- Jesus, que é o rosto do Pai, perdoa…
«Muitos escandalizam-se por Jesus Se sentar à mesa com os pecadores e conviver com eles. E mais ainda por Ele poder perdoar os pecados. Mas Jesus insiste: “pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem na terra poder de perdoar os pecados, ordeno-te – disse ao paralítico – levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa” (Mc 2,10).
O amor misericordioso pelos pecadores é um dos traços caraterísticos da missão de Jesus. O seu estilo revela o estilo de Deus, muito diverso daquele que os homens são levados a atribuir-Lhe.
Porque é que – interroga-se Simão o fariseu que O convidou para sua casa – o Mestre permite que uma prostituta Lhe banhe os pés com as suas lágrimas, os beije e os unja com perfume? A sua lógica não Lhe permite intuir, nem sequer de longe, o que se realiza na sua frente. “Os teus pecados te são perdoados”, diz Jesus à pecadora… “A tua fé te salvou; vai em paz!” (Lc 7,48.50). É o milagre do amor de Deus pelos pecadores, porque os quer salvar.
Deus não só é juiz, como acima de tudo é Pai. Por isso, Simão o fariseu, não consegue compreender o comportamento de Jesus. Ele apenas vê os pecados da mulher, não o arrependimento gerado nela pelo amor misericordioso de Deus. Jesus procurará fazer-lhe compreender que o verdadeiro pecador é ele, Simão, porque, no seu coração condena aquela misericórdia da qual ele próprio tem necessidade; porque sem o perdão dos pecados não existe salvação. Deus é, pois, um credor que perdoa sempre as dívidas dos que Lhe pedem com o coração puro e sem qualquer presunção.
Mas o amor de Deus também é exigente. Não chegam os nossos sentimentos de sincera humildade; quer-nos dispostos a assumir a nossa parte de responsabilidade.
Assim, à mulher adúltera que trouxeram à sua frente, Jesus impõem um novo compromisso, cheio de novidade: “Nem Eu te condeno; vai, e de agora em diante, não tornes a pecar” (Jo 8,11).
Os milagres de Jesus são o sinal de que a salvação de Deus se encontra em ação e de que o Reino está a caminho. A quem crê é dado o perdão dos pecados, a libertação do mal, a força de Deus que transforma o homem a partir do íntimo e o introduz no Reino».
- A Igreja ensina que …
«Só Deus perdoa os pecados. Jesus, porque é Filho de Deus, diz de Si próprio: “O Filho do Homem tem na Terra o poder de perdoar os pecados” (Mc 2,10) e exerce este poder divino: “Os teus pecados são-te perdoados!” (Mc 2,5; Lc 7,48). E mais, em virtude da sua autoridade divina, concede este poder aos homens para que o exerçam em seu nome».
A história de Israel foi, também ela, a história do perdão de Deus sempre oferecido e sempre renovado, quando, por seu lado, o povo multiplicava as infidelidades à Aliança. Ele deixa-se seduzir pelo culto do Bezerro de ouro. Entrega-se à perseguição dos justos, dos fracos ou dos emigrantes… Deus, porém, permanece fiel. Quaisquer que sejam as recusas do homem, Ele não cessa de lembrar o seu amor. Procura tocar o coração do povo fiel. Envia-lhe profetas. Estes denunciam com vigor os comportamentos maus tanto do povo como dos reis ou dos sacerdotes. Convidam-nos a reconhecerem as suas faltas, a afastarem-se do mal e a voltarem-se para Deus e para a Aliança. Deus conduz o seu povo no deserto ou no exílio. Pede-lhe, “chamando-lhe “esposa infiel”, que reavive o seu amor de “noiva” (Cf. Os 2-3; Ez 16). Anuncia por fim uma Nova Aliança. Será a de um povo reconciliado com o seu Deus, portador de paz em si mesmo e para o mundo inteiro (Cf. Jr 31,31 ss; Ez 16,60 ss).
- Deus quer o nosso arrependimento
A primeira disposição é o arrependimento, a «contrição». O pecador deve ser lúcido e reconhecer que agiu mal, que feriu o amor de Deus e dos outros, que fez mal à Igreja e à comunidade humana.
A palavra contrição sublinha a profundidade desta atitude interior: ter o coração partido, esmagado. É evidente que quanto mais o cristão ama a Deus, mais se arrepende; se amar menos terá o coração menos contrito. A contrição é proporcional ao amor e não propriamente à falta, de modo diferente do remorso que está ligado à culpabilidade e à sua ressonância na consciência. As motivações do arrependimento podem ser múltiplas, indo desde o amor perfeito de Deus ao simples temor das consequências geradas pelas faltas cometidas. A atitude espiritual de arrependimento, de contrição ou de penitência constitui um dos aspetos da graça sacramental. O apreço dado a esta graça explica que um cristão possa desejar receber frequentemente o sacramento.
A contrição gera logicamente no pecador a vontade de mudar a maneira de pensar e de viver e também a de reparar os danos causados aos outros ou a si mesmo. Esta reparação é chamada tradicionalmente «satisfação» ou ainda «a penitência».
- Deus perdoa e quer que perdoemos
Perdoai as nossas ofensas…
«Começámos a orar ao nosso Pai com um sentimento de audaciosa confiança. Suplicando-Lhe que o seu nome fosse santificado, pedimos-Lhe para sermos cada vez mais santificados. Mas, apesar de revestidos da veste batismal, não deixámos de pecar, de nos desviarmos de Deus. Agora, nesta nossa petição, voltamos a Ele, como o Filho pródigo, e reconhecemo-nos pecadores na sua presença, como o publicano. A nossa petição começa por uma “confissão” em que, ao mesmo tempo, confessamos a nossa miséria e a sua misericórdia. A nossa esperança é firme, pois que em seu Filho “nós temos a redenção, a remissão dos nossos pecados” E o sinal eficaz e indubitável do seu perdão, encontramo-lo nos sacramentos da sua Igreja».
«Ora – e isso é temível – esta onda de misericórdia não pode penetrar os nossos corações enquanto não tivermos perdoado àqueles que nos ofenderam. O amor, como o Corpo místico de Cristo, é indivisível: nós não podemos amar a Deus, a quem não vemos, se não amamos o irmão ou a irmã, que vemos. Na recusa de perdoar aos nossos irmãos ou irmãs, o nosso coração fecha-se mais, a sua dureza torna-o impermeável ao amor misericordioso do Pai. Na confissão do nosso pecado, o nosso coração abre-se à sua graça».
- … Como nós perdoamos a quem nos tem ofendido
«Este “como” não é único no ensinamento de Jesus. “Sede perfeitos “como” o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48); “sede misericordiosos “como” o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36); dou-vos um mandamento novo: amai-vos uns aos outros “como” Eu vos amei” (Jo 13,34). Observar o mandamento do Senhor é impossível, quando se trata de imitar do exterior o modelo divino. Trata-se duma participação vital, vinda “do fundo do coração”, na santidade, na misericórdia e no amor do nosso Deus. Só o Espírito, que é “nossa vida” (Hl 5,25), pode fazer “nossos” os mesmos sentimentos que existiram em Jesus Cristo. Então, a unidade do perdão torna-se possível, “perdoando-nos mutuamente “como” Deus nos perdoa em Cristo” (Ef 4, 32)».
«Assim se dá vida às palavras do Senhor sobre o perdão. Ele é o amor que ama até aos últimos limites do amor. A parábola do servo impiedoso, que remata o ensinamento do Senhor sobre a comunidade eclesial, termina por esta palavra: “Assim procederá convosco meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar a seu irmão de todo o coração”. É aí, de facto, “no fundo do coração”, que tudo se ata e desata. Não está em nosso poder deixar de sentir e esquecer a ofensa; mas o coração que se entrega ao Espírito Santo muda a ferida em compaixão e purifica a memória, transformando a ofensa em súplica de intercessão».
Vamos agora comparar a nossa capacidade de perdão com a capacidade de Deus em perdoar-nos.
-Temos facilidade em desculpar as ofensas que nos fazem?
-Perdoamos mesmo, do fundo de nós mesmos?
-E Deus, como nos perdoa?
– Que disposições Deus nos exige para nos conceder o perdão?
-Quais os meios ao nosso alcance para obtermos o perdão de Deus?
Autor: D. Manuel Madureira Dias, Bispo Emérito do Algarve