1 de novembro de 2022 – Solenidade de Todos os Santos

Estamos quase a terminar o Ano Litúrgico, no qual celebramos os principais mistérios da vida de Cristo. Ele é também a figura da nossa caminhada da terra ao Céu, da fonte do Batismo até à felicidade eterna do Paraíso.

 

 «Esses […], quem são e de onde vieram?».

Nesta solenidade de Todos os Santos, o Apocalipse leva-nos pela mão a contemplar um vislumbre do Céu.

Perante a visão gloriosa dos eleitos junto de Deus, «Um dos Anciãos tomou a palavra e disse-me:
 “Esses que estão vestidos de túnicas brancas,
 quem são e de onde vieram?”»

Rezamos no Credo: “E de novo há-de vir para julgar os vivos e os mortos, e o Seu Reino não terá fim.”

Estamos quase a terminar o Ano Litúrgico. Ele simboliza a nossa caminhada na terra, desde o presépio de Belém até à instauração definitiva do Reino de Cristo.

Esta vida é um tempo de prova e terminará com um exame no fim do qual nos será atribuído o prémio – a felicidade eterna do Céu – ou o castigo no inferno, o que Deus não permita.

Hoje a Liturgia convida-nos a contemplar por momentos o prémio que nos está reservado no Céu, a felicidade para sempre, na comunhão da Verdade, da Alegria e do Amor com a Santíssima Trindade, Nossa Senhora, os Anjos e todos os eleitos, para sempre.

  • Marcados com o selo do Deus vivo. O selo é usado pela autoridade competente para garantir a autenticidade, evitando que quem vai usar o documento seja enganado.

O selo do Deus vivo aplicado aos eleitos garante a autenticidade das suas vidas e das suas virtudes. Muitas pessoas contentam-se com as aparências, com o “faz de conta”, com uma vida fingindo que é boa, mas ocultando as maldades que têm no coração. O selo do Deus vivo quer dizer que estas vidas são autenticamente santas, agradáveis a Deus.

O Senhor lembra-nos que não basta parecer, mas é preciso ser, cultivar a autenticidade, a verdade na vida, aos olhos de Deus.

  • Uma grande multidão de eleitos. Um dia perguntaram a Jesus, do meio da multidão, se eram muitos os que se salvavam.  Jesus achou que esta curiosidade não tinha interesse, porque Deus salva as pessoas uma a uma, dentro da comunidade familiar que é a Igreja. Ninguém se salva à boleia, pendurado na santidade dos outros, mas pelos méritos de Jesus e pelas suas obras boas.

O texto de Apocalipse, ao falar dos eleitos, diz-nos que era «uma multidão imensa,
que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas.»

O número 144.000 apresentado no Apocalipse é simbólico, obtido quando se multiplicam as doze tribos de Israel por 12.000 pessoas.

  • Que fazem no Céu? Na visão do Apocalipse diz que os eleitos «Estavam de pé, diante do trono e na presença do Cordeiro, vestidos com túnicas brancas e de palmas na mão. E clamavam em alta voz: “A salvação ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro”.»
  1. Paulo diz que «nem os olhos viram, nem os ouvidos ouviram, nem passou já pela cabeça do homem o que Deus tem preparado para aqueles que O amam.» (I Cor 2, 9).

O Apocalipse, depois de nos ter apresentado um vislumbre do Céu, conclui: «E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas.» (Apoc 21, 7).

 

  1. Os bem aventurados

Costumamos referir-nos aos santos designando-os por bem aventurados, o que significa felizes.

De facto, quando no Sermão da Montanha Jesus explicou o caminho da santidade cristã, designou os que se esforçam por alcançá-la como bem aventurados.

O Papa Francisco, na Exortação Apostólica sobre a santidade cristã, Alegrai-vos e Exultai, diz que «não há nada de mais esclarecedor do que voltar às palavras de Jesus e recolher o seu modo de transmitir a verdade. Jesus explicou, com toda a simplicidade, o que é ser santo; fê-lo quando nos deixou as bem-aventuranças (cf. Mt 5, 3-12; Lc 6, 20-23). Estas são como que o bilhete de identidade do cristão. Assim, se um de nós se questionar sobre «como fazer para chegar a ser um bom cristão», a resposta é simples: é necessário fazer – cada qual a seu modo – aquilo que Jesus disse no sermão das bem-aventuranças.» (Cf. Francisco, Homilia da Missa na Casa de Santa Marta, 9 de junho de 2014) (n.º 63).

E se as bem aventuranças são o rosto de Jesus, porque nelas nos manifesta o Seu íntimo, o Seu Coração, elas são também o bilhete de identidade de todo o cristão.

«A palavra «feliz» ou «bem-aventurado» torna-se sinónimo de «santo», porque expressa que a pessoa fiel a Deus e que vive a sua Palavra alcança, na doação de si mesma, a verdadeira felicidade.» (n.º 64). Assim, neste texto do evangelho de S. Lucas, o Mestre ensina-nos que bem aventurado, feliz e santo são a mesma coisa.

Jesus contrapõe a mentalidade e o comportamento dos que voltaram as costas ao Céu à dos que procuram a sério fazer da vida um caminho para o Paraíso, animando-nos a não nos deixarmos levar pelo ambiente, mas a remar contra a corrente. «Estas palavras de Jesus, não obstante possam até parecer poéticas, estão decididamente contracorrente ao que é habitual, àquilo que se faz na sociedade; e, embora esta mensagem de Jesus nos fascine, na realidade o mundo conduz-nos para outro estilo de vida. As bem-aventuranças não são, absolutamente, um compromisso leve ou superficial; pelo contrário, só as podemos viver se o Espírito Santo nos permear com toda a sua força e nos libertar da fraqueza do egoísmo, da preguiça, do orgulho.» (n.º 65).

  • A pobreza em espírito. À ambição desmedida dos bens materiais, Jesus contrapõe o desprendimento, o viver pessoalmente só com o necessário, o indispensável, conservando o coração livre. «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu.»

«As riquezas não te dão segurança alguma. Mais ainda: quando o coração se sente rico, fica tão satisfeito de si mesmo que não tem espaço para a Palavra de Deus, para amar os irmãos, nem para gozar das coisas mais importantes da vida. Deste modo priva-se dos bens maiores.» (n.º 68).

  • A mansidão. Enquanto alguns pensam que a melhor arma para conquistar o mundo e as pessoas é a força física e mesmo a violência sob todas as suas formas, Jesus aponta-nos a mansidão.

Este mundo «é um lugar de inimizade, onde se litiga por todo o lado, onde há ódio em toda a parte, onde constantemente classificamos os outros pelas suas ideias, os seus costumes e até a sua forma de falar ou vestir. Em suma, é o reino do orgulho e da vaidade, onde cada um se julga no direito de elevar-se acima dos outros.» (n.º 71). «Felizes os mansos, porque possuirão a terra.» A mansidão é um dos frutos do Espírito Santo.

  • Chorar com os que choram. O ambiente em que vivemos desafia-nos para enchermos a vida com «o entretenimento, o prazer, a distração, o divertimento. E diz-nos que isto é que torna boa a vida. O mundano ignora, olha para o lado, quando há problemas de doença ou aflição na família ou ao seu redor. O mundo não quer chorar: prefere ignorar as situações dolorosas, cobri-las, escondê-las. Gastam-se muitas energias para escapar das situações onde está presente o sofrimento, julgando que é possível dissimular a realidade, onde nunca, nunca, pode faltar a cruz.» (n.º 71).

Trata-se de um caminho enganoso que Jesus denuncia. Ele convida-nos a ter contrição dos nossos pecados e a chorar com os que choram, socorrendo os que precisam da nossa ajuda solidária para levar a cruz. É preciso ser capaz de chorar com os que choram.

«Esta pessoa é consolada, mas com a consolação de Jesus e não com a do mundo. Assim pode ter a coragem de compartilhar o sofrimento alheio, e deixa de fugir das situações dolorosas. Desta forma, descobre que a vida tem sentido socorrendo o outro na sua aflição, compreendendo a angústia alheia, aliviando os outros. Esta pessoa sente que o outro é carne da sua carne, não teme aproximar-se até tocar a sua ferida, compadece-se até sentir que as distâncias são superadas.» (n.º 76).

  • Uma justiça evangélica. A justiça que muitas vezes é apresentada nas instituições humanas é falsa, com a lei manipulada para interesse de algumas pessoas.

A corrupção é uma praga dos nossos dias, muitas vezes habilmente disfarçada por leis que os homens nos impõem. «A realidade mostra-nos como é fácil entrar nas súcias da corrupção, fazer parte dessa política diária do «dou para que me deem», onde tudo é negócio. E quantas pessoas sofrem por causa das injustiças, quantos ficam assistindo, impotentes, como outros se revezam para repartir o bolo da vida. Alguns desistem de lutar pela verdadeira justiça, e optam por subir para o carro do vencedor. Isto não tem nada a ver com a fome e sede de justiça que Jesus louva.» (n.º 78).

O Santo Padre diz-nos que “Buscar a justiça com fome e sede: isto é santidade.”

  • O dom da misericórdia. «A misericórdia tem dois aspetos: é dar, ajudar, servir os outros, mas também perdoar, compreender. […] É preciso pôr em prática o ensinamento evangélico: «o que quiserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles» (Mt 7, 12).» (n.º 80).

«Dar e perdoar é tentar reproduzir na nossa vida um pequeno reflexo da perfeição de Deus, que dá e perdoa superabundantemente. Por esta razão, no Evangelho de Lucas, já não encontramos «sede perfeitos» (Mt 5, 48), mas «sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso. Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados. Dai e ser-vos-á dado» (6, 36-38).» (n.º 81).

Jesus não proclama felizes os que se vingam, odeiam ou guardam ressentimento, mas os que usam de misericórdia, porque alcançarão misericórdia.

  • Viver com o coração limpo. Vivemos num mundo de erotismo onde, para muitos, o único valor é a sensualidade e alguma da nossa comunicação social empurra-nos para este caminho de imundície moral.

As pessoas deixam-se cair na escravidão da sensualidade onde não encontram aquela felicidade com que sonhavam, mas a amargura da vida, depois de um prazer passageiro, e reduzidas a uma despótica escravidão de maus hábitos.

Jesus quer evitar este engano e proclama felizes aqueles e aquelas que guardam o coração puro, limpo e livre da escravidão da carne.

  • Construtores da verdadeira paz. Ao falar da necessidade da paz, não pensemos apenas nas guerras que surgem continuamente em diversos pontos do mundo, como os incêndios nos nossos montes.

Pensemos nas guerras que ateamos com as nossas murmurações, divulgação cruel dos defeitos e pecados dos outros, nas divisões que causamos com a inveja, o ódio, a malquerença, a recusa em perdoar os agravos, a reação por um orgulho ferido. 

Quantas pessoas – mesmo das que se julgam piedosas – são incendiárias de guerras sem darem por isso. «O mundo das murmurações, feito por pessoas que se dedicam a criticar e destruir, não constrói a paz. Pelo contrário, tais pessoas são inimigas da paz e, de modo nenhum, bem-aventuradas.» (n.º 87).

A “difamação e a calúnia são comparáveis a um ato terrorista: atira-se a bomba, destrói e o terrorista segue o seu caminho feliz e tranquilo. Isto é muito diferente da nobreza de quem se aproxima para falar face a face, com sinceridade serena, pensando no bem do outro.” (Papa Francisco, ibidem).

Sejamos pacíficos, construtores de pontes que unem, e não de muros que separam, e alcançaremos a paz.

  • Sofrer perseguição por amor de Jesus Cristo. «Para viver o Evangelho, não podemos esperar que tudo à nossa volta seja favorável, porque muitas vezes as ambições de poder e os interesses mundanos jogam contra nós. São João Paulo II declarava «alienada a sociedade que, nas suas formas de organização social, de produção e de consumo, torna mais difícil a realização [do] dom [de si mesmo] e a constituição [da] solidariedade inter-humana».» (n.º 91).

Abracemos a cruz da incompreensão, da crítica injusta, da acepção de pessoas a que somos submetidos por causa da nossa fidelidade a Cristo e seremos bem aventurados.

Maria Santíssima, na sua vida terrena, viveu em plenitude o espírito das bem aventuranças e, por isso, pode ajudar-nos a vivê-las se lho pedirmos com toda a confiança filial.

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