Jesus ressuscitado transforma a vida dos discípulos
1 Tudo é silêncio na terra, imobilidade, calma, enquanto uma mulher, sozinha e assustada, anda na escuridão da noite. Mas de repente tudo muda. Observemos o que acontece quando Maria encontra o sepulcro vazio: a cena muda como que por encanto. Sacudidos por um repentino frémito de vida, todos os personagens despertam do seu torpor e começam a movimentar-se com rapidez: «Maria de Magdala correu então e foi ter com Simão Pedro… Pedro partiu com o outro discípulo… Corriam os dois juntos, mas o outro discípulo antecipou-se, correndo mais depressa…» (v. 2-4). Surpreendendo a todos, no dia depois do sábado, a vida explode novamente com toda a sua força. Deus interveio e escancarou o sepulcro.
Também hoje, no mundo há regiões e situações em que a morte domina de maneira absoluta e o silêncio comemora a sua vitória. O poder, o princípio da força, a discriminação, a injustiça, o fermento da astúcia parecem por vezes esmagar definitivamente as forças da vida, e o homem sente-se como que retraído e inerte diante do triunfo do mal.
Todavia, o desânimo, a acomodação diante dos sinais da vitória da morte, serão compatíveis com a fé na ressurreição de Cristo?
- Ainda na manhã da Páscoa, Deus manifesta o primeiro sinal da revolução social que a ressurreição de Cristo pode operar: na sociedade hebraica, a mulher pertencia à categoria das pessoas discriminadas. Como os escravos, as crianças, os pastores, a mulher não era considerada testemunha idónea. Pois bem, Deus escolhe precisamente uma mulher para proclamar ao mundo o primeiro anúncio de que a morte fora vencida.
- Após esta explosão de vida, eis que entram em cena dois discípulos, Um deles é bem conhecido: Pedro; o outro não tem nome. É opinião geral de que se trata do evangelista João. Esta identificação, porém, aconteceu muito mais tarde, aproximadamente cem anos após a morte do apóstolo. Pode ser que ele tenha sido «o discípulo que Jesus amava», mas este personagem tem certamente um significado simbólico que é importante analisar.
Este discípulo sem nome aparece desde o início do Evangelho de João e está sempre relacionado de algum modo com Pedro. Acompanha Cristo antes de Pedro (1, 35-40); sabe distinguir quem está do lado de Jesus e quem está contra, enquanto Pedro não consegue fazer esta distinção (13, 23-26); permanece com o Mestre durante a Paixão, enquanto Pedro fica parado e O nega (18, 15-27); acompanha Jesus até ao Calvário; Pedro, ao contrário, foge (19, 25-27).
Em seguida, encontramos a passagem de hoje, na qual Pedro é novamente vencido, quer na corrida material, quer na espiritual: o discípulo que Jesus amava «começa a acreditar», enquanto ele, embora vendo as mesmas coisas, se limita a constatar e não chega ainda à fé na Ressurreição (20, 3-10). É este o momento culminante do caminho deste discípulo sem nome. Diante dos sinais da morte (o túmulo, os lençóis, o sudário…), ele percebe a vitória da vida.
No mar de Tiberíades, é mais uma vez este discípulo quem reconhece no homem, que Se encontra à beira-mar, o Ressuscitado, enquanto Pedro só mais tarde O reconhece (21, 7). Por fim, quando é convidado por Jesus a segui-l’O, Pedro não tem a coragem de fazê-lo sozinho, sente a necessidade de ter ao seu lado «o discípulo que Jesus amava» (21,20-25).
Quem representa ele então? Porque é que não tem nome? O motivo é simples: para que cada um de nós possa colocar o seu próprio nome e possa compreender o que deve fazer para ser como Jesus quer.
- O comportamento dos dois discípulos diante do sepulcro vazio repete-se ainda hoje. Há quem pense que a doação da própria vida é somente morte, renúncia, destruição de si mesmo. Outros, ao contrário, compreendem que uma vida consagrada aos irmãos, como fez Jesus, não termina com a morte, mas abre-se para a plenitude da vida em Deus.
Como se posiciona cada um de nós diante da escolha do dom da vida? Sabemos interpretar somente os sinais da morte (como Pedro), ou descobrimos os sinais da redenção (como o discípulo que Jesus amava)?
- A ação mais palpável da ressurreição de Jesus foi sua capacidade de transformar o interior dos discípulos. Os seus corações estavam feridos. Na hora da verdade, todos eram dignos de reprovação: ninguém percebeu corretamente a proposta do Mestre. E se todos eram dignos de reprovação, todos estavam necessitados de perdão. Tornar a dar coesão ao grupo dos discípulos, dar-lhes coesão no perdão mútuo, na solidariedade, na fraternidade e na igualdade, era humanamente impossível. Só a presença e a força interior do ressuscitado tornou tudo isso possível.
Só quando os discípulos desta primeira comunidade sentiram interiormente esta presença transformadora de Jesus, e quando a comunicaram, é que realmente experimentaram a sua ressurreição.
A imprevista e intempestiva novidade do Ressuscitado arranca desde as raízes as falsas seguranças e deixa que toda a comunidade encare a missão com uma força e uma dignidade até este momento desconhecidas.