13 de abril de 2017 – Quinta-Feira Santa – Missa da Ceia do Senhor

A Páscoa dos judeus, prefigura da Páscoa cristã, continha alguns elementos básicos daquilo que hoje celebramos: o início de uma nova ordem de coisas, a partilha, a preservação da vida e o memorial dos feitos de Deus (1ª Leitura.

O episódio do Lava-pés concretiza o projeto de Deus manifestado em Jesus. Para ser cristã, a comunidade precisa de assumir esse projeto, tornando-o realidade no amor-serviço aos outros. Essa é a autêntica conversão a Jesus Cristo (Evangelho).

A Quinta-feira Santa é o dia em que celebramos a instituição da Eucaristia. Escrevendo aos Coríntios, Paulo dá uma amostra de como deve ser celebrada para que possa eliminar as ambiguidades dos que nela participam. (2ª Leitura).

1ª Leitura (Ex 12, 1-8.11-14): VIDA NO MEIO DA MORTE

A Páscoa era originariamente uma festa de pastores que celebravam o nascimento das ovelhas, na Primavera. Nessa festa, os pastores derramavam sangue de cordeiros em torno do acampamento para espantar os espíritos que poderiam prejudicar a fecundidade do rebanho.

Quando sai do Egipto, Israel adaptou a festa às condições de um povo sedentário. Torna-se a celebração do Êxodo, traduzida em forma de refeição. Foi associada à festa dos Ázimos, que era uma festa agrícola. A festa dos Ázimos, porém, só começou a ser celebrada quando Israel tomou posse da Terra Prometida. E só foi associada à festa da Páscoa depois da reforma de Josias (ano 622). Como é que essas duas festas aparecem juntas num relato de acontecimento tão anteriores como os do Êxodo, cerca de 600 anos antes?

O texto que relata a Páscoa dos judeus (Ex 12,1-13,16) foi posto por escrito bem mais tarde, num contexto de escravidão para Israel, semelhante ao primeiro, ou seja, durante o exílio na Babilónia, alguns séculos depois. Nessa ocasião, Páscoa e Ázimos já eram celebradas juntas.

Ex 12, 1-14 fala do ritual da Páscoa. Mas o texto não deve ser lido na óptica de quem quer saber como se deveria celebrá-la. Trata-se de um memorial. Ou seja, a atualização da libertação de Javé em favor do Seu povo. O texto devia falar ao coração dos novos exilados e suscitar-lhes a memória dos feitos de Deus. O texto deve, pois, ser lido na optica do porquê celebrar a Páscoa.

Neste sentido, o texto oferece algumas indicações preciosas: a Páscoa marca o início de uma nova era, o tempo da liberdade: «Neste mês começará para vós a série dos meses; fareis dele o primeiro dos meses do ano». Inicia-se vida nova. Chegou a liberdade. A festa vai determinar o futuro do povo: será um povo livre.

Para a inauguração dessa nova era requer-se partilha, onde ninguém tenha de mais e a ninguém falte de comer: «O cordeiro será escolhido na proporção do que cada um poder comer. O que sobra, lança-lo-eis ao fogo».

É uma festa que visa a preservação da vida: o sangue não mais afugentará os maus espíritos, mas servirá de sinal para a preservação de Israel enquanto povo, ameaçado de desaparecer pela política de morte do faraó que controla os nascimentos.

2ª Leitura (1 Cor 11,23-26): EUCARISTIA SEM FRATERNIDADE É COMUNGAR A PRÓPRIA CONDENAÇÃO

Estamos diante do primeiro texto escrito do Novo Testamento que trata da Eucaristia. Esta é celebrada dentro de um contexto bem preciso: o da comunidade de Corinto, com todos os seus problemas e divisões entre ricos e pobres.

Os primeiros cristãos, antes de celebrar a Ceia do Senhor, faziam uma refeição onde todos punham em comum o que cada qual trouxera. Era o momento da partilha, que precedia o grande sinal que atualizava (memorial) a partilha de vida do Senhor: a ceia cristã. É justamente aí que se situa o grande dilema: é possível celebrá-la sem partilhar os bens com os que nada têm? Não seria comungar a própria condenação?

Evangelho (Jo 13-1-15): O CERNE DO AMOR É O SERVIÇO

  1. A Páscoa de Jesus

A primeira informação que o nos oferece é a de que se inaugura aqui uma nova era, a da Páscoa de Jesus. Ele está plenamente consciente desse momento. Isso é caraterizado, em grego, pelo verbo oida, que significa conhecimento adquirido, plena consciência do que faz . essa consciência está associada à hora de Jesus, que culmina com a morte na cruz. O que Ele vai fazer, não o fará arrastado pelas circunstâncias, mas consciente de que abre o caminho de acesso ao Pai. Essa breve introdução fala ainda do amor constante de Jesus pelos Seus, amor que agora se manifestará de forma perfeita: «amou-nos até ao extremo», até à perfeição do amor.

  1. O Lava-pés: Amor é serviço

Tomar refeição juntos é sinal de comunhão e partilha. Jesus vive esse clima familiar com os Seus, mas vai mais além. João salienta que a Ceia já começara. Jesus teria ocupado o lugar de honra, mas irá mostrar concretamente de que honra se trata: certamente não é a mesma de Judas, no qual o diabo (= ambição, espírito de não partilha) havia tomado conta do coração (sede das opções de vida).

Consciente de estar realizando o projeto de Deus, Jesus mostra como esse projeto se traduz em ações concretas que serão a norma da comunidade: despoja-se do manto (sinal de dignidade) e toma uma toalha. É o Senhor que Se torna servo.

Despojar-se do manto significa dar a vida, sob a forma de serviço. De facto, quem devia lavar os pés eram os subalternos e escravos.

João não especifica quem foi o primeiro a lavar os pés. Todos recebem o mesmo amor, sem preferências ou precedências. Jesus faz tudo sozinho: derrama água, lava, enxuga. Mais adiante ao retomar o manto, não se diz que Ele tenha deposto a toalha. Dá-se a entender que Ele tenha vestido o manto por cima. Isso significa que o Seu serviço continuará, culminando na cruz: «Tudo está consumado».

Com esse ato consciente sela a ideia de que Deus é o servidor dos homens. Fazendo-Se servo, torna senhores os Seus, mas senhores enquanto conscientemente lavam os pés uns aos outros.

  1. Ensinamento de Jesus: Tal mestre, tal discípulo

Jesus retoma o manto e põe-Se de novo à mesa, ou seja, volta à posição de homem livre (os escravos não se sentavam à mesa), mas conserva a disposição de servo (não tira a toalha). A cena é fortemente simbólica: Ele continua a ser sempre Aquele que serve.

O que segue tem valor de testamento-mandamento: «Vós chamais-Me Mestre e Senhor». Há diferença entre Jesus e os discípulos. Mas Ele recorda-lhes qual a dimensão desses títulos: Ele é aquele que ensina através do exemplo. Os que Lhe chamam Mestre devem aprender d’Ele; os que Lhe chamam Senhor devem identificar-se com Ele no amor desinteressado, posto ao serviço de todos, inclusive dos que serão capazes de traições que levam à morte.

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