A primeira parte do nosso texto é, portanto, constituída por um “dito” sobre a fé (vers. 5-6). Depois das exigências que Jesus apresentou, quanto ao caminho que os discípulos devem percorrer para alcançar o “Reino”, a resposta lógica destes só pode ser: “aumenta-nos a fé”. O que é que a fé tem a ver com a exigência do “Reino”?
No Novo Testamento em geral e nos sinópticos em particular, a fé não é, primordialmente, a adesão a dogmas ou a um conjunto de verdades abstractas sobre Deus; mas é a adesão a Jesus, à sua proposta, ao seu projecto – ou seja, ao projecto do “Reino”. No entanto, os discípulos têm consciência de que essa adesão não é um caminho cómodo e fácil, pois supõe um compromisso radical, a vitória sobre a própria fragilidade, a coragem de abandonar o comodismo e o egoísmo para seguir um caminho de exigência… Pedir a Jesus que lhes aumente a fé significa, portanto, pedir-Lhe que lhes aumente a coragem de optar pelo “Reino” e pela exigência que o “Reino” comporta; significa pedir que lhes dê a decisão para aderirem incondicionalmente à proposta de vida que Jesus lhes veio apresentar.
Jesus aproveita, na sequência, para recordar aos discípulos o resultado da “fé”. A imagem utilizada por Jesus (a ordem dada à “amoreira” para se arrancar da terra e ir plantar-se a ela própria no mar) mostra que, com a “fé” tudo é possível: quando se adere a Jesus e ao “Reino” com coragem e determinação, isso implica uma transformação completa da pessoa do discípulo e, em consequência, uma transformação do mundo que o rodeia. Aderir ao “Reino” com radicalidade é ter na mão a chave para mudar a história, mesmo que essa transformação pareça impossível… O discípulo que adere ao “Reino” com coragem e determinação é capaz de autênticos “milagres”… E isto não é conversa fiada: quantas vezes a tenacidade e a coragem dos discípulos de Jesus transformam a morte em vida, o desespero em esperança, a escravidão em liberdade!
Na segunda parte do nosso texto (vers. 7-10), Lucas descreve a atitude que o homem deve assumir diante de Deus. Os fariseus estavam convencidos de que bastava cumprir os mandamentos da Torah para alcançar a salvação: se o homem cumprisse as regras, Deus não teria outro remédio senão salvá-lo… A salvação dependia, de acordo com esta perspectiva, dos méritos do homem. Deus seria, assim, apenas um contabilista, empenhado em fazer contas para ver se o homem tinha ou não direito à salvação…
Jesus coloca as coisas numa dimensão diferente. A atitude do discípulo – desse discípulo que adere a Jesus e ao “Reino”, que faz as “obras do Reino” e que constrói o “Reino” – frente a Deus não deve ser a atitude de quem sente que fez tudo muito bem feito e que, por isso, Deus lhe deve algo; mas deve ser a atitude de quem cumpre o seu papel com humildade, sentindo-se um servo que apenas fez o que lhe competia.
O que Jesus nos pede no Evangelho de hoje é que percorramos, com coragem e empenho, o “caminho do Reino”. Quando o discípulo aceita percorrer esse caminho, é capaz de operar coisas espantosas, milagres que transformam o mundo… E, cumprida a sua missão, resta ao discípulo sentir-se servo humilde de Deus, agradecer-Lhe pelos seus dons, entregar-se confiada e humildemente nas suas mãos.
¨ A “fé” é, antes de mais, a adesão à pessoa de Jesus Cristo e ao seu projecto. Posso dizer, de facto, que é a “fé” que conduz e que anima a minha vida? Jesus é o eixo central à volta do qual se constrói a minha existência? É Jesus que marca o ritmo e a cor das minhas opç&
otilde;es e dos meus projectos?
¨ O “Reino” é uma realidade sempre “a fazer-se”; mas apresentam-se, com frequência, situações de injustiça, de violência, de egoísmo, de sofrimento, de morte, que impedem a concretização do “Reino”. Como é que eu – homem ou mulher de fé – ajo, nessas circunstâncias? A minha “fé” em Jesus conduz-me a um empenho concreto pelo “Reino” e entusiasma-me a lutar contra tudo o que impede a concretização do “Reino”? A minha “fé” nota-se nos meus gestos? Há algo de novo à minha volta pelo facto de eu ter aderido a Jesus e pelo facto de eu estar a percorrer o “caminho do Reino”? Quais são os “milagres” que a minha “fé” pode fazer?
¨ Nós, homens, somos, com frequência, muito ciosos dos nossos direitos, dos nossos créditos, daquilo que nos devem pelas nossas boas acções. Quando transportamos isto para a relação com Deus, construímos um deus que não é mais do que um contabilista, que escreve nos seus livros os nossos créditos e os nossos débitos, a fim de nos pagar religiosamente, de acordo com os nossos merecimentos… Na realidade – diz-nos o Evangelho de hoje – não podemos exigir nada de Deus: existimos para cumprir, humildemente, o papel que Ele nos confia, para acolher os seus dons e para O louvar pelo seu amor. É nesta atitude que o discípulo de Jesus deve estar sempre.
¨ De certas pessoas diz-se que “não dão ponto sem nó”, para descrever o seu egoísmo e as suas atitudes interesseiras. Porque é que fazemos as coisas? O que é que motiva as nossas acções e gestos: o amor desinteressado, ou o interesse pela retribuição?