Não faria sentido para os antigos gregos a expressão amar a Deus. Os deus podiam amar o homem: manifestavam a sua predileção concedendo particulares dons e favores. E como sinal de reconhecimento esperavam depois, do homem que tinham favorecido, sacrifícios e holocaustos. Um reflexo desta mentalidade está presente também em alguns textos do Antigo Testamento. Pela boca do profeta Malaquias, o Senhor lamenta-se dos holocaustos miseráveis que os sacerdotes lhe oferecem: «Um servo teme o seu senhor… onde está a honra que me é devida?»
Ao contrário dos povos pagãos, Israel ama o seu Deus. Isto é o que Moisés recomenda ao povo: «E agora, Israel, o que o Senhor, teu Deus, exige de ti é que temas o Senhor, teu Deus, para seguires todos os seus caminhos, para o amares, para servires o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração e com toda a tua alma». O amor consiste em observar os mandamentos e em «guardarás todos estes mandamentos».
Nesta óptica, enquadra-se o amor ao próximo, sobretudo ao pobre, ao órfão, à viúva, ao estrangeiro: deve ser praticado porque se trata de uma obra agradável a Deus.
O Novo Testamento dá-nos a luz plena, aquela que permite entender o que significa realmente amar a Deus. A primeira carta de João é praticamente explícita: «É nisto que está o amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados.
O pior insulto que se podia dirigir a um Judeu era «cão» ou «pagão»; em segundo lugar, vinha «samaritano» que era o equivalente a «bastardo, renegado, herético!». No final do seu Livro, Bem Sirá usa uma expressão quase sarcástica da qual transparece o desprezo dos Judeus em relação aos Samaritanos. Chama-lhes: o povo tolo que mora em Samaria e que não é verdadeiramente um povo.
Na verdade, os Judeus tinham boas razões para considerar que os Samaritanos eram uns «excomungados». Desde há muitos séculos que se tinham misturado tanto com outros povos que já não podiam ser considerados estirpe de Abraão; tinham-se contaminado com os cultos pagãos, tinham esquecido as tradições dos pais, viviam de modo impuro; não aceitavam como sagrados os livros dos profetas, nem os sapienciais, nem os Salmos. Também Jesus, respondendo à samaritana, não hesita em dizer-lhe: vocês não sabem sequer qual é o deus que adoram, a salvação vem dos Judeus. Há dois domingos, o Evangelho recordava a grosseria feita ao Mestre e os apóstolos pelos Samaritanos.
O Evangelho de hoje apresenta-nos não um samaritano, mas um judeu, não um pecador, mas um justo, um doutor da lei que pergunta a Jesus: o que devo fazer para herdar a vida eterna? Note-se a fineza teológica: não fala em «merecer», mas de receber como herança a vida eterna. A herança – como sabemos – não se ganha, recebe-se de modo absolutamente gratuito.
Adequando-se ao que era habitual nas disputas rabínicas, Jesus não dá imediatamente uma resposta, mas dirige-lhe, por sua vez, outra pergunta: o que é que está escrito na lei?
Prontamente, o rabino vai buscar dois textos bíblicos. O primeiro é muito conhecido porque todo o israelita piedoso o recita nas orações da manhã e da noite: «Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma, com todas as tuas forças» o segundo, sobre o qual se insistia menos, é tirado do livro do Levítico: «e ao teu próximo como a ti mesmo». Resposta perfeita!
Então acaba tudo aqui? Se o juízo de Deus fosse relativo ao conhecimento de uma doutrina, o doutor da lei teria aprovado com a nota máxima. Mas Jesus, depois do elogio – Respondeste bem! – acrescenta: Faz isso e viverás. «Faz!» Não basta «saber». É a vida que comprova se assimilarmos ou não a palavra do Senhor.
O rabino – que não conseguiu embaraçar Jesus – insiste: «E quem é o meu próximo?» Está disposto até a fazer, mas sem exagerar; quer estabelecer bem os confins do amor.
Discutia-se entre os rabinos acerca de quem devia ser considerado próximo. Alguns – referindo-se ao já mencionado texto do Levítico que põe em paralelo o tempo próximo com filhos do teu povo – diziam que se deviam amar apenas os filhos de Abraão; outros estendiam este amor também aos estrangeiros que habitavam à muito tempo na terra de Israel. De qualquer forma, todos concordavam com o facto de que os povos distantes e, sobretudo, os inimigos não eram próximos. Os monges de Qumran seguiam este princípio: «ama os filhos da luz e odeia os filhos das trevas» e por «filhos da luz» entendiam os membros da sua comunidade.
Jesus não responde á pergunta do doutor da lei, porque a considera superada.
Para Ele não existe nenhuma barreira entre as pessoas e o problema não está em saber até onde deve chegar o amor, mas em como se deve manifestar e quem realmente ama Deus e o irmão.
É sobre este ponto – o mais importante; o único que conta – que o judeu e o samaritano são agora confrontados. A avaliação não é feita com base naquilo que se sabe, no que se diz, na fé que se professa com a boca, mas no que se faz.
Caríssimos, se Deus nos amou assim, também nós devemos amar-nos uns aos outros.