8 de outubro de 2017 – 27 Domingo do Tempo Comum – Ano A

Deus é o Pai carinhosíssimo que nos reúne em cada Domingo, para nos ensinar ou recordar verdades fundamentais para a nossa felicidade temporal e eterna.
Se não fora a luz da Revelação, constantemente a recordar-nos a nossa dignidade humana e de filhos de Deus, as paixões desordenadas acabariam por obscurecer a nossa razão, e em breve o mundo se tornaria um lugar insuportável.
Deus quer ver-nos felizes na terra e no Céu. Por isso, vem hoje recordar-nos uma verdade doutrinal muito atacada em nossos dias: a indissolubilidade do matrimónio.

1. A santidade do matrimónio

A Liturgia da Palavra convida-nos a uma reflexão profunda sobre o sacramento do Matrimónio.
Embriagado pelos seus progressos no mundo da técnica, pelo domínio da natureza, o homem quer também dispor, segundo a medida dos seus caprichos, de algo que não lhe pertence: as exigências da lei natural. Hoje estão particularmente ameaçadas por esta ambição desorbitada as que se referem ao matrimónio.

a) Homem e mulher: igualdade de direitos e deveres. O texto do Génesis reporta-nos à formação do primeiro par humano. Deus interveio directamente para o formar. É doutrina de fé divina e católica (cfr. Vaticano I). Aqui se afirma também claramente que os dois têm a mesma natureza humana e são, como consequência, iguais em dignidade, embora cada um possua capacidades diferentes, de harmonia com a missão a que se destina.
«Uma vez que todos os homens, dotados de alma racional e criados à imagem de Deus, têm a mesma natureza e a mesma origem, e porque, redimidos por Cristo, gozam da mesma vocação e destino divinos, deve reconhecer-se cada vez mais, a sua igualdade fundamental… Toda a forma de descriminação que atinge os direitos fundamentais da pessoa, quer se funde no sexo, na raça, na cor, na condição social, na língua ou na religião, deve ser ultrapassada e eliminada como contrária aos desígnios de Deus» (II Concílio do Vaticano, Guadium et Spes, n. 29).
O facto de o homem ser o titular da autoridade no matrimónio não prova a sua superioridade sobre a mulher. Com efeito, onde duas ou mais pessoas se reúnem de modo estável, uma delas tem de assumir a chefia. O mando não significa uma superioridade, mas o chamamento a um serviço. E Deus quis dotar especialmente o homem para esta missão de serviço dentro da família.

b) União sagrada. A união entre o marido e a mulher não se pode comparar a qualquer outra na terra. É sagrada, porque foi instituída por Deus, para tornar os dois Seus cooperadores na formação de novos seres humanos.

Nesta missão única, eles estão – falando humanamente – de mãos dadas com Deus. «Por isso, deixará o homem seu pai e sua mãe, e se unirá a sua mulher; e serão dois numa só carne» (Gen 2,24).
São administradores – não senhores absolutos – da capacidade de gerar e educar, e deverão um dia prestar contas a Deus da sua generosidade ou mesquinhez. Isto quer dizer, portanto, que não devem perguntar-se um ao outro quantos filhos hão-de ter, mas têm de se apresentar os dois lealmente perante o Senhor para ouvir d’Ele a resposta no mais íntimo da consciência.
Só quando o homem e a mulher se esquecem de que são criaturas de Deus e Seus cooperadores no poder maravilhoso de transmitir a vida, caem na tentação de se escudarem atrás de «direitos», de «realização pessoal», de «liberdade», para fazerem vingar o egoísmo ditador.

c) Como Sacramento, o matrimónio é sinal da união de Cristo com a Igreja. Elevando-se à dignidade de sacramento, a união do homem e da mulher no matrimónio tornou-se sinal sensível da união de Cristo com a Igreja (cfr. Ef 5, 21 e ss).

2. Serão os dois numa só carne

Os contemporâneos de Jesus sentiam-se confundidos entre o rigorismo que os «puros» sustentavam e o laxismo que se infiltrava subtilmente, por influência dos povos vizinhos. E assim, a praga do divórcio começou a aparecer como mal menor. Permitia-se o repúdio, por parte do homem, em certas condições.
Não se tratava do divórcio no sentido actual, em que se atribui aos dois, em igualdade, um falso direito a contrair novo matrimónio. A mulher era simplesmente repudiada. É a tentação de sempre: oprimir os mais fracos – neste caso, a mulher – defendendo com leis os mais fortes. Infelizmente, esta situação não chocava muito, num ambiente em que a mulher era negociada para casamento.
O cancro do divórcio que hoje volta a aparecer na nossa sociedade, embora camuflado com as palavras mentirosas de «direito a recomeçar a vida», obrigados de novo a meditar nesta verdade fundamentai: o matrimónio consumado é indissolúvel.
O Senhor formou o homem e a mulher e uniu-os em matrimónio, para que estivessem na origem de novos seres humanos. A finalidade do matrimónio são os filhos. «Por sua própria natureza, a instituição matrimonial e o amor conjugal estão ordenados para a procriação e educação da prole que constituem a sua coroa» (II Concílio do Vaticano, Gaudium et Spes, n. 48).
Uma reflexão elementar sobre a realidade do matrimónio ajuda-nos a descobrir algumas das razões da indissolubilidade.

a) Exigência dos filhos. A indissolubilidade compreende-se melhor quando se pensa no fim para o qual ele foi instituído. Esta exigência não se encontra no acasalamento dos animais porque neles apenas se desenvolve a vida animal. O crescimento normal do homem, porém, até ao seu desenvolvimento completo, exige uma família unida, estável. O clima de amor entre os pais é indispensável para um desenvolvimento psíquico sadio da criança. Mais uma vez, como não podia deixar de ser, os dados da ciência estão a bater certos com os da fé.

b) Exigência do amor. Quando o amor é verdadeiro, não pode ter fronteiras de tempo nem de generosidade. Deus quer no lar um amor autêntico.

Os contratempos e pequenos choques que possam surgir são um condicionamento normal da vida. Como são duas pessoas em crescimento que se propõem caminhar juntas ao encontro de Deus, é natural que haja desajustamentos passageiros. De resto, quando estas dificuldades, normais no crescimento da amizade, encontram a condicioná-las um vínculo indissolúvel, valorizam as pessoas; os dois acabam por superá-las e regressar um ao outro mais amigos. Pelo contrário: quando o espantalho da separação se agita constantemente, a energia perde-se e o amor estraga-se, como vinho bom em vasilha rota.

c) Divórcio ou poligamia? Sejamos sinceros, e tiremos as consequências da realidade que o cancro do divórcio nos apresenta: não será ele, afinal, uma poligamia sucessiva, em vez de ser simultânea – por enquanto! – como acontece entre diversos povos bárbaros?
Por isso, Jesus defende intrepidamente a indissolubilidade da instituição matrimonial, e continua a levantar a Sua voz divina, pelos ensinamentos do Magistério, apesar da incomodidade que a aceitação desta verdade possa comportar. «Não separe o homem o que Deus uniu» (Mc 10, 9).
E para nos ajudar a resistir à tentação de soberba, que nos leva a não aceitar as exigências da Fé que ainda não compreendemos (e quando elas contrariam as nossas paixões desordenadas, temos tanta dificuldade em compreender!), Jesus apresenta-nos como modelo da docilidade aos Seus ensinamentos uma criança: «Todo o que não receber o reino de Deus como um menino, não entrará nele» (Mc 10, 25).

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