucaristia. É necessário levar uma vida coerente em todos os momentos da nossa vida, para que não nos aconteça «cobiçar o mal», como os israelitas no deserto, que cederam a muitas fraquezas.
O caminho que leva à liberdade continua a ser difícil de percorrer. Hoje o Senhor convida-nos a mudar o rumo da nossa vida e a aproveitar todos os momentos para corrigir a nossa actuação. A mudarmos o nosso estilo de vida, a nos convertermos. E converter-se não é melhorar um pouco, rezar um pouco mais, mas sim mudar a nossa maneira de pensar e de agir, comprometendo-nos com Jesus e testemunhando com gestos libertadores de acolhimento, de serviço, de promoção das pessoas que nos cercam, na atenção, compreensão, paciência e esperança que fazem parte da missão evangelizadora a que o Senhor nos chama…
Que a Virgem Maria nos ampare, para que possamos abrir o coração à graça de Deus, à sua misericórdia e nos ajude a nunca julgar os outros, mas a deixarmo-nos interpelar pelas desgraças diárias, a fim de fazermos um sério exame de consciência e nos corrigirmos.