Iniciámos a Quaresma há uma semana; hoje a Igreja, Mãe e educadora da Fé, Coloca-nos diante dos olhos o mistério da Morte e Ressurreição de Jesus. É esse o objetivo final de toda a Quaresma – entender o mistério de Jesus no Calvário como expressão do Amor de Deus ao mundo.
Jesus subiu a montanha com três dos seus discípulos preferidos. Ali se transfigurou num resplendor tão maravilhoso e divino, que as suas vestes pareciam feitas de luz. A eles apareceram também Moisés e Elias conversando com Jesus; falavam de sua morte que se consumaria em Jerusalém, ou seja, do mistério daquela salvação que iria realizar-se mediante seu corpo; daquela paixão, repito, que haveria de consumar-se na cruz. Pois a verdade é que a lei de Moisés e os vaticínios dos santos profetas preanunciaram o mistério de Cristo: as tábuas da lei o descreviam como que em imagem e de forma velada; os profetas, por outro lado, o pregaram em distintas ocasiões e de muitas maneiras, dizendo que no momento oportuno apareceria na forma humana e aceitaria morrer na cruz pela salvação e pela vida de todos.
E o fato de que ali estivessem presentes Moisés e Elias conversando com Jesus, queria indicar que a lei e os profetas são como os dois aliados de nosso Senhor Jesus Cristo, apresentado por eles como Deus através das coisas que haviam preanunciado e sobre as quais existia concordância entre si. De fato, os vaticínios dos profetas não discordam da lei: e a meu modo de ver, disto falavam Moisés e Elias, o maior dos profetas.
Tendo-se manifestado, não se mantiveram em silêncio, mas falavam da glória que o próprio Jesus iria consumar em Jerusalém, a saber: da paixão e da cruz, e nelas, vislumbravam também a ressurreição. O bem-aventurado Pedro, talvez pensando que tinha chegado o tempo do reinado de Deus, de bom grado ficaria vivendo na montanha; de fato, e sem saber o que dizia, propõe que se ergam três tendas. Porém, ainda não tinha chegado o fim dos tempos, nem na vida presente entrarão os santos a participar da esperança a eles prometida. Disse, de fato, Paulo: Ele transformará nossa humilde condição, conforme o modelo de sua condição gloriosa, ou seja, da condição gloriosa de Cristo.
«Só quem reza, isto é, quem se confia a Deus com amor filial, pode entrar na vida eterna.»
Neste segundo domingo de Quaresma, o evangelista Lucas ressalta que Jesus subiu ao monte «para rezar» (9, 28) juntamente com os apóstolos Pedro, Tiago e João e, «enquanto rezava» (9, 29), verificou-se o mistério luminoso da sua transfiguração. Para os três Apóstolos subir ao monte significou ser incluídos na oração de Jesus, que se retirava com frequência em oração, especialmente ao alvorecer e depois do pôr-do-sol, e por vezes durante toda a noite. Mas só daquela vez, no monte, Ele quis manifestar aos seus amigos a luz interior com que era cumulado quando rezava: o seu rosto lemos no Evangelho iluminou-se e as suas vestes deixaram transparecer o esplendor da Pessoa divina do Verbo encarnado (cf. Lc 9, 29).
Há outro pormenor, precisamente da narração de São Lucas, que merece ser ressaltado: isto é, a indicação do objecto da conversação de Jesus com Moisés e Elias, que surgiram ao Seu lado, transfigurado. Eles, narra o Evangelista, «falavam da sua partida (em grego exodos), que teria realizado em Jerusalém» (9, 31). Portanto, Jesus ouve a Lei e os Profetas que lhe falam da sua morte e ressurreição. No seu diálogo íntimo com o Pai, Ele não sai da história, não evita a missão para a qual veio ao mundo, mesmo se sabe que para chegar à glória deverá passar pela Cruz.
Aliás, Cristo entra mais profundamente nesta missão, aderindo completamente à vontade do Pai, e mostra-nos que a verdadeira oração consiste precisamente em unir a nossa vontade à de Deus.
Portanto, para um cristão rezar não significa evadir-se da realidade e das responsabilidades a que ela obriga, mas assumi-las totalmente, confiando no amor fiel e inexaurível do Senhor. Por isso, a prova da transfiguração é, paradoxalmente, a agonia no Getsémani (cf. Lc 22, 39-46). Na iminência da paixão, Jesus experimentará a angústia mortal e entregar-se-á à vontade divina; naquele momento a sua oração será penhor de salvação para todos nós. De facto, Cristo suplicará o Pai celeste para que o «liberte da morte» e, como escreve o autor da carta aos Hebreus, «foi atendido por causa da sua piedade» (5, 7). A ressurreição dá provas desse atendimento favorável.
Queridos irmãos e irmãs, a oração não é um acessório, um opcional, mas é questão de vida ou de morte. Só quem reza, isto é, quem se confia a Deus com amor filial, pode entrar na vida eterna, que é o próprio Deus. Durante este tempo de Quaresma, pedimos a Maria, Mãe do Verbo encarnado e Mestra de vida espiritual, que nos ensine a rezar como fazia o seu Filho, para que a nossa existência seja transformada pela luz da sua presença.