A fé é uma dimensão essencial da nossa vida cristã. Vamos debruçar-nos sobre a exclamação de fé de S. Tomé na aparição de Jesus Ressuscitado aos onze reunidos no Cenáculo: «Meu Senhor e meu Deus» (Jo 20,28). Revê-la em oração deve ser motivo de enriquecimento interior, de aprofundamento da nossa própria fé.
DA DÚVIDA À CERTEZA
Tomé, um dos doze escolhidos pelo Senhor presentada na tradição cristã o homem que divida e põe exigências. Ver para crer. Não crer sem ver. Nada, nem a palavra dos irmãos na fé de Pedro o chefe do grupo, nem o testemunho de paz e alegria dos colegas, o persuadem. Só vendo acreditará.
Jesus vai ser condescendente. Depois de Ressuscitado vem conquistar todos à fé, à certeza da divindade da sua Pessoa, à evidência eloquente de tudo aquilo que Ele próprio lhes tinha dito e pré-anunciado. Vem libertar a todos da tristeza, da dúvida, do medo. Vem chamar todos à alegria da vida nova pascal. Já tinha aparecido aos dez, aos de Emaús, a Pedro, às santas mulheres, a Madalena. Do grupo dos amigos mais chegados só faltava Tomé porque estava ausente quando no domingo anterior Jesus apareceu no cenáculo. Mas o Mestre vai fortifica-lo. Com divina delicadeza, aprece e começa exatamente com as palavras que Tomé disse na sua ausência, na sua teimosia incredulidade. Pega-lhe na palavra e move-o por dentro à adesão de fé.
Em cada um de nós há um Tomé. Todos temos, sobretudo em certos momentos, a ousadia da exigência de ver para crer. A nossa fé anda à mistura com muita incredulidade. Em situações difíceis ousamos pedir e colocar exigências a Deus. Não confiamos na sua Palavra até ao limite do abandono. Nos momentos duros, nas noites escuras, nas horas de purificação, nas situações de renúncia ou de morte de grão de trigo, tentamos a Deus, querendo provas, querendo «ver para acreditar».
A FELICIDADE DE ACREDITAR SEM VER
A última bem-aventurança é-nos dirigida. Acreditar sem ver. Não pondo condições ao Deus que é Fiel. Como Abraão «Acreditar contra toda a esperança», aceitar na fé toda a provação (Heb. 11,8-19). A fé não é cega ou insensata, não é fuga ou alienação. É certeza na Palavra d’Aquele que não se engana, nem nos engana. É salto do abismo de Deus, confiados no seu amor de Pai. E mesmo quando tudo nos parece contraditório, vazio, sem sentido divino e humano, ter fé é dizer: apesar de tudo eu creio!
Só os fracos, os corações débeis, as almas anémicas, os espíritos duros, os imaturos espirituais, põem condições Aquele que, além de Senhor omnipotente, é Pai de infinito amor e de bondade máxima. Nada nos sucede sem a sua divina permissão.
No mundo da técnica, da ciência, tantas vezes ateia, da sociedade de consumo, da exigência do cálculo, da eficácia operatória… somos tentados a um materialismo ou a um racionalismo que nos mergulham na dúvida, na incerteza, na contestação, no vazio desesperador. O ter impõe-se sobre o ser, as trevas seduzem e arrastam e a fé vacila, torna-se obscura, semeia-se de trevas. Deixada a oração e a reflexão da Palavra que geram e alimentam o edifício interior, a fé torna-se frágil e exige condições a que não tem direito. «Felizes os que acreditam sem terem visto». Só acreditando se pode ter a felicidade de «ver» a Deus.
SENHOR E DEUS
«Jesus é Senhor» (Rom. 10,9) é a expressão paulina para exprimir o poder de Jesus, a dignidade do seu Nome, a grandeza do seu Reino. Já no Antigo Testamento se falava de «Senhor dos Senhores» (Dt. 10,17) e «Deus dos deus» (Samo 136,2s.). Absoluta soberania de Deus que muitas vezes é suavizada dum modo familiar pela expressão «meu Senhor» (Gén. 15,2).
O que no Antigo Testamento se afirmar de Deus Javés, é no Novo referido a Jesus Cristo. A Ressurreição de Jesus e a sua entronização à direita do Pai, dão-lhe todo o poder e toda a soberania. Rei e Senhor de todos os homens, com todo o poder no céu e na terra, com um nome que está acima de todo o nome. Primogénito de entre os mortos. Vencedor da morte e do pecado. Jesus é proclamado pelos céus, pela terra e pelos infernos, Senhor e Rei (Ef 2,10).
A expressão «Meu Senhor e meu Deus» usada por S.Tomé (Jo 20,28) resume dum modo admirável toda a fé pós-pascal e toda a adesão da Igreja primitiva. Nesta expressão de fé, nesta confissão de relação a Jesus Cristo, Deus e Homem perfeito. Filho de Deus feito Homem. Ele é o Senhor da História, o Rei do Universo. Hoje, à direita do Pai, em estado glorioso, Ele é o Senhor.
Só n’Ele há redenção, salvação, graça, vida, felicidade. Só n’Ele o homem encontra a solução para os seus problemas, as suas crises, as suas ânsias, os seus desejos.