O Papa Francisco revela na exortação apostólica pós-sinodal “Amoris Laetitia” uma declarada alegria do seu amor pela família e a determinação em fazer da Igreja, com as suas normas, sacramentos, comunidades, grupos, líderes e instâncias de diálogo ou de decisão o ambiente propício para a experiência familiar, configurada num ideal afirmado neste documento em termos semelhantes aos dos últimos 50 anos, sem dar como adquirido, no entanto, o percurso que é necessário fazer para o atingir.
Feita esta consideração, tudo o mais deve seguir uma das primeiras indicações do Papa Francisco, logo no início do documento, que não aconselha uma “leitura geral apressada” do longo texto, porque considera “ser de maior proveito, tanto para as famílias como para os agentes de pastoral familiar, aprofundar pacientemente uma parte de cada vez ou procurar nela aquilo de que precisam em cada circunstância concreta”. Na atual, nos momentos seguintes à divulgação do texto, uma anotação metodológica e uma referência à questão que concentrou debates nas assembleias sinodais e nos meses que se seguiram.
Seguindo de perto as várias sugestões que resultaram de duas assembleias sinodais, assim como indicações de várias conferências episcopais, o Papa Francisco não se fixa na norma geral e na sua aplicação indiferenciada nem muda tudo a partir de um novo corpo normativo, ditado como todos a partir de um centro, sem atender a todas as periferias. Neste caso, a pastoral familiar na Igreja Católica tem no documento “A Alegria do Amor” uma referência que, por um lado, foge ao “desejo desenfreado de mudar tudo sem suficiente reflexão ou fundamentação” e, por outro, “não pretende resolver tudo através da aplicação de normas gerais ou deduzindo conclusões excessivas de algumas reflexões teológicas”. A partir da relevante auscultação que precedeu cada reunião dos bispos de todo o mundo reunidos em Sínodo, dos debates que aí decorreram e da síntese feita pelo Papa na exortação pós-sinodal, resulta uma porta aberta a “uma pastoral positiva” a respeito da família, que “torna possível um aprofundamento gradual das exigências do Evangelho”.
Particularmente significativa é esta atitude a respeito de designadas “situações irregulares”. Seguindo essa metodologia, o Papa não equipara uniões de facto ou entre pessoas do mesmo sexo ao matrimónio; nem diz que o primeiro é igual ao segundo casamento e afirma o ideal da “união entre um homem e uma mulher, que se doam reciprocamente com um amor exclusivo e livre fidelidade, se pertencem até à morte e abrem à transmissão da vida, consagrados pelo sacramento que lhes confere a graça para se constituírem como igreja doméstica e serem fermento de vida nova para a sociedade”.
Assumindo que algumas formas de união “contradizem radicalmente este ideal” e outras “o realizam pelo menos de forma parcial e analógica”, o documento afirma, como as conclusões do Sínodo, que “não é possível dizer que todos os que estão numa situação chamada ‘irregular’ vivem em estado de pecado mortal, privados da graça santificante”, declarando também que “um pastor não pode sentir-se satisfeito apenas aplicando leis morais àqueles que vivem em situações ‘irregulares’, como se fossem pedras que se atiram contra a vida das pessoas.
Assim, o Papa propõe três ações – acompanhar, discernir e integrar a fragilidade – admitindo que a História da Igreja foi-se construindo umas vezes a partir da lógica da marginalização e outras da integração, optando claramente pela segunda, mesmo que seja um grande desafio e com contornos pouco definidos.
A Alegria do Amor do Papa Francisco pela família não se alarga a um relativismo generalizado nem esquece o realismo familiar da atualidade. É, aliás, a partir de famílias reais que o Papa sugere o amor como caminho de alegria para famílias reais.
Paulo Rocha, Agência ECCLESIA