1) Vai e não tornes a pecar
O evangelho de hoje continua a lembrar-nos a misericórdia de Jesus, sempre pronto a perdoar. Mesmo que alguém tivesse cometido os maiores crimes do mundo, tem ainda aberto o coração de Cristo, que nos lava no Seu sangue, que nos limpa de todo o pecado.
A nossa reconciliação com Deus passa pelo sacramento da reconciliação. Ao institui-lo, em dia de Páscoa, Jesus diz aos apóstolos: “àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados. Àqueles a quem os retiverdes serão retidos” (Jo 20,23 ). Jesus concede-lhes esse poder e ensina que só neste sacramento dará o perdão. Por isso pensam erradamente os que afirmam que se confessam directamente a Deus. Ele, que é o ofendido, é que põe as condições e não quem O ofendeu, que somos nós.
Com a pandemia muitos se desleixaram na confissão. Alguns pensam que ali se apanha o Covid. Pelo contrário, ali nos curamos do pior dos vírus que é o pecado, que é o vírus mais perigoso do mundo porque nos conduz à infelicidade eterna.
Temos de estimar muito este sacramento maravilhoso. É o sacramento da alegria, que nos tira de cima das costas o peso dos nossos pecados. Robert de Niro, cineasta americano, numa das suas películas, relata a sua história de menino num dos bairros mais pobres de Nova Yorque, o Bronx. O pequeno personagem de nove anos tinha visto um assassinato mas não contou à polícia que o interrogara. Para tirar aquele peso das costas foi à igreja confessar-se. Juntamente com as suas traquinices referiu aquela situação sem revelar nomes. O sacerdote deu-lhe a absolvição e uns Pai-nossos de penitência. E o cineasta faz, em voz de fundo, este comentário: -que maravilha ser católico, porque, graças à confissão, podes partir sempre do zero.
Na confissão podemos sempre começar uma vida nova e ser nova criatura, de que falava S.Paulo.
Temos de animar os sacerdotes para este ministério tão importante, hoje que se vêem tão absorvidos por muitos trabalhos. João Paulo II, no seu livro Dom e mistério, por ocasião dos seus cinquenta anos de sacerdote, conta a sua visita a Ars, em França, quando era jovem sacerdote, em fins de 1947.Emocionou-se ao visitar a igreja onde o santo Cura d’Ars confessava: “S.João Maria Vianney impressiona – refere o papa – sobretudo porque nele se revela a força da graça que age na pobreza de meios humanos. Tocava-me profundamente, de modo particular, o seu heróico serviço no confessionário. Aquele humilde sacerdote, que confessava mais de dez horas por dia, alimentando-se pouco e dedicando ao descanso apenas umas horas, tinha conseguido num período histórico difícil, suscitar uma espécie de revolução espiritual em França e não só. Milhares de pessoas passavam por Ars e ajoelhavam-se no seu confessionário
…Do encontro com a sua figura nasceu-me a convicção de que o sacerdote realiza uma parte essencial da sua missão através do confessionário, através daquele fazer-se “prisioneiro do confessionário” (Dom e mistério (Lisboa 1996) p.66).
Na cena da mulher adúltera, que escutámos no Evangelho, o Senhor perdoa-lhe mas lembra: Vai e não tornes a pecar. Um elemento próprio do arrependimento e uma das suas manifestações é o propósito de emenda. Embora saibamos que podemos voltar a cair estamos dispostos a lutar seriamente para evitar todo o pecado.
Temos de pedir ao Senhor a graça duma verdadeira contrição com o propósito decidido de evitar o pecado. Pode ser a forma de fazermos melhor a nossa confissão nesta Quaresma.
É importante a acusação dos pecados e a Igreja continua a chamar a atenção para os abusos das absolvições colectivas que vão aparecendo aqui e além.
Mas o mais importante dos actos do penitente é a contrição ou dor de amor. Ao menos a contrição imperfeita, arrepender-se pela fealdade do pecado, perda do paraíso ou temor do castigo do inferno.
2) Continuo a correr
O melhor sinal de arrependimento e propósito de emenda é o desejo sério de sermos santos, sem ficar nas meias tintas. Ouvíamos como S.Paulo exclamava: “Não que eu tenha já chegado à meta ou já tenha atingido a perfeição. Mas continuo a correr, para ver se a alcanço… Só penso numa coisa: esquecendo o que fica para trás lançar-me para a frente, continuar a correr para a meta”
O mal de muitos cristãos é ter medo de serem bons demais. Por vezes até criticam os que pretendem viver o cristianismo com todas as suas consequências. Chamam-lhes radicais, fundamentalistas, etc. Muitos santos foram incompreendidos e perseguidos por gente boa, por viverem a sério a sua vocação cristã.
Não nos assustemos. Animemo-nos a amar ao Senhor sempre mais, pois a medida para amar a Deus é amá-Lo sem medida
Foi assim que o Senhor nos amou. “Fui alcançado por Jesus Cristo” – dizia o Apóstolo. E noutro lugar exclamava: “Ele amou-me e entregou-se à morte por mim”. A Igreja põe-nos nestes dias diante dos olhos a Paixão e Morte de Cristo. Olhemos para Jesus crucificado. É livro aberto que nos fala do amor sem limites que nos tem.
Neste tempo santo o Senhor bate à nossa porta, convidando-nos a lutar mais a valer pela santidade, a empregar os meios que põe à nossa disposição.
A Igreja convida-nos a viver melhor a Eucaristia, alimentando-nos do Corpo de Cristo. Mas não basta comungar. É preciso confessar-se também. A confissão frequente é a melhor forma de nos prepararmos para a comunhão. Quem recebe uma visita ilustre em sua casa procura prepará-la, vestir a melhor roupa. E Jesus que vem a nós pela comunhão é o Senhor do Céu e da terra. A Igreja insiste, neste tempo da Quaresma, na confissão e na comunhão.
Lembra-nos o nosso baptismo pelo qual morremos e ressuscitámos com Cristo, essa vida nova de filhos de Deus e convida-nos a deixar o velho fermento do pecado, para ser homens novos em Cristo.
3) Considerei tudo como lixo
S.Paulo ensina-nos a viver o radicalismo cristão, que é sinónimo desta luta pela santidade”. Considerei tudo como lixo para ganhar a Cristo e nEle me encontrar”. Este há-de levar-nos a crescer sempre mais na fé e no amor, vivido nas situações concretas do dia a dia, sem regatear nada ao Senhor.
“Estas crises mundiais são crises de santos” (JOSEMARIA ESCRIVA, Caminho 301). Um dos meios para alcançar a santidade é a confissão frequente. João Paulo II lembrou-o muitas vezes. Na Exort. Reconciliação e Penitência, que vale a pena voltar a ler, o Papa dizia: “É necessário continuar a atribuir grande valor ao Sacramento da Penitência e educar os fiéis a recorrerem a ele, mesmo só para os pecados veniais, como atestam a tradição doutrinal e a prática já seculares” (nº32)
E mais abaixo: “A celebração deste Sacramento torna-se para todos os cristãos “ocasião e estímulo a conformarem-se mais intimamente com Cristo e a tornarem-se mais dóceis à voz do Espírito”. Sobretudo deve frisar-se bem o facto de a graça própria da celebração sacramental ter grande eficácia terapêutica e contribuir para arrancar as próprias raízes do pecado” (nº32).
E aos sacerdotes lembrava: “Quero dirigir instante apelo a todos os sacerdotes do mundo, especialmente aos meus Irmãos no Episcopado e aos Párocos, para que favoreçam com toda a solicitude a frequência dos fiéis a este Sacramento, ponham em prática todos os meios possíveis e convenientes e tentem todos os meios para fazer chegar ao maior número de irmãos nossos a “graça que nos foi dada”, mediante a Penitência, para a reconciliação de cada alma e de todo o mundo com Deus em Cristo” (nº31).
O mesmo fez Bento XVI. Ao proclamar o Ano sacerdotal, nos 150 anos do Santo Cura d’Ars, quis pôr diante dos olhos trabalho heróico deste humilde apóstolo do confessionário.
Também o Papa Francisco tem insistido na confissão e confidenciava que se confessa todos os quinze dias.
No discurso aos jovens na Eslováquia, em Setembro do ano passado, dizia: “E quando nos sentimos em baixo, que podemos fazer? Há um remédio infalível para erguer-se: a Confissão. Vós ouvistes Petra? [«sim!»] O remédio da Confissão… Não vamos confessar-nos como pessoas castigadas que se devem humilhar, mas como filhos que correm para receber o abraço do Pai. E o Pai levanta-nos em qualquer situação, perdoa-nos todos os pecados. Fixai-o bem: Deus perdoa sempre! Entendestes? Deus perdoa sempre!
Deixo-vos um pequeno conselho: depois de cada Confissão, permanecei alguns momentos a recordar o perdão que recebestes. Guardai aquela paz no coração, aquela liberdade que sentis dentro de vós: não os pecados, que já não existem, mas o perdão que Deus te deu, a carícia de Deus Pai. Este, o perdão de Deus, guardai-o; não deixeis que vo-lo roubem. E na próxima vez que vos fordes confessar, lembrai-vos disto: vou receber de novo aquele abraço que me fez muito bem. Não vou a um juiz para regularizar as contas; vou a Jesus que me ama e cura”. (Discurso aos jovens 14-9-21)
Vale a pena redescobrir a maravilha deste sacramento. Mesmo humanamente.
Os sacerdotes receberam este poder de Jesus no dia de Páscoa. É a prenda de Jesus ressuscitado à Sua Igreja. Por isso, a confissão é, dum modo especial, o sacramento da alegria.
Que Nossa Senhora, que viveu sem mancha de pecado, nos ensine a crescer no horror ao pecado e em amor ao sacramento que nos lava e nos dá forças para vencê-lo e que tanto nos ajuda no caminho da santidade.