Como surgiu a Quaresma?
Para colherem os frutos espirituais da Páscoa, os cristãos entenderam que era necessário preparar esta festa. Começaram então a introduzir o costume de a preceder com dois dias dedicados à oração, à reflexão e ao jejum, em sinal de luto pela morte de Cristo. A pouco e pouco, este período de preparação foi ampliado: no século III passou a ser de uma semana, depois passou para três semanas, até que no século IV se chegou aos quarenta dias…Tinha surgido a Quaresma. O concílio de Niceia (325 d.C.) fala da quadragésima como de uma instituição conhecida por todos e difusa em todo o lado.
A festa da Páscoa não só devia ser preparada, mas era preciso encontrar também o modo de prolongar a sua alegria e riqueza espiritual. Foram bem cedo instuídas as chamadas sete semanas, os 50 dias de Pentecostes que deviam ser celebrados com grande alegria porque – como explicava no século II Ireneu, bispo de Lião – «são como um único dia de festa que tem a mesma importância do domingo». Durante os dias de Pentecostes, rezava-se em pé, estava proibido o jejum e administrava-se os batismos. Enfim, queria-se que o dia de Páscoa durasse 50 dias.
Porquê precisamente 40 dias?
Quando encontramos números na Bíblia, devemos ter cautela ao interpretar o seu significado porque, muitas vezes, têm um valor simbólico. Assim, quando se fala no número 40 ou de um seu múltiplo, não quer dizer que se trate exatamente de 40, trata-se de um tempo simbólico que pode ser longo ou breve.
Por exemplo, é difícil acreditar que Elias tenha podido caminhar durante quarenta dias e quarenta noites até ao monte de Deus, o Horeb, depois de ter comido apenas pão cozido sob a cinza e de ter bebido um copo de água, que Moisés tenha passado 40 dias e 40 noites no Sinai, sem comer pão e sem beber água e que também Jesus tenha conseguido fazer o mesmo.
O número 40 tinha muito significados, referia-se à vida de toda uma geração ou então indicava toda uma vida. Tinha também um outro significado que agora nos interessa de modo particular: indicava um período de preparação (mais o menos longo) para um grande acontecimento. Por exemplo: o Dilúvio durou 40 dias e 40 noites… e preparou uma humanidade nova; 40 anos passou o povo de Israel no deserto…para se preparar para entrar na terra prometida; durante 40 dias fizeram penitência os habitantes de Nínive… antes de receberem o perdão de Deus; 40 dias e 40 noites caminhou Elias… para chegar ao monte de Deus; 40 dias e 40 noites jejuaram Moisés e Jesus … para se prepararem para a sua missão. Então, para preparar a maior das festas cristãs, quantos dias seriam necessários? 40, naturalmente!
O que fazer na Quaresma?
Desde os tempos antigos, a Quaresma foi considerada um período de renovação da vida. As práticas a cumprir eram sobretudo três: a oração, a luta contra o mal e o jejum.
A oração – que não se deve identificar ou reduzir a uma monótona repetição de fórmulas ou a um pedido de graças e favores – coloca em sintonia com os pensamentos e os projetos de Deus e é o primeiro ato que deve fazer quem se quer converter e acreditar no Evangelho.
A luta contra o mal. O evangelista Marcos afirma que, depois do seu batismo, Jesus foi impelido pelo Espírito para o deserto e aí ficou quarenta dias, tentado por Satanás.
Novamente o número quarenta. Todavia a vida de Jesus é indicada com este número que quer também evocar o tempo passado por Israel no deserto. Lá o povo cedeu à tentação e abandonou o seu Deus. Jesus repete esta experiência: durante os seus «quarenta dias», isto é, durante toda a sua vida, enfrenta as forças do mal e vence-as. Ele sairá do «deserto» só após a vitória sobre a última tentação, a mais dramática, a de duvidar do abandono por parte do Pai.
Por último o jejum. Para seguir o Mestre o cristão deve esquecer-se de si mesmo, do próprio interesse e pensar apenas no bem do irmão. Esta atitude generosa e desinteressada exige uma grande capacidade de renúncia e de desapego e não é possível atingi-la sem se submeter a uma dura ascese.
O objetivo mais imediato do jejum é sacudir a própria inércia, a indolência, levar ao autocontrole, dar a força para superar a tendência a escapar ao esforço e ao sacrifício.
Quaresma, tempo de reconciliação
A Quaresma é tempo favorável para, através de diversas formas, renovarmos a nossa fidelidade cristã. O gesto de imposição das mãos na quarta-feira de cinzas leva-nos a tomar consciência da nossa condição de pecadores. A Quaresma é tempo propício para o aprofundamento do desígnio de Deus sobre cada um. É tempo de renunciar, de converter e de crer.
Ao longo destes 40 dias, as leituras sugerirão: sentido de jejum e da partilha, amor ao próximo, importância da oração, conversão, justiça de Deus, a sua misericórdia, o perdão e a reconciliação. Estas leituras quaresmais levam-nos a interrogarmo-nos: como vivemos as exigências do nosso batismo? Sugere-se mais reflexão sobre a Palavra de Deus, mais oração e a Via-Sacra.
A Quaresma exige que façamos a revisão das nossas competências. Se lutamos por ser competentes ou somos “do despacha”, porque custa. Também exige que façamos a revisão da nossa moralidade: os nossos costumes, os nossos valores, as nossas acções.
Assim como diz o Catecismo da Igreja Católica, entremos numa linha de ascese (esforço, sacrifício) e deixemos de lado a acédia (preguiça espiritual).