Fátima: “olhai para o sol”
“Depois, abriu-se no Céu o santuário de Deus e apareceu a Arca da aliança” (Apoc 11, 19). A Arca da aliança e a “mulher vestida de sol”, que S. João contemplou na sua visão de Patmos, foram interpretadas, desde os primeiros escritores cristãos, como referencias à Santíssima Virgem.
A Igreja proclama hoje este texto sagrado, consciente de que as suas palavras tornaram-se realidade, há cem anos, na Cova da Iria. O Céu abriu-se, e Nossa Senhora, mais brilhante do que o sol, veio até nós. O Céu, poderíamos dizer, desceu até a terra, embora seria mais ajustado à realidade afirmar que o Céu não “desceu”, mas “foi visto”, ou “apareceu”; porque o Céu está já na terra. Deus está no meio de nós desde que o mundo foi criado, e desde que o Filho de Deus encarnou, está de modo mais próximo e novo.
Deus, com as aparições de Nossa Senhora em Fátima, quis colocar diante dos nossos olhos, para que “fosse visto”, o essencial da nossa vida. O essencial é o próprio Céu, a Santíssima Trindade e Jesus (“esta é a vida eterna: que te conheçam a Ti, como único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo a Quem enviaste” Jo, 17, 3). O Céu abriu-se nos acontecimentos de Fátima, para que olhássemos para Deus, como olharam todos para o sol no dia 13 de Outubro de 1917.
Fátima é o grito de Lúcia: “olhem para o sol”, que poderia traduzir-se por olhem para o Céu, Olhem para Deus, olhem para Jesus. Olhem para o que é central nas nossas vidas, olhem para o núcleo essencial que fundamenta tudo o resto. O sol é que nos permite ver todas as coisas iluminadas pela sua luz.
Mas na visão do Apocalipse também aparecem outras realidades relacionadas com o essencial: a Mulher, o seu filho, o dragão e o combate e a ação destrutiva do dragão. Na tradição da Igreja a Mulher foi identificada com Nossa Senhora e com a própria Igreja, as doze estrelas com os doze apóstolos e o filho da Mulher com Jesus Cristo. Também aparece o inferno e as estrelas que o dragão faz cair do céu. É possível que as estrelas façam referência aos altos representantes da Igreja que sucumbiram durante as perseguições desencadeadas pelo demónio.
Assim, nas aparições são também colocadas diante dos nossos olhos muitas outras verdades relacionadas com o essencial: A figura de Nossa Senhora Mãe de Jesus e Mãe nossa, a Sagrada Eucaristia, os Santos Anjos, S. José e os Santos do Céu, as almas do Purgatório, a Igreja, a Comunhão dos Santos, o Santo Padre, os sacerdotes, o demónio e o pecado, a confissão e os sacramentos, a necessidade da oração e a penitência, etc. Todo o catecismo torna-se “visível” nos acontecimentos de Fátima. Ali, “olhando para o sol”, olhando para o essencial, compreendemos com essa luz multicolor as diversas manifestações de Deus e a sua presença na variedade dos acontecimentos e circunstâncias da nossa vida.
Hoje queremos pedir, a Nossa Senhora, em união com o Santo Padre, que nos envolva a todos na luz com que envolveu os pastorinhos, para que “vejamos” o essencial, Deus e o Céu, presentes na nossa vida de todos os dias. Sabemos bem, contudo, que somos como o cego de Betsaida (Mc 8, 22-26), e que também nós precisamos que o Senhor nos imponha as mãos varias vezes até vermos tudo perfeitamente, com nitidez. Necessitamos ir muitas vezes a Fátima, fisicamente ou com o pensamento e o coração. Precisamos de “ir”, uma e outra vez, a todos esses acontecimentos que desde há cem anos inundam de luz o mundo. Precisamos de ir e olhar, como que levados pela mão de nossa Mãe, para o essencial, e deixar-nos curar da nossa cegueira para sermos capazes de contemplar Deus, presente nas coisas, nas pessoas e nos acontecimentos da nossa vida de todos os dias.
Fátima: louvar Deus louvando Maria
Acabamos de ler no S. Evangelho que “uma mulher levantou a voz do meio da multidão”, e dirigiu uma frase de louvor a Jesus, que envolve também Nossa Senhora. Essa mulher é figura da Igreja que louva incansavelmente Nossa Senhora louvando assim também Jesus e Deus. O terço é uma oração dirigida ao Pai ao Filho e ao Espírito Santo por meio de Maria e com Maria. Todas as devoções marianas, as suas imagens, os templos a Ela dedicados, são louvores a Deus que criou e santificou de modo tão eminente Nossa Senhora. Quando louvamos a beleza e perfeição de um poema, de uma sinfonia, de uma catedral ou de outra qualquer obra de arte, estamos a louvar o artista que concebeu e realizou aquela maravilha. O mesmo acontece com os nossos louvores à Maria.
Compreendemos assim, nesta clave, a resposta de Jesus à mulher que O louva a Ele e a Maria. Uma resposta que se aplica também aos louvores permanentes que a Igreja dirige â Mãe de Deus. Quando Jesus diz “bem-aventurados, antes…” não está a retificar as palavras da mulher, mas sim a confirmá-las. Além disso acrescenta o motivo pelo qual é devida maior glória à Sua Mãe. Sim, feliz Nossa Senhora, porque escutou e pôs em prática fidelissimamente a Palavra de Deus.
Essa felicidade é aquela pela qual anseia profundamente o nosso coração. Fomos feitos para amar Deus e é isso que procuramos incansavelmente. Em todos nossos amores é Deus, em última análise, o que nos procuramos. Amamos as pessoas porque são imagem de Deus. Amamos a Natureza porque reflete a Beleza, Bondade e Sabedoria de Deus. Gostamos das coisas boas porque nos falam do Bem infinito que nelas se espelha em diversos graus. E o mesmo acontece com a verdade, a sabedoria, a unidade e harmonia que encontramos no mundo. É de Deus de Quem nosso coração anda à procura, e é a Sua presença que desperta o nosso amor.
Por isso amamos e louvamos com todo o nosso coração Nossa Senhora. Porque Nela brilha como o sol a presença do Deus que todo o nosso ser procura. Não nos cansamos de louvar Deus louvando Nossa Senhora, porque Nela vemos a imagem e semelhança mais perfeita de Deus que jamais houve em criatura alguma.
Olhando para Nossa Senhora e falando com Ela, vamos formando parte do grupo de aqueles que “ouvem a palavra de Deus e a põem em prática”. O amor materno de Nossa Senhora nos repete com ternura e firmeza “fazei o que Ele vos dizer” (Jo 2, 6). Sabe que só assim seremos bem-aventurados, felizes, aqui na Terra e eternamente.