Acabamos de ouvir Jesus dizer no Evangelho, hoje narrado pelo evangelista Marcos: “Quem quiser ser o primeiro será o último de todos e o servo de todos”. O Senhor alertava assim os discípulos que se apressavam em discutir entre eles a quem caberia ser o primeiro, ter o maior lugar no Reino dos Céus.
O Mestre enquanto com eles caminhava através da Galileia, acabara de lhes anunciar a Sua morte que já estava próxima. Pela segunda vez, Jesus fala aos discípulos da Sua morte e ressurreição.
Fizera-o já, como ouvimos no passado Domingo, após Pedro ter afirmado a sua fé no Messias Salvador. Agora na Galileia, Jesus insiste no mesmo tema: “os homens hão-de matá-lo, mas Ele, três dias depois de morto, ressuscitará”. E os discípulos continuam a não dar atenção. Parece que, indiferentes ao que o Senhor lhes dizia, discutiam o primeiro lugar.
Através dos tempos e ainda hoje esta parece ser para muitos a mais importante aspiração da vida. Ser o primeiro, mesmo que para isso seja preciso pisar os outros, continuando a esquecer a advertência que Jesus já há 2000 anos fizera aos apóstolos “quem quiser ser o primeiro há-de ser o último de todos”. Princípio que repetiria a Tiago e João quando pretendiam um lugar privilegiado no Reino. Doutrina que Ele próprio poria em prática quando “ Mestre e Senhor lavaria os pés aos Apóstolos e diria que para mandar é preciso começar por servir”. E lavar os pés a alguém, na sociedade judaica de então, era suprema humilhação. Só os escravos, e não escravos judeus, lavavam os pés aos seus senhores. Mas Jesus quis vincar o papel da “humildade” e do “serviço” aos outros na conquista do Reino.
Ontem como hoje, os valores do Evangelho continuam a ser difíceis de defender. Continuam a ouvir-se hoje as imprecações do ímpio que se sente incomodado pelo facto do justo ser diferente dos outros e ter um comportamento singular, um modo diferente de estar na vida. É que o justo torna-se uma acusação contínua e incómoda para a sociedade fundada nos interesses e na violência: a sociedade de consumo em que o dinheiro e o poder são os novos ídolos. A desmedida aspiração a estes “valores” conduz, por vezes, à utilização de meios nem sempre lícitos para os obter: violência e até morte. “Cobiçais. Não conseguis – então assassinais”. “Sois invejosos, não obteis nada. Entrais em conflitos e guerras”. E todos nós sabemos como continuam hoje atuais, as palavras de São Tiago. A guerra e a morte a tantos direitos da criança, do homem e dos povos. É ler o jornal, ouvir na rádio, ver na internet, ver na TV, abrir os olhos para a vida à nossa volta.
Se pararmos um pouco, parecem martelar-nos aos ouvidos as palavras da 1ª leitura de hoje “disseram os ímpios: armemos ciladas ao justo que nos incomoda… Experimentemo-lo com ultrajes e torturas… Condenemo-lo à morte infame…”. E nós sabemos como, infelizmente, é longa a história do sofrimento humano. Às vezes é a perversidade humana a origem do mal. Injustiças, sangue inocente derramado! Outras o sofrimento aparentemente sem motivo: a criança inocente que nasce inválida, o acidente brutal que atira o jovem para uma cadeira de rodas para o resto da vida, gente sem conta que nasce, vive e morre sem o mínimo de dignidade humana. Mas quer saiba ou não esta multidão incontável de sofredores, sofre e morre com Cristo, pelos outros, carregando as pesadas cruzes da humanidade.
Feliz de quem tem consciência disso! Eles estão a tornar presente aos homens, a força da Redenção. Por isso encontramos doentes incuráveis com dores atrozes, pessoas que atravessam períodos dificílimos da sua vida com uma serenidade e uma paz indestrutível. É uma questão de fé. Fé no Senhor ressuscitado. No Senhor que, como ouvimos no Evangelho, ao fim de três dias de morto ressuscitou. Sejamos nós também homens ressuscitados com Cristo.