7 de setembro de 2025 – 23º Domingo do Tempo Comum – Ano C

Jesus elenca três exigências fundamentais que devem ser tidas em conta por todos aqueles que se propõem seguir o “caminho do discípulo”. Todas elas implicam a renúncia a qualquer coisa, a fim de centrar a própria vida em Jesus e na sua proposta do Reino de Deus.
A primeira pede a renúncia à própria família (vers. 26). Na afirmação atribuída a Jesus aparece um verbo que, neste contexto, soa de forma estranha: “odiar” (“misséô”). O que é que Jesus pretende dizer quando exige que os seus discípulos “odeiem” o pai, a mãe, a esposa, os filhos, os irmãos, as irmãs e até a própria vida? Há quem pretenda que o verbo “odiar” foi aqui utilizado para substituir a forma comparativa, que em hebraico não existe. Nesse caso, deveria traduzir-se o verbo “misséô” como “amar menos”. O seguimento de Jesus implicaria o deixar em segundo plano todas as relações familiares, inclusive as mais queridas. Num contexto onde as relações familiares implicavam laços muito fortes, deixar a família em segundo lugar implicaria, mesmo assim, uma grande renúncia. Mas há também que entenda o verbo “misséô” num sentido mais radical: como rompimento total com o entorno familiar, sempre que os laços familiares são um obstáculo ao seguimento de Jesus. Jesus teria em vista, ao dizer isto, aqueles casos em que a família se oporia à adesão de um dos seus membros ao projeto do Reino. Nessas circunstâncias, seria necessário romper radicalmente com a família para seguir Jesus.
A segunda pede a renúncia a si próprio (vers. 27). Também neste caso a expressão usada por Jesus é extremamente forte: “quem não toma a sua cruz para Me seguir, não pode ser meu discípulo”. O que é que significa “tomar a cruz”? A cruz sintetiza toda a vida de Jesus. Desde o momento em que veio ao encontro dos homens, Jesus fez da sua vida um dom de amor. Viveu para cumprir o projeto do Pai, dando-se por amor em favor de todos, especialmente dos últimos, dos mais humildes e desprezados. Esse caminho levou-O ao confronto com as autoridades judaicas e, portanto, à cruz. E foi precisamente na cruz que Ele realizou o dom total de si próprio, a sua entrega até ao extremo. Toda a sua vida dada converge para a cruz; e a cruz torna-se a expressão radical de uma vida vivida em registo de amor, de dom total. “Tomar a cruz” e seguir Jesus é não viver para si próprio, correndo atrás de opções egoístas, privilegiando os próprios projetos pessoais, defendendo os seus interesses, o seu bem-estar, a sua segurança; “tomar a cruz” é seguir os passos de Jesus e fazer da própria vida um dom de amor a Deus e aos irmãos.
A terceira pede a renúncia aos bens materiais (vers. 33). Jesus diz: “quem de entre vós não renunciar a todos os seus bens, não pode ser meu discípulo”. Ele tem razão: quando a obsessão dos bens materiais toma conta do coração do homem, este torna-se escravo do “ter” e desliga-se de tudo o resto; o amor, a partilha, a fraternidade passam a ser palavras sem qualquer significado; os bens materiais tornam-se o valor supremo, subalternizando todos os outros valores; a preocupação fundamental do homem passa a ser acumular mais e mais; a vida do homem passa a construir-se à volta de uma lógica que não é a lógica do Reino de Deus. “É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus” (Lc 18,25) – dirá Jesus noutra ocasião.
As exigências que Jesus põe não são negociáveis. Suavizá-las seria pôr em risco o projeto do Reino de Deus. Exigem decisões fortes, compromissos firmes, passos ousados. Por isso, os candidatos a integrar a comunidade dos discípulos, antes de se comprometerem, devem pensar bem se são capazes de percorrer tal caminho. Para deixar isto bem claro, Jesus recorre a duas pequenas parábolas. A primeira conta a história de um homem que quis construir uma torre sem calcular os gastos necessários, mas depressa constatou que não tinha dinheiro para concluir a obra (vers. 28-30). A segunda refere-se a um rei que partiu para a guerra contra outro rei sem calcular se conseguiria, com forças inferiores, opor-se ao adversário que vinha contra ela com um exército mais numeroso (vers. 31-32). O homem que desiste de construir a sua torre depois de ter lançado os alicerces e o rei que desiste do combate antes de avistar as tropas inimigas, fazem figuras deploráveis; quem começa a percorrer o caminho do Reino mas desiste após as primeiras dificuldades, deixa uma má imagem de si próprio e defrauda as expetativas de todos os que testemunharam a sua opção.

INTERPELAÇÕES
• Talvez o mais impressionante neste texto seja a absoluta primazia que, na perspetiva de Jesus, o Reino deve assumir na vida dos discípulos. Ser discípulo de Jesus é ir atrás d’Ele no caminho do Reino, sem desculpas, sem cedências, sem condicionantes, sem transigências, sem meias tintas, sem “paninhos quentes”, sem acomodações fáceis. O Reino de Deus deve ser, para os discípulos de Jesus, a prioridade máxima, a pérola mais preciosa, o “tesouro escondido” pelo qual vale a pena deixar tudo o resto. É possível que esta radicalidade nos faça hesitar. Nós não estamos habituados a tal exigência, nem gostamos que nos coloquem sobre os ombros tanta pressão. Gostamos de caminhos que não exijam muito de nós, de soluções de compromisso, de propostas que não ponham em causa o nosso bem-estar, de indicações que não nos tirem da nossa zona de conforto, de direções que não nos obriguem a passar pela cruz. Como nos situamos face a tudo isto? Estamos, apesar de tudo, decididos a apostar em Jesus e na sua proposta? Sentimo-nos discípulos que caminham incondicionalmente atrás de Jesus? Que lugar ocupa o Reino de Deus e a sua justiça na nossa lista de prioridades?
• Tudo isto nos faz pensar na forma como, no dia a dia, os cristãos vivem a sua fé e como, nas nossas comunidades cristãs, se faz pastoral. Talvez o nosso exercício pastoral esteja, muitas vezes, mais direcionado para congregar grandes massas, do que para fazer discípulos de Jesus. Entusiasmamo-nos com acontecimentos religiosos que reúnem grandes multidões; ficamos orgulhosos quando podemos apresentar números elevados de batismos, de comunhões, de casamentos, de crismas, de confissões; sentimo-nos felizes com o número de pessoas que enchem as ruas das nossas cidades quando organizamos solenes procissões… Tudo isso tem, sem dúvida, o seu lugar nas nossas concretizações pastorais; mas a nossa preocupação primordial não deveria ser ajudar as pessoas a encontrar-se com Jesus, a conhecê-l’O, a segui-l’O, a colaborar com Ele na construção do Reino de Deus? Quando alguém se apresenta num dos nossos cartórios paroquiais para “marcar” um batizado ou um casamento, temos o cuidado de a ajudar a perceber que a receção do sacramento só faz sentido se ela está disposta a comprometer-se no seguimento de Jesus?
• Dentro do quadro de exigências que Jesus apresenta àqueles que querem percorrer o caminho do discipulado, sobressai a exigência de O preferir à própria família (“se alguém vem ter comigo, sem Me preferir ao pai, à mãe, à esposa, aos filhos, aos irmãos, às irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo”). Não é de ânimo leve que ouvimos isto. Sentimos até que Jesus, ao pedir-nos tal coisa, está a pedir demais, está a esticar demasiado a corda. O amor que sentimos pelas pessoas que nos são mais queridas parece-nos algo do qual não podemos nem devemos prescindir. Na verdade, Jesus não está a exigir que, sem mais, cortemos os laços com aqueles que amamos; está, com a linguagem peculiar dos pregadores da época, a dizer-nos que os laços afetivos, por mais sagrados que sejam, não devem afastar-nos dos valores do Reino de Deus. Pode acontecer que, em algum caso, alguém a quem estamos ligados por laços de família ou de amizade pretenda afastar-nos dos valores do Reino de Deus; nesse caso, segundo Jesus, devemos dar a primazia ao Reino de Deus. Já nos aconteceu, em alguma circunstância, termos de optar entre os valores de Jesus e as exigências de pessoas a quem estamos ligados por laços de afeto? Qual foi a nossa escolha?
• Outra exigência que Jesus faz aos candidatos a discípulos é a renúncia a si próprio e o tomar a cruz do amor, do serviço, do dom da vida (“quem não toma a sua cruz para Me seguir, não pode ser meu discípulo”). Trata-se de uma exigência que toca o âmago do nosso ser e que muda radicalmente o ângulo a partir do qual nós entendemos e construímos a nossa existência. “Tomar a cruz” é viver como Jesus. Ora, “viver como Jesus” é renunciar a construir a vida com chave de egoísmo, de autossuficiência, de ambição, de preocupação exclusiva com o próprio interesse pessoal; “viver como Jesus” é entregar a própria vida nas mãos de Deus, obedecer-Lhe, dar prioridade absoluta à concretização do projeto que Ele tem para o mundo e para cada homem; “viver como Jesus” é fazer da própria vida um dom de amor e amar, servir, cuidar dos irmãos que a cada instante se cruzam connosco nos caminhos da vida, especialmente os mais frágeis, os mais pequenos, os mais abandonados. Talvez o “viver como Jesus” não seja, para muitos dos nossos contemporâneos, um sentido de vida muito popular; mas é ainda hoje, como o foi sempre, o único caminho que os discípulos de Jesus devem percorrer. É nesta direção que temos andado a caminhar?
• Uma terceira exigência de Jesus pede aos candidatos a discípulos a renúncia aos bens (“quem de entre vós não renunciar a todos os seus bens, não pode ser meu discípulo”). Mas Jesus não sabe que necessitamos dos bens para viver? Ele não quer que vivamos dignamente, sem cairmos numa miséria que nos rouba a dignidade? Jesus sabe que necessitamos dos bens materiais para termos uma vida digna; mas também sabe que, com facilidade, nos apegamos aos bens materiais e nos tornarmos escravos deles. Quando isso acontece, perdemos o controle da nossa vida. Os bens materiais tornam-se o nosso “deus”. Esquecemo-nos de que os bens que Deus colocou à nossa disposição se destinam a todos os nossos irmãos; tornamo-nos indiferentes à sorte dos pobres; interessamo-nos apenas em juntar mais e mais, numa história de ambição e de avareza que nos isola, nos embrutece e nos desumaniza. A obsessão com os bens materiais subverte completamente a lógica do Reino de Deus, que é uma lógica de partilha, de dom, de fraternidade. Por isso, o apego aos bens materiais nunca poderá ser um elemento constitutivo do caminho do discípulo. Que lugar é que os bens materiais desempenham na nossa vida?
• Segundo parece, Jesus nunca se preocupou em ter um grande número de seguidores. O que Ele queria é que os seus discípulos – muitos ou poucos – interiorizassem os valores do Reino e que os vivessem de forma coerente e comprometida. Para Jesus, não valia tudo; o caminho do discipulado não é um caminho de facilidade. Por isso, Ele até pedia aos candidatos a discípulos que pensassem bem se se sentiam com forças para embarcar na aventura do Reino de Deus. Entretanto, passaram-se dois mil anos; o mundo mudou e nós temos uma outra compreensão das coisas. Não será altura de afrouxarmos algumas das exigências de Jesus para facilitarmos o envolvimento de mais pessoas no caminho da fé? A verdade é que as exigências de Jesus continuam válidas. Suavizá-las, atenuá-las, apresentá-las numa versão “light” poderá significar trairmos o Evangelho de Jesus. Aliás, nem sequer é certo que o afrouxamento das exigências se traduza numa maior adesão ao Evangelho: o que tantas vezes desanima as pessoas e as afasta da comunidade do Reino, não é a exigência, mas é o comodismo, a vulgaridade, o pouco compromisso, a falta de seriedade que veem na Igreja de Jesus. Como vemos isto e como nos situamos face a isto?

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