Boas maneiras, urbanidade e decoro. O dicionário define o decoro com sendo respeito de si mesmo e dos outros, decência, compostura, dignidade, honestidade, vergonha, pundonor, nobreza. A Carta Encíclica «A Igreja vive da Eucaristia» do Papa João Paulo II dedica o capítulo V a “o decoro da celebração eucarística”. A palavra “decoro” tem um significado concreto, preciso e exacto, mas poderíamos dizer a ideia do Papa com outras palavras que traduzem o sentido deste “decoro”:
– respeito de si mesmo e dos outros na celebração eucarística,
– decência na celebração eucarística,
– dignidade na celebração eucarística,
– honestidade na celebração eucarística,
– vergonha na celebração eucarística,
– nobreza na celebração eucarística.
A Última Ceia e a unção de Betânia foram as cenas escolhidas pelo Papa para introduzir a questão, que já na altura foi polémica para os discípulos, particularmente Judas. O perfume precioso derramado sobre os pés de Jesus naquele lugar e naquele momento foi considerado um «desperdício» e um atentado contra os pobres. Teria sentido no dia da coroação de Jesus como Rei de Israel e o próprio Judas tomaria a iniciativa de fazer uma colecta para dela tirar dividendos. O evangelista João presenciou a cena e comentou que Judas «era ladrão» e não se preocupava com os pobres (cf. Jo 12, 6). A cultura da luta contra a pobreza terá de partir do amor que produz riqueza e não do dinheiro que gera pobreza.
No seu ensino, Jesus revelou e explicou os mistérios do Reino. O perfume precioso era desperdício para Judas, mas era a melhor parte e a expressão da fé de Maria. Para Jesus aquilo era o bálsamo que recebia em vida, porque depois da morte só havia lugar para a ressurreição. As coisas do Reino não se regem pelos critérios humanos, mas pela sabedoria da Cruz. A Virgem Maria foi constituída cheia de graça para nela ser gerado e ter digna morada o Filho de Deus. Para instituir a Eucaristia, o sacerdócio e o mandamento novo da caridade cristã, Jesus mandou discípulos adiante para fazem uma cuidadosa preparação da «grande sala» necessária para a páscoa com os seus. Os apóstolos aprenderam a lição que transmitiram à Igreja. «Tal como a mulher da unção de Betânia, a Igreja não temeu «desperdiçar», investindo o melhor dos seus recursos para exprimir o seu enlevo e adoração diante do dom incomensurável da Eucaristia. À semelhança dos primeiros discípulos encarregados de preparar a «grande sala», ela sentiu-se impelida, ao longo dos séculos e no alternar-se das culturas, a celebrar a Eucaristia num ambiente digno de tão grande mistério. Foi sob o impulso das palavras e dos gestos de Jesus, desenvolvendo a herança ritual do judaísmo, que nasceu a liturgia cristã … O Banquete eucarístico é verdadeiramente banquete «sagrado», onde, na simplicidade dos sinais, se esconde o abismo da santidade de Deus: O Sacrum convivium, in quo Christus sumitur! – «Ó Sagrado Banquete, em que se recebe Cristo! » (A Igreja vive da Eucaristia, n. 48).
A humildade do centurião do Evangelho é um ícone da sensibilidade da Igreja que se confessa tão necessitada de Jesus, como indigna de O acolher na sua casa. Esta fé, tão grande como humilde e verdadeira, foi expressa ao longo dos séculos pela liturgia da Igreja, que deu origem a uma cultura, que agora é posta em causa pelos próprios ministros do culto. A Igreja precisa de arrumar a casa, preparar as coisas necessárias para a liturgia e só a partir da liturgia estará em condições de evangelizar os homens que Deus quer salvar. «A liturgia é simultaneamente a meta para a qual se encaminha a acção da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força» (SC 10). A falta desta cultura cristã está na origem da má educação, falta de respeito e decência, não tanto para com Deus em Si – o Altíssimo da revelação de Jesus – mas para com os homens cuja humanidade Cristo encarnou.
O decoro litúrgico não é o teatro clerical que tantos leigos procuram imitar, mas a verdade do culto cristão, expresso em celebrações dignas do homem todo que Deus quer salvar. Este decoro é o perfume precioso dos crentes que escolhem a melhor parte e acreditam que os bens deste mundo se destinam a quem pertencem por doação divina. Os lugares de culto são edificados para morada de Deus na terra e trono celeste. O recheio litúrgico e os ritos sagrados proclamam a glória de Deus. Entretanto, hoje como sempre, surgem modas incompatíveis com a fé cristã e o decoro da sua liturgia.
A intervenção pontifícia descreve a situação da liturgia e exorta à fé da Igreja: «Compreende-se a grande responsabilidade que têm sobretudo os sacerdotes na celebração eucarística, à qual presidem in persona Christi. … Temos a lamentar, infelizmente, que sobretudo a partir dos anos da reforma litúrgica pós-conciliar, por um ambíguo sentido de criatividade e adaptação,não faltaram abusos, que foram motivo de sofrimento para muitos. Uma certa reacção contra o «formalismo» levou alguns, especialmente em determinadas regiões, a considerarem não obrigatórias as «formas» escolhidas pela grande tradição litúrgica da Igreja e do seu magistério e a introduzirem inovações não autorizadas e muitas vezes completamente impróprias. Por isso, sinto o dever de fazer um veemente apelo para que as normas litúrgicas sejam observadas, com grande fidelidade, na celebração eucarística. … A liturgia nunca é propriedade privada de alguém, nem do celebrante, nem da comunidade onde são celebrados os santos mistérios» (A Igreja vive da Eucaristia, n. 52).
Este apelo do Santo Padre inspira-se no exemplo do apóstolo Paulo (cf. 1 Cor11, 17-34) que «teve de dirigir palavras ásperas à comunidade de Corinto pelas falhas graves na sua celebração eucarística, que tinham dado origem a divisões e à formação de facções» (A Igreja vive da Eucaristia, n. 52).
O Boletim de Pastoral Litúrgica vai dar o seu contributo com uma nova programação que ajude ao decoro da liturgia mediante aexplicação do sentido profundo das normas litúrgicas por que se regem as celebrações dos mistérios da salvação dos homens.
PEDRO LOURENÇO FERREIRA
BOLETIM DE PASTORAL LITÚRGICA