Após termos meditado, durante cinco domingos consecutivos, o discurso de Jesus sobre o pão da vida, retomamos agora a leitura do Evangelho de São Marcos que nos acompanhará até ao final do ano litúrgico.
No trecho de hoje é levantada uma questão que toca um elemento central da religião judaica: as purificações.
Aos antigos o mundo aparecia divido em duas esferas contrapostas, uma pura na qual operavam as forças da vida, e outra impura onde estavam presentes os germes da morte.
Os Israelitas consideravam impuro tudo aquilo que, de alguma forma, entrasse em contacto com os ídolos inanimados, incapazes de favorecer a vida que é monopólio do «Deus vivo e verdadeiro». A sua repulsa instintiva pelo mundo idólatra manifestava-se em formas exasperadas de separação. Quando, por exemplo, tomavam posse de uma terra estrangeira, durante cinco anos não comiam os frutos dos campos, esperavam até que desaparecesse o mínimo traço de impureza.
A Bíblia prescreve que, antes de comer a carne dos sacrifícios do templo, o sacerdote lave as mãos e os pés, mas alguns grupos de leigos, particularmente devotos, tinham também adotado nas suas casas os hábitos dos banquetes sagrados dos sacerdotes; a pouco e pouco, esta prática tinha-se difundido entre o povo, dando origem à convicção de que o preceito tivesse sido ditado pelo Senhor. A fórmula que habitualmente se recita era a seguinte: «Bendito és Tu, Senhor Deus nosso rei do mundo, que nos santificastes com os teus preceitos e nos mandaste cumprir a lavagem das mãos».
No trecho de hoje, aqueles que divinizam estas tradições são qualificados como hipócritas, ou seja, atores, comediantes que cobrem o rosto com a máscara da religiosidade, da devoção, da docilidade, que se comportam como pessoas piedosas, mas que, descuidando o único culto que agrada a Deus – o amor ao irmão – honram o Senhor apenas com palavras e com os lábios, não com o coração.
Os evangelistas não teriam conservado estas palavras duras do Mestre se não tivessem intuído a perene atualidade do risco de introduzir na Igreja este culto hipócrita, e do perigo de pôr no mesmo plano a lei de Deus e as tradições dos homens.
A observância rigorosa de normas claras e bem definidas dá a sensação de que se fez o próprio dever, dá segurança diante do Senhor, leva até a considerar que pode haver algum crédito na relação com Ele.
Construir a própria vida na liberdade dos filhos de Deus, estar continuamente disponíveis para com o irmão, é mais difícil. As exigências da pessoa mudam, e quem ama deve continuamente perguntar-se o que é chamado a fazer, o que lhe é pedido, o que espera dele o irmão. O amor não é ditado por normas, mas inventado momento a momento; pede fantasia, atenção, disponibilidade total e incondicional.
A religião do coração só pode ser praticada por quem atingiu uma fé adulta e madura, por quem é livre, sincero, aberto à luz de Deus e aos impulsos do Espírito. As «criancinhas de Cristo» temem o risco, preferem receber disposições precisas e minuciosas, mesmo se, no seu íntimo, se dão conta que esta religião não liberta, não comunica alegria e serenidade interior, mas apenas tensões e ansiedade.