Experiência nova

Experiência nova e inusitada. O covid-19 é o responsável e as regras sociais da República a isso obrigam. Receber um caixão e proceder ao enterramento do pai, acreditando ser ele, porque nem foi permitido despedir-se nem visitá-lo no hospital. Debitar sabedoria diante de um écran de computador como se fosse uma aula sem a presença física dos alunos. Sentir-se recluso sem ser criminoso, confinado a um espaço de reduzidas dimensões, convivendo só com o nuclear agregado familiar. Uso forçado de novas tecnologias, visão e audição em faz-de-conta, impossibilidade de diversificação de atividades, repetição dos mesmos gestos, ontem, hoje, amanhã. Neuroses em despique e corrida sem controle para a queda no desespero ou no nada. A necessidade de comunicação foi o grande trunfo da Internet que, creio, tem lucrado milhões. De facto, é uma experiência nova e inusitada. Nós não fomos criados para isto. Faltou-nos espaço e sobrou tempo? Não. Faltou-nos relacionamento e sobrou nervosismo! Não me admiro que o primeiro ministro tenha dito que as pessoas andam nervosas e que o quotidiano repetido lhes parece uma eternidade. Uma eternidade no mau sentido, porque a eternidade tem sempre relação com a felicidade e, aqui, não! Falta o convívio, o encontro, o estar com, o dizer umas coisas, o tomar um copo ou um café, o aperto de mão, o abraço, o beijo. Ser-com-os-outros e para os outros pertence ao núcleo da existência humana. O curioso é que, no confinamento, se misturam circunstâncias geográficas com razões sociológicas, espaços forçados com necessidade de extravasamento, reações quase instintivas com relações profundamente humanas e familiares. E ninguém, por natureza ou instinto, está no mundo para viver só. Somos seres sociais, somos seres-de-relação. As circunstâncias de isolamento forçado ajudam-nos a compreender como se conjugam perfeitamente os conceitos de presença e de ausência – dois sentimentos antagónicos que a palavra “saudade” tão bem explicita. Que saudades temos da presença dos amigos! O isolamento é contra-natura. Nós definimo-nos pela sociabilização. A experiência do vazio e do nada caracteriza a nossa civilização dominada pela técnica e pelo funcionalismo. Mas o que temos de fazer é a experiência da liberdade, vivida em comunidade e em sociedade, espevitando os vínculos que nos unem aos outros no trabalho, na dor, na alegria, no amor, na amizade, nos próprios conflitos e na esperança. O sentido que damos à existência e a possibilidade de realizar a autêntica liberdade dependem dos outros. Os “outros” são o que tem faltado no confinamento. E isso é doloroso porque pertence ao núcleo da existência humana a certeza de que nunca se está só e de que cada um só se desenvolve realizando-se em comunhão, sob pena de, faltando essa comunhão, nunca ser feliz – porque ninguém consegue ser feliz sozinho. A presença é a primeira linguagem de comunicação, mesmo sem palavras …

Fonte: https://agencia.ecclesia.pt

Autor: Cónego Manuel Maria Madureira, Arquidiocese de Évora

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